901kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

António Diniz é é especialista em pneumologia e na área da infeção por VIH. Coordena a Unidade de Imunodeficiência do Hospital Pulido Valente, em Lisboa
i

António Diniz é é especialista em pneumologia e na área da infeção por VIH. Coordena a Unidade de Imunodeficiência do Hospital Pulido Valente, em Lisboa

António Diniz é é especialista em pneumologia e na área da infeção por VIH. Coordena a Unidade de Imunodeficiência do Hospital Pulido Valente, em Lisboa

António Diniz: "Atrasos em Lisboa inviabilizam qualquer tentativa de controlo da situação"

Pneumologista e membro da equipa da DGS para a Covid, António Diniz defende que a situação de Lisboa era previsível e foi mal preparada. Atrasos com infetados tornam impossível controlar o surto.

O aumento do número de casos de Covid-19 em Lisboa nas últimas semanas pode ter apanhado as autoridades de saúde e os decisores políticos de surpresa, mas António Diniz, pneumologista e ex-diretor do Programa Nacional para a Infeção por VIH, diz que era mais do que previsível que acontecesse como aconteceu. A resposta, acredita, não está nas medidas de restrição, mas na falta de uma análise rigorosa da realidade da área metropolitana de Lisboa, diferente de todas as outras, com muitas zonas de habitação social, precária, e com populações com baixos salários e em risco de desemprego, que dependem dos transportes públicos para se deslocarem.

Se era previsível, porque é que não foi acautelado? Não foi por falta de aviso, mas talvez tenha sido por desconhecimento, diz, porque continua a haver um hiato entre a decisão política e a realidade no terreno. Isso significa que os peritos não estão a ser ouvidos? Pode significar, mas António Diniz prefere não o dizer na entrevista ao programa Sob Escuta da Rádio Observador. Membro da equipa especial criada pela Direção Geral da Saúde (DGS) para acompanhar a evolução da pandemia em Portugal, terá coisas a dizer sobre a utilidade — ou não — dessa mesma task force, mas só o fará na reunião que espera ter brevemente com Graça Freitas.

Agora, o problema principal está na falta de capacidade que, comprovadamente, os médicos de saúde pública têm tido para acompanhar todos os casos positivos e traçar a lista de possíveis contactos, de forma a colocá-los sob vigilância. Esta semana, o Observador revelou que centenas de infetados esperavam 4, 5 ou até 9 dias pelas chamada telefónica que serve para identificar possíveis contágios. “Impensável” e “inaceitável, diz o pneumologista, que explica que isso “inviabiliza qualquer tentativa de controlo da situação”.

"Disse-o publicamente, que me parecia um bocado arriscado e que não me sentia muito confortável com os valores que apresentava esse R. Mas não era só o R. Era também o número de novas infeções que ocorriam."
António Diniz, pneumologista e membro da task force da DGS para a Covid-19

E fazê-lo é urgente, sobretudo nas próximas duas semanas, que “são decisivas”, até porque estão quase aí a fase final da Liga dos Campeões em Lisboa. António Diniz, que é também coordenador da Unidade de Imunodeficiência do Hospital Pulido Valente, em Lisboa, preferia que o evento não acontecesse — até porque, com fronteiras abertas, deverá trazer muitos adeptos, mesmo que não possam entrar nos estádios —, mas diz que o foco agora tem de ser garantir que todas as regras são cumpridas e que há um controlo de possíveis infetados ou casos suspeitos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para trás fica uma decisão de desconfinamento que considera precoce (também porque o Rt, o índice de contágio, da região de Lisboa continuava perto de 1) e a falta de informação clara sobre dados que poderiam ajudar os portugueses a “exercer mais conscientemente a sua cidadania”. Não tem dúvidas de que isso, aliado ao discurso político que apelava à retoma das atividades com alguma normalidade, “contribuiu para os comportamentos de risco”.

