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André Pestana ganhou notoriedade à frente do sindicato de professores S.T.O.P e — já depois de entrar em rutura com o partido que fundou, o MAS — anunciou a candidatura à Presidência da Repúbica. Em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, não tem problemas em entrar ao ataque ao almirante Henrique Gouveia e Melo, que abandona esta sexta-feira a carreira militar para preparar uma eventual corrida a Belém. “Deve incomodar todos os portugueses ter um militar [na Presidência] e ainda por cima um militar que já afirmou que devemos estar preparados para morrer onde a NATO disser que é para morrer”, atira o sindicalista.
André Pestana compara-se a Jorge Sampaio por ser alguém que ganhou notoriedade na luta estudantil e chegou a Belém e acredita que a luta do S.T.O.P. inspirou vários outros setores a desistirem das “lutas tradicionais”. Ainda sobre notoriedade, o dirigente sindical atira-se a André Ventura, sugerindo que o líder do Chega chegou à comunicação social através de “padrinhos”. “É estranho um advogado ser comentador desportivo. Seria mais lógico um professor de educação física”, protesta.
Recusa-se a dizer em que votaria à segunda volta porque acredita que pode lá chegar. Por outro lado, rejeita dizer que nunca desistirá, optando por uma frase mais cautelosa:” Não pretendo, neste momento, com o cenário que está em cima da mesa, desistir”.
“A luta do S.T.O.P influenciou outros setores”
Disse que foi desafiado por 50 ativistas e por isso decidiu candidatar-se. Mas as candidaturas presidenciais resultam em primeiro lugar de uma vontade própria. Quando é que isto lhe passou pela cabeça?
Certamente se recordará das grandes manifestações de profissionais de educação, em particular no ano letivo 2022-2023 e eu, nessas manifestações, era interpelado por populares. Alguns até faziam questão de dizer que não eram profissionais de educação, mas estavam solidários e alguns, de facto, diziam que eu tinha que concorrer a Presidente da República. Ou seja: faziam esse desafio, que eu confesso que nunca levei propriamente a sério. Agora, foi algo mais a sério: houve 50 ativistas sociais a fazer o desafio.
Já parece o almirante que, quando ia às vacinas, toda a gente lhe pedia para ser candidato presidencial. Assim era o André quando estava nos manifs de professores, é isso?
Há aqui uma grande diferença: [a minha candidatura] surgiu num processo coletivo, de ser desafiado por outros. E quem acompanhou com atenção a luta dos profissionais de educação certamente terá visto que, ao contrário de outros sindicatos, que já existem há décadas, o S.T.O.P. fez sempre algo diferente. Não só lutas inovadoras, como, por exemplo, a que aconteceu a 27 de dezembro de 2022, dois dias depois do Natal. E mais uma que mostra que gosto de coisas loucas ou arriscadas: ousámos fazer um encontro nacional de delegados, e está registado até a nível televisivo, em Coimbra, que é uma região central do país, para que então os delegados eleitos nas diferentes escolas, independentemente de serem sócios ou não do S.T.O.P., decidissem como continuar a luta. E nós fizemos, de seis em seis semanas, durante o pico da luta, assembleias e encontros para ouvir os profissionais de educação para que fossem eles a decidir e não meramente o André Pestana e os dirigentes do S.T.O.P. Os sindicatos estiveram nas últimas décadas a fazer basicamente as mesmas coisas esperando resultados diferentes.
Também não precisa de ser assim tão duro com Mário Nogueira.
Não me referi a Mário Nogueira. Há outros dirigentes sindicais, nomeadamente na educação. Não gosto de personificar. Agora, o colega que referiu, também, obviamente, é um dos que está há muitas décadas a fazer o mesmo esperando resultados diferentes. Os profissionais de educação, e nomeadamente os professores relativamente à questão do tempo de serviço, já tinham vários anos das lutas tradicionais e com a luta dinamizada pelo S.T.O.P. e com esta vertente democrática…
Acha que foi por causa do trabalho do S.T.O.P. que a recuperação do tempo de serviço dos professores aconteceu?
Sim, sim, sinceramente sim. E se perguntar a qualquer profissional…
Mais do que pelo facto de haver um excedente coincidentemente nessa altura e, portanto, o Governo ter decidido responder a essa reivindicação.
