A ANA – Aeroportos de Portugal tem prontos os projetos para a realização de obras de expansão e melhoria de serviço no aeroporto Humberto Delgado, mas não pode avançar com a sua execução enquanto não for houver uma decisão global e definitiva sobre a solução aeroportuária em Lisboa.

Durante a audição realizada na quarta-feira na comissão de economia e obras públicas, o presidente executivo da concessionária, Thiery Ligonnières, explicou que a empresa não esteve de braços cruzados durante o período da Covid-19, marcado por uma forte redução do tráfego. “As nossas equipas estiveram a trabalhar bastante para preparar projetos e fazer propostas de melhoria nas infraestruturas. Não estamos a falar de aumento de capacidade, mas sim da necessidade de melhorar o desempenho operacional e ambiental e de maior qualidade do serviço”.

O gestor adiantou ainda que os projetos estão prontos e que a empresa está “a trocar ideias com o concedente e aguardamos respostas para que as propostas possam avançar, mas no âmbito de uma solução aeroportuária abrangente”. Mas, ao que apurou o Observador, obras que envolvam intervenção fora da área construída vão ficar suspensas até que seja novamente decidida a futura solução aeroportuária para a região de Lisboa, processo sofreu mais um recuo na semana passada.

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O memorando assinado com o Governo em 2019 previa obras na Portela e um aeroporto complementar no Montijo. As duas coisas estão ligadas e, nos termos do contrato de concessão, a ANA não pode fazer as obras em Lisboa sem definir o modelo global para a solução do aeroporto de Lisboa, se envolverem alterações a nível da infraestrutura e do layout já que, pelo contrato de concessão, têm de ser validadas pelo concedente. Isto mesmo que essas obras não impliquem aumento de capacidade. Apenas o que está dentro do edificado já existente pode ser mexido.

Os projetos em cima da mesa da ANA correspondem apenas à primeira fase do plano de reforço de capacidade de Lisboa que foi acordado com o Governo em 2019 no quadro da solução conjunta com o Montijo, o qual previa uma relocalização do terminal de passageiros para aumentar o número de posições de estacionamento de 60 para 70, reforçando também o número de mangas.

Isto porque a expansão inicialmente negociada com o Governo, que iria aumentar substancialmente o número de movimentos por hora para 72, face aos atuais 38/40, tinha já sido afastada por causa das limitações de voos durante a noite e das reservas suscitadas pela Câmara de Lisboa. O projeto de expansão da Portela nunca chegou a ser objeto de avaliação de impacte ambiental, como era exigido por vários grupos ambientalistas, e ao contrário do que se passou com o aeroporto complementar do Montijo que chegou a receber uma declaração de impacte ambiental favorável, mas condicionada, e cuja validade termina em 2024.

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Apesar das dúvidas adicionais trazidas pela crise política em torno da decisão do aeroporto, há um dado que parece ser consensual no roteiro desse processo. Terá de haver uma avaliação ambiental estratégica prévia a apoiar a futura decisão sobre o futuro aeroporto, isto se António Costa cumprir o objetivo de negociar com o PSD. O que significa, no melhor dos cenários, que avaliação estará concluída em 2023 para permitir a tomada de decisão. Este era o calendário previsto quando foi lançado o concurso internacional para escolher a entidade responsável pela avaliação. Com a esperada anulação do concurso, admite-se que o trabalho seja feito pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

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O que está atualmente em cima da mesa são as intervenções para a Portela que foram referidas no despacho revogado assinado pelo secretário de Estado das Infraestruturas, no qual se assinalava a dificuldade de conseguir obter uma declaração ambiental que as viabilizassem e o ambiente social de rejeição, cada vez mais generalizado, de um possível aumento do número de movimentos por hora.

As obras que terão lugar na nova solução dual (Portela mais Montijo) terão como objetivo a melhoria da operacionalidade da infraestrutura, de modo a aumentar a qualidade da experiência dos passageiros, a redução dos atrasos na operação e o incremento do desempenho ambiental do aeroporto”, apontava o despacho.

Este projeto correspondia a investimentos entre os 200 e os 300 milhões de euros, menos de metade dos apontados para o aeroporto de Lisboa em 2019.