(Ouça aqui a entrevista na íntegra a António Diniz)

Covid-19 em Lisboa: “Isto era tão previsível”

Há várias semanas que se debate e analisa o aumento de casos em Lisboa e parece não haver propriamente um consenso sobre o que está exatamente a acontecer. Na sua perspetiva, o que é que se passa, afinal, nesta região?
Eu poderia ir muito atrás para percebermos o que correu bem durante o período de confinamento e, inversamente, o que não está a correr tão bem durante este período em que promovemos sucessivamente a abertura do país indiscriminadamente em todas as regiões. Sabendo nós que era sempre muito difícil nós estarmos completamente preparados para todas as situações, aquilo que eu diria que se passou em Lisboa ou que se está a passar em Lisboa resulta, em primeiro lugar, de não termos conseguido fazer uma análise completa da realidade da área metropolitana de Lisboa, que é uma região que é substancialmente diferente das outras regiões do país, nomeadamente da região Norte.

Não conseguimos ou não foi feito esse trabalho?
Eu não me apercebi de que ele tivesse sido feito. Não sei se ele foi feito ou se efetivamente não foi feito.

E quem devia ter feito esse trabalho?
Isto devia estar incluído no trabalho de planeamento e organização de todo o processo de — vou usar o termo um termo mais comummente usado — desconfinamento.

Portanto, estamos a falar das autoridades políticas e das autoridades de saúde, é isso?
Sim, em última análise é sempre a elas que cabe essa responsabilidade. Mas isto vem um pouco de trás. Ou seja, a situação em Lisboa nunca foi uma situação muito clara, mesmo quando se procedeu ao desconfinamento. E isto tem a ver não só com o célebre Rt — que, na altura ou nos dias anteriores, ainda se situava, de acordo com os registos oficiais, à volta de 1 —, mas tem a ver também com o número de novas infeções que foram ocorrendo e que se mantinha persistentemente a um nível que já indiciava que havia qualquer coisa que se poderia correr o risco de eventualmente se agravar.

"O que é que têm em comum a tuberculose e a infeção por VIH? São doenças transmissíveis e são doenças em que o componente de comportamento tem um papel determinante e as condições sociais também têm papéis determinantes. Portanto, não era de estranhar que a região de Lisboa, uma vez a entrada a infeção, pudesse entrar exatamente por aqui pelos locais por onde entrou e pudesse propagar-se da forma como se propagou."
António Diniz, pneumologista e membro da task force da DGS para a Covid-19

Esse Rt, que andava ali sempre perigosamente à volta de 1, ora ligeiramente abaixo, ora ligeiramente acima na região de Lisboa, deveria ter sido indício suficiente para que as medidas, quando foram levantadas no desconfinamento, não tivessem sido levantadas de imediato em Lisboa como nas outras regiões? Dizia que foram levantadas em todas as regiões, isso para si está errado?
Atenção, eu não estou a dizer nada que não tenha dito antes de se ter procedido ao desconfinamento. Disse-o publicamente, que me parecia um bocado arriscado e que não me sentia muito confortável com os valores que apresentava esse R. Mas não era só o R. Era também o número de novas infeções que ocorriam. É evidente que isto podia ter corrido bem e nós podíamos ter contrabalançado este risco acrescido. Podíamos, se tivéssemos tido uma capacidade de preparação e de organização para esta fase muitíssimo boa.

E não tivemos?
Os resultados estão à vista. Volto a dizer: nem sequer estou a dizer nada que não tenha já dito inclusive publicamente. Eu estava há um bocado a falar da questão da realidade da área metropolitana de Lisboa. E o que é que ela tem de particular? Tem de particular, por exemplo, os fenómenos migratórios. Só o distrito de Lisboa tem maior população migrante do que toda a região Norte e toda a região Centro. Segunda coisa: os fenómenos de multiculturalidade — com os seus hábitos, as suas tradições — são muito mais marcados na região de Lisboa.

Mas isso não é uma novidade. Porque é que foi ignorado?
Não, mas aí é que está. Aí é que está. Eu não sei se foi ignorado ou se não se conseguiu, naquele curto espaço de tempo, montar todos os mecanismos para responder a estas previsíveis situações. Eu lembro, por exemplo, que uma das questões que a OMS levanta como uma das condições para o desconfinamento é que os sistemas de saúde devem estar munidos da capacidade de detetar, testar, isolar, tratar e rastrear todos os contactos. Olhando para as características da população de Lisboa, sabe que isto era tão mais previsível! Não é por acaso que a região de Lisboa é uma das regiões que concentra o maior número de casos de tuberculose do país, conjuntamente com a região Norte, e é onde se concentra o maior número de casos de infeção por VIH. E o que é que têm de comum todas estas doenças? São doenças transmissíveis e são doenças em que o componente de comportamento tem um papel determinante e as condições sociais também têm papéis determinantes. Portanto, não era de estranhar que a região de Lisboa, uma vez a entrada a infeção, pudesse entrar exatamente por aqui pelos locais por onde entrou e pudesse propagar-se da forma como se propagou.