Se reparar, já havia excedente anteriormente, curiosamente durante o último ano do Governo PS. A questão é que esta luta foi claramente o que despoletou. Um desafio que às vezes costumo fazer às pessoas: se virmos Portugal em novembro de 2022, antes de começar a greve por tempo indeterminado do S.T.O.P., a 9 de dezembro de 2022, as injustiças estavam lá, mas havia pouquíssimas greves. Havia, sobretudo, as greves tradicionais. A partir da greve do S.T.O.P., até me recordo, logo em janeiro, os funcionários judiciais iniciaram uma greve por tempo indeterminado.
Mas depois começa a haver mais ganhos no setor, depois da mudança do governo. Isto quer dizer que a vitória da AD foi mais eficaz do que as greves do S.T.O.P. para resolver os problemas dos professores?
A luta do S.T.O.P. influenciou depois positivamente outros setores. Recordo, por exemplo, os trabalhadores da aviação que tinham uma frase do: “Não voamos, não voamos…” [cantarola]. Ou seja: com o ritmo do “não paramos”, do S.T.O.P. Ou seja: houve lutas, claramente, fora da caixa completamente diferentes das habituais. Que, com o devido respeito, que também as fiz, durante muitos anos, essas lutas tradicionais, só nos faziam perder cada vez mais direitos e não ganhávamos. E, curiosamente, com estas lutas inovadoras, começámos a conseguir conquistas. Reparem até na luta recente dos trabalhadores do INEM, mais uma vez completamente fora da caixa: conseguiram um aumento muito significativo de salário, mas fruto da luta e não do Governo.
Notoriedade? “Jorge Sampaio também se destacou na luta estudantil”
Falando desse trabalho que fez no S.T.O.P. disse numa entrevista na SIC que o sindicato lhe deu notoriedade, que pode agora ser útil para este desafio. Não teme que seja também uma notoriedade negativa? Não ganhou anticorpos nessa altura?
O que a colega me perguntou foi se a projeção que o S.T.O.P. teve me tinha dado a tal notoriedade. Dei o exemplo de Jorge Sampaio, que foi Presidente da República e que também se tinha destacado na luta estudantil. Ou seja: isso parece-me um processo natural.
Mas quando Jorge Sampaio foi candidato presidencial já tinha sido líder do PS e era presidente da câmara de Lisboa. Aliás, chegou a acumular essas duas funções.
Obviamente, e aí podemos dizer que chegou a líder do PS ou a presidente da Câmara de Lisboa porque provavelmente tinha-se destacado na luta estudantil. Ou seja: isto aqui já quase parece a história do ovo e da galinha. As pessoas são reconhecidas pelo ativismo social e têm direito, como qualquer cidadão que não seja conhecido [a ser candidatos presidenciais].
“Há quem tenha padrinhos. É estranho um advogado ser escolhido para comentar futebol”
Então o ativismo que fez não gerou nenhum tipo de notoriedade negativa?
Essa pergunta terá que fazer a outras pessoas. O que tenho sentido nas ruas, e isso digo com toda a honestidade, é que eu tive uma, duas situações, menos agradáveis. De resto, até à semana passada fui interpelado por pessoas de vários setores, desde a saúde a reformados, em que fizeram questão de me agradecer porque gostavam muito de me ouvir, [disseram] que foi muito importante o exemplo que os profissionais de educação deram ao país e que tinha gerado frutos.
Ou seja: tem menos interações negativas.
Sim, claramente. Relativamente a essa questão as pessoas têm que distinguir uma coisa: quem consegue protagonismo ou algum destaque fruto do trabalho de associativismo ou de ativismo, das pessoas que não eram conhecidas por ninguém e que aparecem como comentadores a receberem dinheiro para se promoverem e que depois são lançados para outros voos. Isso as pessoas devem estranhar. Pessoas que não têm um percurso de ativismo, mas que foram, porque se calhar tinham padrinhos ou contactos em alguns órgãos de comunicação e começaram a comentar, nomeadamente até comentários desportivos, e que depois foram lançados. Isso é que acho estranho e, curiosamente, às vezes não se faz essa questão.
Está a falar de André Ventura.
Exatamente. É estranho que um advogado tenha sido escolhido para ser comentador, acho que é no mínimo estranho, seria mais lógico um professor de educação física. Mas não, foi um advogado que certamente deve perceber muito de futebol, sem dúvida nenhuma, mas que foi escolhido a dedo para se promover e agora está no lugar que está. As pessoas devem estranhar por que é que grupos económicos que dominam os media convidam pessoas que não têm sequer percurso a nível desportivo para comentarem e não pessoas que dão o seu melhor, que pretendem que as lutas sejam decididas democraticamente pelos seus pares e que levam as lutas a melhor porto.
