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Ainda se fala baixinho sobre a doença mental

A OMS estima que 10 a 20% dos adolescentes em todo o mundo tenham uma doença mental. Muitos dos casos não são diagnosticados, e o impacto pode ser verdadeiramente devastador

Todos nós já fomos adolescentes e se algum leitor ainda se encontra no período de transição da infância para a idade adulta, estará ainda a viver esta aventura transformadora de crescimento emocional, físico, mental. Entre os 10 e 19 anos somos convidados a viver muitas situações pela primeira vez, ou com uma consciência maior, enquanto desenvolvemos bons hábitos emocionais e sociais, percebemos a pessoa que queremos ser, e navegamos num misto de sentimentos e emoções muitas vezes felizes, muitas vezes conflituosas, que vamos aprendendo a processar e integrar. É uma fase particularmente vulnerável para todos nós e por isso é crucial promover o bem-estar psicológico dos adolescentes e tentar ao máximo minimizar os fatores de risco que podem ter um impacto negativo no seu potencial de crescimento e desenvolvimento da doença mental nesta idade.

O aparecimento da doença mental na adolescência

Segundo a Organização Mundial de Saúde, estima-se que 10 a 20% dos adolescentes no mundo tenham uma doença mental. O alerta da OMS vai mais longe: é preciso estar mais atentos aos nossos jovens neste período de transição, visto que metade das doenças mentais surgem por volta dos 14 anos. José Salgado, médico psiquiatra que trabalha essencialmente com adolescentes, refere que “as principais dificuldades prendem-se com a necessidade de diferenciar o que são as transformações normais na adolescência (alguma rebeldia, novos amigos, novas experiências, procura de maior autonomia, por exemplo), de primeiros sinais de doença que, de certa forma podem ser semelhantes”. Por variadíssimos fatores, muitos destes casos não são diagnosticados corretamente e prolongam-se no tempo: é importante que os cuidadores tenham à sua disposição mais ferramentas para identificar sinais de alarme, porque receber um diagnóstico de doença mental nesta idade é um assunto sério. É enorme “o impacto de sofrer de uma doença que poderá ser grave, prolongada e estigmatizante; a revolta em relação a isso – que acontece igualmente em doenças não psiquiátricas -; e a dificuldade da família e da sociedade em lidar com tudo isto”, comenta o especialista.

“as principais dificuldades prendem-se com a necessidade de diferenciar o que são as transformações normais na adolescência (alguma rebeldia, novos amigos, novas experiências, procura de maior autonomia, por exemplo), de primeiros sinais de doença que, de certa forma podem ser semelhantes”
José Salgado, médico psiquiatra

Quais são, afinal, os sinais de alerta? Anote, anote

A linha entre o que é a típica ‘parvoíce da idade’ e fragilidade e sofrimento mental que merece atenção redobrada é muito ténue, daí a importância de se rodear de especialistas que possam ajudá-lo a avaliar a situação corretamente e a fazer um diagnóstico exato. O médico psiquiatra português explica que “os sinais de alerta para a eventualidade de estar com uma doença mental numa fase inicial passam muitas vezes por alterações dos padrões comportamentais, perda súbita de rendimento escolar, desistir de atividades que anteriormente davam prazer”, por exemplo. Esteja atento caso o adolescente que acompanha demonstre alterações nos padrões de sono, mudança do grupo habitual de amigos ou se estiver a ter comportamentos “estranhos”, isto é, algo “diferente do habitual, com algumas bizarrias no discurso e/ou no comportamento”. Segundo José Salgado, são estes, alguns dos sinais que podem indicar que existe um sofrimento psicológico com impacto, “a que os pais ou outras pessoas significativas devem prestar atenção”. Existem, pois claro, sintomas mais específicos que dependem do tipo de doença, contudo o médico português explica que se os sintomas acima se verificarem, deve ser pedido apoio técnico especializado.

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Existem muitos casos não diagnosticados. E o risco é enorme

É tão certo como dois mais dois serem quatro: não tratar a doença mental na adolescência traz consequências para a vida adulta. Uma doença mental não acompanhada por um especialista indicado não desaparece com o tempo, nem é ‘coisa da idade’. É um assunto sério, com repercussões graves. A regra é simples, como explica o Dr. José Salgado: “como em relação a todas as outras doenças, quanto mais precoce for o diagnóstico, melhor será o prognóstico”. Nesta fase da vida – a adolescência -, “de estruturação da personalidade, os quadros psicopatológicos têm, geralmente, maior impacto desorganizador na pessoa”. Quanto se trata de doenças psicóticas, o período de doença não tratada – DUP (Duration of Untreated Psychosis) -, “é em média de dois anos, o que nesta fase da vida pode ser devastador”.

“os canabinóides, em pessoas suscetíveis podem potenciar o risco de psicose, mas também o álcool, as drogas sintéticas, a cocaína, só para falar daquelas cujo o consumo é mais frequente”
José Salgado, médico psiquiatra

Muito pouco valorizado na Comunicação Social, segundo José Salgado, é o “peso que os consumos de algumas drogas têm sobre a doença”, explica, “os canabinóides, em pessoas suscetíveis podem potenciar o risco de psicose, mas também o álcool, as drogas sintéticas, a cocaína, só para falar daquelas cujo o consumo é mais frequente”, finaliza.

Ainda se fala baixinho sobre a doença mental

Ainda se fala ao ouvido, muito baixinho, acerca de histórias e diagnósticos relacionados com saúde mental: o estigma sobrevive porque o medo de se falar em praça pública sobre um assunto que nos toca a todos mantém-se. “Sem dúvida que deveria falar-se muito mais sobre doença mental, que segundo estudos epidemiológicos de prevalência em Portugal, pode atingir cerca de 20% dos cidadãos”, comenta o médico psiquiatra, “apesar disso continua a ser falada de forma discreta e muitas vezes, principalmente no caso da depressão, como uma não doença, ou uma doença menor”, completa. A prevenção em contexto familiar, comunitário e escolar é da maior importância quando se trata de ter uma atitude preventiva em relação a este tipo de patologias: “a prevenção primária, o trabalho junto das escolas e da comunidade em geral deveria ser muito mais amplo”. Os números também falam por si, visto que “em termos económicos, o custo global de uma pessoa com esquizofrenia deficientemente tratada é quase 4 vezes superior ao dessa mesma pessoa, se tratada adequadamente”.

“a prevenção primária, o trabalho junto das escolas e da comunidade em geral deveria ser muito mais amplo”
José Salgado, médico psiquiatra

Se existe algo essencial que é importante retirar da leitura deste artigo é que o despiste precoce e o tratamento destas doenças podem evitar contextos mais graves: o tratamento é essencial e a fórmula prescrita varia  de acordo com o caso médico. Este processo “deve ser sempre encarado numa perspetiva multidisciplinar, que inclua a dimensão medicamentosa, mas também abordagens psicoterapêuticas adaptadas à doença em causa, alterações positivas do estilo (atividade física e outras de caráter lúdico), educação/esclarecimento sobre a doença ao próprio e à família e amigos sobre o que é a doença e a necessidade”.

Até quando vamos falar baixinho sobre saúde mental? A dura realidade da falta de diagnóstico precoce fala por si: vamos fazer diferente?

Saiba mais sobre este projeto em: https://observador.pt/seccao/observador-lab/saude-mental-janssen/

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

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Com a colaboração de:

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