Estamos a falar da coabitação em casas pequenas e em bairros com grande densidade populacional, estamos a falar também dos transportes…
Estamos a falar de emprego precário, da necessidade das pessoas, muitas vezes mesmo sintomáticas, irem trabalhar… Estamos a falar de todas essas coisas e estamos a falar também do que me apontou agora, que é a questão dos transportes que são utilizados por essas pessoas. Aquilo que nós deveríamos também ter tido capacidade — e que eu espero que agora se esteja a fazer porque, nos últimos 10 dias, tem se falado muito mais nisso — é ter uma adequada resposta dos transportes a este tipo de necessidade e também às próprias orientações que a DGS emanou sobre como é que deve ser feito o transporte dos utentes durante este período.

Passageiros do metro de Lisboa durante uma viagem, em Lisboa, 29 de abril de 2020. O decreto-lei que regulamenta a aplicação do estado de emergência até dia 02 de maio, define que o número máximo de passageiros por transporte deve ser reduzido para um terço do número máximo de lugares disponíveis, por forma a garantir a distância adequada entre os utentes dos transportes. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Os transportes públicos insuficientes para garantir o distanciamento social são apontados como um dos problemas na região de Lisboa e Vale do Tejo

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Mas ainda esta semana o ministro das Infraestruturas dizia que era inviável para a CP e para as necessidades da população cumprir o distanciamento social dentro dos comboios. E o Governo insiste, aliás, que não há qualquer problema de sobrelotação. Isso significa que um problema que está identificado há tanto tempo, que está a ser debatido já há muitos dias — até pela situação da Azambuja —, afinal não é visto como um problema porque quem decide e não, não vai ser resolvido?
Essa é a primeira questão em que nós nos temos que pôr de acordo: é perceber se existe um problema ou se não existe um problema. Eu acho que, face às tentativas têm vindo a ser divulgadas por parte de várias entidades, implicitamente todos estamos a reconhecer que é necessário melhorar essas condições. Até pode ser que seja impraticável algum tipo de situação, mas nós podemos usar transportes alternativos. Pode haver, por exemplo, o recurso ao transporte rodoviário, aumentar a frota de transporte rodoviário disponível se for impossível, nomeadamente, encurtar o espaçamento entre os diferentes comboios.

"Quando demoramos muito tempo a diagnosticar um caso suspeito, o problema são todas as outras pessoas que são contactos dessa pessoa e que já andaram, entretanto, cá fora — sem o saberem, absolutamente de forma involuntária —, eventualmente assintomáticas a fazer a sua vida e, possivelmente, a poderem estar a transmitir o vírus."
António Diniz, pneumologista e membro da task force da DGS para a Covid-19

Mas tivemos ontem a ministra da Saúde a dizer que não há casos registados de contágio nos transportes…
Daquilo que eu me apercebi, foi mais não estaria provado. Se bem que seja sempre muito difícil uma pessoa provar exatamente como é que muitas pessoas adquirem exatamente a infeção, porque ela está dispersa na comunidade. E a questão é que nós estamos numa fase em que não podemos ir apenas atrás das pessoas que têm sintomas. Como dizia um colega meu que muito prezo, o Dr. Filipe Froes, nós temos de ir atrás do vírus. E temos de ir atrás daquelas pessoas que potencialmente sejam contactos ou que possam estar a facilitar a transmissão do vírus sendo assintomáticas.