Teve muitas críticas, incluindo nos partidos mais à esquerda, que não concordavam com as greves que promovia. Esse não é o espaço político que quer ocupar na candidatura a Belém?
Quem me conhece sabe que não ando preocupado se o espaço político A ou B ou C é agradável ou não. Foi um processo coletivo, quando avançámos para essa greve, escolhida democraticamente – é importante que as pessoas tenham noção que não foi meramente a cabeça do André Pestana ou dos dirigentes. Mas como infelizmente há relações muito fortes entre os partidos tradicionais, nomeadamente a esquerda e o sindicalismo tradicional, nós soubemos que não fomos propriamente acarinhados por esses partidos. Mas isso é como tudo. Quero estar bem com a minha consciência, quero dar o meu melhor para quem está a trabalhar.
O ponto é se isso não o prejudica no espaço político que naturalmente é o seu.
Precisamente por isso é que, se eu estivesse aqui com um objetivo eleitoralista, poderia ter tido esses cuidados. Os meus cuidados passam por dar o meu melhor para que as lutas sejam decididas democraticamente pelos próprios trabalhadores, para que os próprios trabalhadores possam melhorar as suas condições de trabalho. E neste caso vão melhorar as condições de aprendizagem dos nossos alunos, porque os nossos alunos vão ser muito prejudicados não pelas greves, mas, fruto da política das últimas décadas, pela falta de professores. Porque se desvalorizaram tanto as condições de trabalho e os salários desses profissionais que neste momento há falta de pessoas a querer abraçar esta profissão, que é estruturante.
O que é que seria para si um bom resultado, qual é que é a fasquia?
Confesso que não ando aqui a pensar qual seria um bom resultado, vejo isto como um processo. Para mim um bom resultado é ter os profissionais da saúde, dos transportes, da educação, os trabalhadores do lixo, os bombeiros, os pescadores, o público e o privado, a se reverem nesta candidatura, a participarem, é uma candidatura para os trabalhadores de vários setores que se identificarem. Pretendo ser a voz desses trabalhadores que estão a lutar por si e também por melhores condições, em particular dos serviços públicos, para as nossas populações.
“Não iremos estar a pagar jantaradas”
Para que essa candidatura chegue a bom porto disse que precisaria de uma “participação financeira” dos trabalhadores que o apoiam para financiar a campanha. Já fez as contas, sabe de quanto é que vai precisar?
Não fiz as contas. Naturalmente vai ser uma campanha modesta, ou seja, não iremos estar a pagar jantaradas, almoçaradas, como muitas vezes se ouve noutro tipo de campanhas, o que obviamente envolve muito dinheiro e por isso envolve patrocínios. Não há almoços grátis, como se costuma dizer. Iremos tentar fazer sessões de esclarecimento, naturalmente, almoços, jantares, mas acreditem que as pessoas vão pagar o seu jantar ou o seu almoço, porque de facto é uma candidatura de trabalhadores e para trabalhadores, e por isso aqui não há dinheiro que venha a ganhar aqui.
Mas mesmo que o método seja muito diferente, vai ter de fazer uma campanha pelo país e houve muita gente que já se candidatou e que depois ficou com dívidas por pagar.
Conheço o exemplo do antigo candidato Freitas do Amaral, da Maria de Belém. Mas vai ser uma campanha modesta, tentarei obviamente ir a todos os locais para onde os trabalhadores me chamem para fazer sessões, para ser a voz dos seus problemas. Vivemos num país relativamente pequeno, por isso acho que, até usando os transportes públicos sempre que for possível, em particular com o comboio, confesso que é o meu transporte favorito…
Com o passe do Governo até fica mais barato.
Não haverá uma derrapagem… Já pedi, já pedi, porque sou adepto do comboio.
E vai continuar a ser coordenador do S.T.O.P? Ou pretende suspender essas funções?
Enviei uma carta que eu enviei antes de tornar pública a decisão de aceitar este desafio, para ser candidato à Presidência da República. O que disse aos sócios e mantenho é que vou coordenar com a direção do S.T.O.P. como e quando vou suspender o cargo de coordenador. Pretendo efetivamente fazê-lo, mas vou fazer isso com calma. Seria irresponsável fazê-lo de um momento para o outro, vou fazer essa suspensão coordenando com os meus colegas, que também têm demonstrado grande dedicação.
Disse que não desistirá da candidatura. Não pode contribuir para dividir votos e impedir que um candidato de esquerda vá a uma eventual segunda volta com um candidato como o almirante Gouveia e Melo?