O memorando assinado em janeiro de 2019 com o Estado e que consagrou a solução Portela mais Montijo como aeroporto complementar previa até que, do investimento total de 1,2 mil milhões de euros, a maior fatia — no montante de 650 milhões de euros — fosse mobilizada para o reforço da Portela. Segundo o plano descrito em vídeo feito pela ANA, a expansão seria desenvolvida por fases, chegando-se ao final do projeto com o reforço de posições de estacionamento de 60 para 86. E implicava o encerramento da pista secundária da Portela (que fechou em 2019) e a desativação de Figo Maduro.

Estava igualmente prevista a expansão do terminal de passageiros e a construção de novos cais com ligação direta a mais 13 mangas para embarque e desembarque de passageiros. Seria reforçada a capacidade dos sistemas de terminal (check-in, controlo de segurança, passaportes, entrega de bagagens) e novas saídas de pistas, com o prolongamento do taxiway paralelo e rede reforçada de caminhos de circulação em pista. Estas alterações iriam permitir, por exemplo, que o Humberto Delgado pudesse receber os maiores aviões do mundo, os Airbus A380. As obras na Portela também previam novos acesso rodoviários, para poente e norte — Alta de Lisboa —, independentes da segunda circular, bem como novas praças de chegadas para autocarros e táxis e mais parques de estacionamento para automóveis.

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A ANA reconhece as dificuldades resultantes das limitações da infraestrutura aeroportuária, e que a tornam mais vulnerável a eventos disruptivos como aqueles que estão a abalar os aeroportos europeus por causa das vagas de cancelamentos de voos por parte das companhias aéreas.

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“A infraestrutura em si não cria atrasos, mas quando acontecem atrasos e disrupções, e todos os slots estão a ser usados, é mais difícil recuperar dos atrasos no tráfego e voltar às operações normais”, afirmou no Parlamento Thierry Ligonnières. Mas o presidente executivo afastou a redução da capacidade na Portela, garantindo que o aeroporto de Lisboa estava mais bem preparado do que outras infraestruturas europeias que foram obrigadas a reduzir a disponibilidade para voos para estabilizar a operação.

Não fizemos e achamos que não é necessário em Lisboa, o que quer dizer que estamos melhor preparados e com capacidade para gerir a operação”.

O gestor referiu a negociação com o Ministério da Administração Interna para melhorar o tempo de resposta do SEF no controlo de passaportes e o esforço feito pelas empresas e handling — a ANA é acionista da Portway — para contratarem mais pessoal para o verão. “O nível da saturação dos aeroportos é grande, mas é comportável”.

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Nas declarações prestadas na comissão de obras públicas ficou também a ideia de que redução de capacidade no aeroporto não é do interesse da concessionária que recebe taxas mais altas por via do aumento de tráfego. Os lucros da concessionária são bons para o Estado e para o país que a partir de 2023 vai partilhar o ganho de receitas obtido pela empresa. A ANA prevê ter mais lucros em 2022. “Cada euro que a ANA receber a mais vai criar mais receita para o Estado”. O modelo de regulação económica foi útil durante a pandemia porque quando o tráfego caiu as taxas baixaram, um “esforço para a ANA” (sublinhou o CEO) que deu “um alívio adicional às companhias aéreas.

A empresa regressou aos lucros em 2021, num total de 25 milhões de euros. A grande crise da aviação só gerou um ano de perdas para a concessionária que foi 2020 ano em que os prejuízos foram 80 milhões de euros. Em 2019, os lucros tinham sido de 303 milhões de euros.

Thierry Ligonnières referiu ainda que, apesar de estarem à espera de aprovação para aumentar a capacidade, o que está escrito no contrato de concessão como sendo o nosso papel é “criar mais tráfego, é aumentar a conetividade aérea de Portugal e tivemos de otimizar a gestão operacional do aeroporto para poder receber mais tráfego na mesma infraestrutura”. A ausência de capacidade tem impacto porque bloqueia o desenvolvimento da conetividade de Portugal. “Nem sempre conseguimos slots para algumas operações críticas.” E deu como exemplo, a Qatar Airways com quem a ANA está em contactos. “É importante não perdermos estas oportunidades porque perdemos estas companhias para os concorrentes”.