Esse também já se percebeu que é um dos problemas nesta região. O Observador avançou que centenas de infetados demoraram três, quatro, em alguns casos nove dias até serem contactados para fazerem uma lista dos seus contactos, para que houvesse esse rastreamento e esse acompanhamento de correr atrás de vírus.
Isso não pode ser, não pode ser. É impensável que nós consigamos controlar a situação em Lisboa quando isso se passa. Inviabiliza qualquer estratégia, inviabiliza qualquer tentativa de controlo da situação. Se há pessoa suspeita: nesse dia, essa pessoa tem de fazer o teste; o resultado deve estar disponível nesse dia ou, no máximo, na manhã do dia seguinte; e todas as pessoas que são contactos próximos de raiz dessa pessoa que é suspeita devem estar igualmente em quarentena e devem fazer igualmente o teste logo, no caso de ele ser positivo. Numa casa onde, por exemplo, há cinco ou seis pessoas, como é que se consegue manter pessoas que são contactos de pessoas suspeitas em quarentena? Só se consegue se a resposta também for muito rápida. Porque se a resposta demorar quatro, cinco, seis dias, é absolutamente impraticável. Agora seria fácil conseguir isso se nós tivéssemos uma resposta em 24 horas, no máximo. Quando demoramos muito tempo a diagnosticar um caso suspeito, o problema são todas as outras pessoas que são contactos dessa pessoa e que já andaram, entretanto, cá fora — sem o saberem, absolutamente de forma involuntária —, eventualmente assintomáticas a fazer a sua vida e, possivelmente, a poderem estar a transmitir o vírus.

O problema está identificado, a questão estará mais na falta de solução. Agora sabemos que foram ou vão ser chamados voluntários. Isto resolve-se com voluntários?
Eu acho que o voluntariado nunca deve ser a base da resolução de situações que estão tipificadas e que são da responsabilidade oficial. Eu entendo, aceito, regozijo e fico muito satisfeito por haver pessoas que se voluntariam, mas é para resolver apenas uma parte da situação. Aliás, a própria senhora ministra disse que se propôs que houvesse colegas, por exemplo, de saúde pública que aceitassem deslocar-se voluntariamente ou então o fizessem remotamente — porque parte deste trabalho pode ser feito remotamente, estando eles em zonas menos afetadas por este problema.

Portanto, este rastreamento não está a ser feito como devia ser feito em Lisboa. É essa a conclusão a que chegamos?
Eu quero crer que, nesta altura, as pessoas estão a fazer um esforço para que ele seja mais célere, mas… Às vezes as soluções provêm de coisas muito simples. Acho que, por exemplo, se devia perguntar assim — e esta pergunta devia ser respondida pelas entidades oficiais: quanto tempo uma pessoa suspeita de ter uma infeção por Covid-19 demora a ter o resultado do teste? Quanto tempo demora a fazer o teste? Isto devia ser respondido. Devia ser respondido também: quanto tempo é que os contactos próximos assintomáticos demoram a efetuar o teste? Essas pessoas permaneceram, entretanto, em quarentena? Se houver resposta a isto, nós logo saberemos se se está a fazer corretamente ou se é preciso ainda melhorar o sistema. Até agora, não se fez.

A ministra da Saúde, Marta Temido, durante a conferência de imprensa diária sobre o novo coronavírus (covid-19), realizada no Ministério da Saúde, em Lisboa, 24 de maio de 2020. JOSÉ SENA GOULÃO/POOL/LUSA

A ministra da Saúde admitiu dificuldades no acompanhamento dos infetados na região de Lisboa

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Nesse trabalho poderia ser útil a aplicação de telemóvel para acompanhamento e rastreamento dos contactos de pessoas infetadas, na lógica de alertar as pessoas que podem ter estado próximas de infetados?
Para já, todas essas coisas são voluntárias, tanto quanto eu sei. Posso estar enganado, porque não sei exatamente o que é que ficou definido. Portanto, poderia contribuir? Nalguns casos, poderia, mas eu acho que não resolve o problema. Ainda não encontrei ninguém que me desse resposta, por exemplo, a estas duas perguntas. E a simples resposta a estas duas perguntas permitia identificar um problema, eventualmente, e abria logo o caminho àquilo que é, nesta altura, o papel que as pessoas assintomáticas estão a ter na transmissão da infeção.