O problema que temos tido é as pessoas não se identificarem com os candidatos e até com os partidos. Por isso é que temos uma abstenção muito significativa, algo que nos deve preocupar a todos. O facto de haver uma candidatura como esta, que sai de fora do mainstream, do que é normal, do que é esperado e claramente antissistema, anti-políticas destas últimas décadas – então em particular as que nos têm levado à situação calamitosa que estamos a viver na Saúde, nos transportes, mesmo na Educação – mostra que faz falta essa diversidade.
Não vai desistir nem que Cristo desça à terra, como diria o atual Presidente da República?
Não quero fazer a figura de alguns, que dizem isso e depois fazem o contrário; outros que prometem que se viessem para a política poderiam trazer-lhes uma corda para porem ao pescoço… não pretendo, neste momento, com o cenário que está em cima da mesa, desistir e pretendo, sim, levar a bom porto esta candidatura, para que seja a voz dos sem voz, dos trabalhadores de vários sectores, porque é indigno para muitos e muitos trabalhadores portugueses que dão o seu melhor diariamente mas continuam sem dignidade devido a um salário muito baixo e que muitas vezes até os obriga a emigrar.
“Ter militar na Presidência deve incomodar todos os portugueses”
Incomoda-o ter um militar na Presidência?
Não deve incomodar só o André Pestana, mas todos os portugueses. Ter um militar, e ainda por cima um militar que já afirmou que devemos estar preparados para morrer onde a NATO disser que é para morrer… Eu tenho dois filhos, e acho que muitos portugueses não querem que os seus filhos, os seus netos, os seus sobrinhos morram onde e quando a NATO disser que é para morrer. Diria até que isso é uma perspetiva anticonstitucional, porque na nossa Constituição está lá o primado pela paz. Os portugueses infelizmente já tiveram guerras, a guerra colonial foi um trauma muito grande, e não queremos novamente os nossos jovens a morrer, e ainda por cima numa guerra para cumprir desejos dos outros. A guerra que queremos fazer não é contra outros povos, é a guerra contra os baixos salários, contra a precariedade, contra a destruição dos nossos serviços públicos e contra a ganância. Há muito dinheiro em Portugal mas não está a ser bem distribuído e, de facto, se fosse bem distribuído, todas as pessoas poderiam ter um emprego digno, uma habitação digna…
Já percebemos que acha que o almirante podia precipitar mais depressa que Portugal fosse para a guerra e mandasse efetivos. Numa segunda volta, contra um candidato do centro como Marques Mendes, Mário Centeno, António José Seguro ou Passos Coelho, taparia a cara e votaria num que não o almirante?
Quando isso acontecer terei todo o gosto em responder. Quero é que coloque essa questão ao Marques Mendes. Se o almirante for à segunda volta com André Pestana, ele também vai tapar a cara e vai votar no André Pestana?
Entre o almirante e André Ventura consegue decidir?
A acontecer esses cenários, terei todo o gosto em lhe responder, mas depois também agradeço que coloque essas questões aos outros intervenientes. Não quero estar aqui a dar logo azo a dizer que não vou à segunda volta. Quem me conhece sabe que dou sempre o meu melhor, mesmo quando as batalhas são muito difíceis, e certamente será. Não estou a cantar vitória antes do tempo. Agora, também não vou estar logo numa posição subalterna a dizer que os outros é que vão eventualmente à segunda volta. Não. Vai haver um debate político, vai haver uma campanha, as pessoas são livres de decidirem e às vezes o que parecia impossível aconteceu. Certamente a luta dos funcionários da educação foi um exemplo. Como é que é possível o sindicato mais pequeno, mais jovem, ter feito aquele projeto?
“Confesso que gosto muito da Festa do Avante!”
Segue-se o segmento Carne ou Peixe, em que o entrevistado tem de escolher uma de duas opções.
Com quem é que ia beber um fino e comer uma empalhada no Tropical, na Praça da República, em Coimbra: Mário Nogueira ou Mariana Mortágua?
Mariana Mortágua.
Preferia voltar ao MAS ou voltar a ajudar a montar a festa do Avante, já que já foi militante da JCP?
Confesso que gosto muito da festa do Avante.
E preferia comer um pastel de Belém depois do seu novo trabalho em Belém, se chegar lá, com André Ventura ou com Nuno Melo?
Nesse dia fazia dieta.
Numa segunda volta entre Passos Coelho e André Ventura, em quem é que votaria?
Já respondi a isso, não vou estar aqui a fazer cenários. Passos Coelho já disse que não vai ser candidato, por isso essa questão não se coloca.
Mas não votaria em qualquer um contra André Ventura?
É muito possível.