As medidas que foram impostas à área metropolitana de Lisboa e algumas freguesias dentro desta região vão ser reavaliadas até ao dia 16 de julho. Qual destacaria como a mais importante que, eventualmente, não tenha sido tomada? 
Provavelmente, isto que estive a dizer. Nós falamos muitas vezes em que fazemos muitos testes. Isso é verdade, mas precisamos de ter os testes feitos às pessoas certas e a resposta certa. Isto é absolutamente crucial. A segunda coisa me parece que vamos ter de ter muita atenção é a abertura das fronteiras e a atenção aos aeroportos. Vamos entrar num período em que nós já abrimos a fronteira com Espanha, vamos estar com a situação nos aeroportos previsivelmente com maior fluxo de passageiros e vai ter de ser encontrada uma forma de não importarmos casos do estrangeiro.

E como é que isso se faz?
Para além da medição da temperatura, para além do cartão — que eu suponho que será eletrónico — que permite identificar a pessoa e o local onde ela está, para se averiguar se, eventualmente, a pessoa está assintomática… Eu acho que este procedimento ia ser um procedimento absolutamente proativo e devia se fazer era todos os dias perguntar à pessoa diretamente, utilizando esse sistema, se está tudo bem com ela.

Mas se nós não estamos a conseguir fazer isso para os que estão cá, provavelmente não vamos conseguir chegar aos que vêm de fora… 
Mas a minha função é dizer o que é que eu acho que deve ser feito. E o que é que é crucial, para que seja feito. Provavelmente deveríamos equacionar se as pessoas não deveriam, previamente, pelo menos nalgumas situações, entrar em Portugal após terem realizado um teste que se tenha revelado negativo.

"Foi reconhecido, e ainda bem — porque isso acontece também com outras doenças — que existe uma proporção de pessoas que não são encontradas. Essa proporção é significativa? Como é que se procura resolver este problema?"
António Diniz, pneumologista e membro da task force da DGS para a Covid-19

Está a dizer que o que lhe cabe é dar sugestões e dizer o que lhe parece melhor. Já vimos outras pessoas da task force da DGS fazerem exatamente a mesma coisa e dizer exatamente a mesma coisa, mas as medidas continuam a ser tomadas pelo Governo sem que pareça haver a concordância dos peritos. Para que é que serve, afinal, esta task force?
Essa é uma boa questão. Eu, se me permite, porque espero ter uma reunião com a DGS oportunamente, nesta altura não iria comentar ou responder à sua pergunta, porque não me parece correto ir dizer previamente na comunicação social aquilo que eu acho que devo dizer dentro da DGS.

Mas já tem uma lista pronta de coisas a dizer nessa reunião.
Tenho.

E é longa?
Já lhe dei aqui duas perguntas. Eu, por exemplo, também gostava de saber porque é que todos os fins de semana os números baixam. A mim o que interessa saber é se isso corresponde a um atraso de dois ou três dias na resposta do resultado do teste.

Isso pode ser fulcral em muitos casos, não é?
Não é aceitável. Nesta fase, não é aceitável, nomeadamente em Lisboa. Outra coisa, por exemplo: foi reconhecido, e ainda bem — porque isso acontece também com outras doenças — que existe uma proporção de pessoas que não são encontradas. Essa proporção é significativa? Como é que se procura resolver este problema?

Mesmo aquela questão de algumas pessoas terem maior dificuldade de comunicação. Dizia o Dr. Rui Portugal que algumas pessoas não conseguiam dizer o nome ou não se percebia. O que é que está a ser feito para resolver isso?
Nas outras patologias — e eu falo nomeadamente daquela que conheço — recorra-se a organizações de base comunitária que têm capacidade de penetração nessas populações e que têm, muitas vezes, tradutores que fazem esse papel. As organizações de base comunitária que trabalham com essas comunidades têm formas de conseguir atingi-las. Eu suponho que era isso que, quando eu estive pela última vez num canal televisivo, o Dr. Bernardino Soares disse que já estava a fazer em Loures. Mas, atenção, isto devia ter sido previsto antes. Porque isto ia provavelmente acontecer, porque aconteceu com outras doenças. Porque é que não aconteceu? Se calhar não aconteceu porque há um distanciamento entre o conceito teórico e a sua aplicação prática. Se fosse perguntar, provavelmente, ao doutor Bernardino Soares, ele desde o princípio que sabia. E se calhar outros autarcas sabem. Se calhar, o Dr. Fernando Medina também sabe. E eu só não digo mais nomes de autarcas da região de Lisboa porque não conheço. O Dr. Basílio Horta, em Sintra, se calhar também conhece. Porquê? Porque as pessoas estão próximas das situações e sabem como é que hão-de encontrar as soluções para situações específicas, que eram previsíveis.

Sinto-o desiludido e como que a dizer “há questões tão óbvias e que poderiam ter sido feitas e não foram”. É isso que sente? 
Eu não me sinto desiludido. Não se trata de uma questão de desilusão. Trata-se de uma questão de tentar alertar, dentro da minha perspetiva, do conhecimento que eu tenho das situações. Eu trabalho com pessoas com tuberculose, como VIH, há décadas. Eu já estive envolvido na história da gripe A. Portanto, muitas destas coisas eram coisas que eram previsíveis se pudesse acontecer. Isto são alertas porque eu acho que nós estamos a tempo. E, nesse aspeto, as próximas duas semanas vão ser absolutamente decisivas. Há uma coisa, em teoria, que é boa, que foi a constituição da comissão para a supressão da Covid-19, na área metropolitana de Lisboa. Eu sou relativamente avesso, quando começo a ver muitas comissões e muitas pessoas a mexerem-se, mas reconheço que pode ser uma coisa boa e já se vão ver resultados durante os próximos dez dias. Demos um novo passo há pouco tempo e vamos ter os reflexos disso. Abrimos a fronteira com Espanha ontem [quarta-feira], salvo erro. Portanto, tudo isto vai tornar-se decisivo. E o objetivo que nós devemos ter é esmagar a curva. Temos de esmagar a curva em Lisboa para podermos respirar.

E devíamos “esmagar” primeiro a curva antes de termos eventos como a Liga dos Campeões em Lisboa?
Seria o ideal. Eu não meto em causa a realização da Liga dos Campeões, desde que cumpram uma série de requisitos, embora reconheça que vai ser difícil e embora reconheça que, da forma como estamos, não é a melhor altura. Por isso é que eu acho que nós temos que, até lá e nomeadamente nos próximos tempos, os tais 10/15 dias, nós temos de baixar significativamente.

Mas se essa parece ser a opinião de vários peritos, que é cedo, que é arriscado, que pode não haver condições nessa altura, porque é que, mesmo assim, esta decisão foi tomada? Há aqui uma clivagem, há um afastamento entre aquilo que é a opinião dos peritos e aquilo que é a decisão política?
Eu vou dar lhe a minha visão. Aquilo que eu estou a transmitir são as minhas preocupações, fundamentalmente, em termos de saúde. Eu percebo que a cessação do estado de emergência e o desconfinamento tenha sido feito naquela altura. Para mim, atendendo às questões de saúde que se levantavam, provavelmente foi precoce. Mas eu percebo é uma decisão política, que tem de jogar com outros fatores que, provavelmente, uma pessoa não domina. Aqui na Liga dos Campeões, não foi seguramente por uma questão de saúde. Isto é, foi seguramente por outros motivos que ela foi aceite. Muito bem. Então vamos criar as melhores condições para que ela se realize. E, para mim, criar essas condições é esmagar a nossa curva. Sabe porquê? Para mim não é particularmente relevante — é relevante, claro, mas tem um complemento — a questão de haver espectadores ou não haver espectadores no estádio. É evidente que, da forma como nós estamos, é absolutamente impraticável. Mas há outra questão: com as fronteiras abertas e com as oito melhores equipas e com maiores claques na Europa, eu não acredito que muitos desses adeptos não venham a Lisboa.

"Às vezes tive a sensação de que o discurso que ia passando corria em paralelo, quando não divergente mesmo, com os resultados que nós estávamos a ter."
António Diniz, pneumologista e membro da task force da DGS para a Covid-19

Até porque, por tradição, mesmo quando não conseguem entrar no estádio, as claques acompanham as equipas. 
Pois. É neste aspeto que está o meu receio. Não é pela realização do jogo, porque dir-se-ia a seguir que nós temos jogos em Portugal, de quatro em quatro dias. Não é esse o problema. Para mim, o problema pode pôr-se é na quantidade na quantidade de pessoas que virão e se nós temos capacidade para forçar o cumprimento estrito das normas que devem existir em relação ao comportamento. Senão, nós podemos arriscar-nos a ter agravamentos — episódicos ou não — da situação em Lisboa. Aquilo por que eu me bato, nesta altura que está aceite a vinda da final da Champions, é para que sejam cumpridos esses requisitos para que tudo possa decorrer da melhor forma, sem haver novos surtos na cidade ou na periferia da cidade de Lisboa.

O que é que tem de ser feito para que sejam criadas as condições de que falava para termos uma situação mais estável na altura da Liga dos Campeões ou, independentemente do evento, daqui a duas semanas, as tais duas semanas decisivas? O foco principal das autoridades deve ser garantir que o seguimento dos doentes é feito rapidamente, naqueles prazos de que falava, ou seriam precisas outras medidas restritivas em relação a Lisboa?
Eu estou de acordo com a generalidade das medidas que foram determinadas na altura. Pareceu-me é que poderiam ser insuficientes. O nosso maior problema, muitas vezes, não é conseguirmos elaborar um conjunto de decisões. É, depois, a sua aplicação e a sua monitorização. Esse é um outro aspeto que eu acho que é absolutamente crucial: a monitorização de todas as decisões — dos testes, por exemplo, de como os transportes estão a funcionar. Não sei se a senhora ministra, se o senhor secretário de Estado, se a senhora diretora-geral da Saúde, mas devem ter diariamente ou bi-diariamente relatórios sobre todas essas situações, saber exatamente aquilo que eu perguntei: quanto tempo demorou o teste, o resultado do teste nesta nesta região? Quanto tempo demorou a ser feito? Os contactos próximos foram já todos rastreados? Quantos é que faltam? Porque é que faltam?

E os organismos estão a conversar uns com os outros? Também tivemos notícia de que não estavam, que, por exemplo, não teria havido uma reunião com todos os diretores dos hospitais de Lisboa.
Essa será uma questão diferente porque os hospitais estão a atuar num patamar diferente daquele em que nós estamos a falar. Na verdade há muitas questões que se levantam: olhe, por exemplo, sabe quantas pessoas foram admitidas diariamente a internamento? Ninguém sabe, mas era importante saber-se. Ou seja, quando se diz “estão internadas X pessoas e tantas em cuidados intensivos”, esta informação era preciosa sobretudo para nós sabermos se o Serviço Nacional de Saúde está a ter a capacidade de resposta ou não.

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (D), acompanhado pelo primeiro-ministro, António Costa, durante uma visita  fábrica de produtos flexíveis Flex2000, na zona industrial de Ovar, Aveiro, 22 de Maio de 2020. O presidente da República visita no dia de hoje o concelho de Ovar. JOSÉ COELHO/LUSA

António Diniz acredita que o discurso político que apontava para uma melhoria da situação contribuiu para os comportamentos de risco

JOSÉ COELHO/LUSA

A informação sobre o número de internados a cada dia é dada, mas só o valor final. Não é dito quantos tiveram alta e quantos são novos internados.
Isso era importante. Porque o nível ode atenção, de discriminação, de profundidade da análise, nesta fase, tem que ser muito maior. Eu acho que era importante saber quantas pessoas foram admitidas, quantas pessoas tiveram alta, quer em internamento geral, quer no internamento em cuidados intensivos. Há um conjunto de informação complementar que é importante ser disponibilizada para que todas as pessoas possam exercer mais conscientemente a sua cidadania.

E é a falta dessa informação mais detalhada aliada a um discurso que foi partilhado pelas três mais altas figuras do Estado, de que era preciso voltar e voltar com a normalidade,  que pode ter levado as pessoas a assumir que o pior já passou? 
Eu acho que contribuiu. Honestamente, eu acho contribuiu para isso.

E para comportamentos de risco? 
Acho que também também contribuiu.

Houve excesso de otimismo? 
Houve. Atenção, tal como eu disse há pouco, eu lido sobretudo com saúde e, nesta envolvente, a decisão é política porque há muitos outros aspetos a considerar. Eu aqui também lhe digo que é verdade que houve esse entusiasmo. É verdade que houve justificações que foram dadas sucessivamente que, hoje, uma pessoa percebe que não eram as melhores justificações para as coisas. É verdade que houve essa tentativa de dizer às pessoas que as coisas estavam a correr bem. Eu não sei exatamente como é que se instalou isto, mas isto foi uma coisa que se instalou já antes da cessação do estado de emergência. Todos nós tivemos a perceção daquilo que ia acontecer 15 dias depois.

Toda a gente fazia aquele comentário: “Isto agora é que vai ser bonito”… 
É. Havia necessidade, na verdade, de uma pessoa proceder ao desconfinamento, era evidente. Mas, quanto a mim, nós devíamos ter precavido melhor a nossa preparação, o planeamento de como é que ia ser esse desconfinamento. Os recursos que deveriam estar alocados nos diferentes locais para se poder proceder a esse desconfinamento. Tudo isto deveria deveria, em princípio, ter sido feito. E às vezes tive a sensação de que o discurso que ia passando corria em paralelo, quando não divergente mesmo, com os resultados que nós estávamos a ter. Mas, atenção, nós ultrapassámos essa fase. Eu acho que, nesta altura, é consensual que a situação na região de Lisboa tem de melhorar. Se calhar era o percurso que era necessário ser feito, que nunca tinha sido trilhado anteriormente.

Já falamos aqui largamente sobre como não aprendemos com a tuberculose, não aprendemos com a gripe A. Será que vamos aprender com esta primeira vaga para a eventualidade de uma segunda? 
Estamos bem arranjados se não aprendermos…! O meu maior receio é que uma eventual segunda vaga se junte a um ano mais difícil em termos de gripe sazonal. Esse é o meu receio. E o meu desejo é que todas as pessoas que nos estão a ouvir — e que essas transmitam a outras — uma coisa tão simples como a necessidade de vacinação para a gripe.

"Quem tiver indicação para se vacinar contra a gripe neste ano, por todas as razões que existiram sempre mais aquelas que existem este ano por causa da pandemia, deve vacinar-se."

Recomenda que, este ano, as pessoas se vacinem para a gripe, não só os maiores de 65 anos?
Todas as pessoas que estiverem indicadas na norma que irá sair por parte da DGS devem fazê-lo. Se outras também o fizerem, dentro das disponibilidades existentes, nada  a opor.

Mas isso pode ser um problema, sobretudo, por causa das urgências hospitalares?
Não é só da urgência, é da urgência, do internamento… é a sobrecarga que, inevitavelmente, o Serviço Nacional de Saúde poderá ter. E depois a dificuldade acrescida que nós vamos ter quando temos quadros clínicos que podem ser relativamente semelhantes numa fase inicial, por exemplo. Portanto, quem tiver indicação para se vacinar contra a gripe neste ano, por todas as razões que existiram sempre mais aquelas que existem este ano por causa da pandemia, deve vacinar-se.

Há a ideia de que esta doença é relativamente branda nos mais jovens e na esmagadora maioria da população, o que pode explicar uma maior despreocupação. Isto é mesmo assim no que diz respeito, por exemplo, às sequelas que a infeção pode deixar ou jovens estão a ignorar uma parte importante da doença? 
Nós quando falamos em maior gravidade ou menor gravidade, estamos a falar de estatística e não com a descrição dos casos. Isto quer dizer que em todos os hospitais seguramente que já houve gente muito jovem internada; já houve gente muito jovem em cuidados intensivos; e houve alguns, inclusive, que também faleceram. É evidente que essas pessoas, em princípio, têm outras doenças, mas o facto de ser mais benigna nos jovens não quer dizer que não os atinja. E eles têm, além disso, a mesma responsabilidade que têm todos os outros: não transmitir a doença, mesmo no caso de, para eles, esta ser uma doença benigna. Porque provavelmente têm pais, têm avós, têm família e outros familiares que estão em grupos que têm, estatisticamente, uma maior probabilidade de ter um desfecho fatal ou, pelo menos, doença mais grave. E as sequelas existem. Ainda não estão todas esclarecidas, mas é verdade que elas existem.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.