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O Tribunal Central de Instrução Criminal ordenou a meio da semana passada o arresto das participações detidas por Isabel dos Santos nas sociedades Nos, Eurobic e Efacec, bem como de todas as contas bancárias em Portugal da filha de José Eduardo dos Santos, de Mário Leite da Silva (o braço direito de Isabel dos Santos), de Paula Oliveira (a amiga e alegada testa-de-ferro de Isabel dos Santos envolvida nos Luanda Leaks) e de Sarju Rainkundalia (ex- chief financial officer da Sonangol). O jornal i avançou na última sexta-feira que todos os bens de Isabel dos Santos tinham sido arrestados mas não identificou nenhum dos bens que estavam em causa.
A decisão judicial de arrestar preventivamente os bens e contas acima descritas foi dada pelo juiz Carlos Alexandre por promoção do Ministério Público e no seguimento do cumprimento de uma carta rogatória de Angola que chegou à Procuradoria-Geral da República a 28 de janeiro. A justiça angolana quer garantir o pagamento de cerca de 1,1 mil milhões de euros de prejuízos alegadamente causados ao Estado angolano por Isabel dos Santos. A filha de José Eduardo dos Santos é suspeita de ter alegadamente praticado em Angola os crimes de burla qualificada e abuso de confiança tendo alegadamente desviado dos cofres do Estado e da Sonangol as verbas que lhe permitiram adquirir as participações na Nos, Eurobic e Efacec.
Foram precisamente esses crimes que deram lugar à abertura de um inquérito criminal no Departamento Central de Investigação e Ação Penal contra Isabel dos Santos, Mário Leite da Silva, Paula Oliveira e Sarju Rainkundalia. E é no âmbito dessa investigação que os bens foram arrestados.
Ao que o Observador apurou, a Justiça angolana enviou uma carta rogatória idêntica para a Holanda de forma a que a participação que Isabel dos Santos detêm indiretamente na Galp através na sociedade Esperaza Holding BV (e que está em nome de uma sociedade do seu marido Sindika Dokolo) seja igualmente arrestada. O que já terá acontecido no âmbito de um processo arbitral que está a decorrer na Holanda entre os acionistas da Esperaza e em que o Estado angolano é uma das partes.
Produto das alienações das participações sociais igualmente arrestados
A carta rogatória de Angola foi enviada a 24 de janeiro, um dia depois de Lucília Gago ter recebido o seu congénere Hélder Pitta Grós num muito mediático encontro no Palácio Palmela, sede da Procuradoria-Geral da República (PGR). O Luanda Leaks tinha rebentado na semana anterior e Pitta Grós garantia que tinha vindo pedir ajuda a Portugal “sobre muita coisa”.
Esse “muita coisa”, constatou Lucília Gago a 28 de janeiro quando recebeu a carta rogatória no seu gabinete, incluía o arresto de todos os bens de Isabel dos Santos em Portugal. Tudo para assegurar uma garantia patrimonial de 1.268.145.808, 10 dólares (1.150.856.279, 45 euros ao câmbio da data do pedido do arresto) que Angola reclama como tendo sido o prejuízo alegadamente causado pelas ações de Isabel dos Santos.
A carta rogatória de Angola baseia-se num requerimento do Serviço de Recuperação de Ativos da PGR de Angola junto da Câmara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo de Angola, tendo aquele tribunal superior angolano deferido o arresto de todas as contas bancárias da filha de José Eduardo dos Santos em Portugal e das seguintes participações sociais:
- 26% da Nos — Isabel dos Santos e o Grupo Sonae detêm a meias a sociedade ZOPT, que controla 52% do capital da holding da operadora Nos. Na prática, e em termos indiretos, a filha de Eduardo dos Santos detém 26% da holding da Nos.
- 42,5% do Eurobic — capital detido através das sociedades Santoro Financial Holding SGPS, SA, e Finisantoro Holding Limited (sociedade de direito maltesa);
- 67,2% do capital da Efacec Power Solutions — participação que é detida pela sociedade Winterfell Industries.
As autoridades angolanas pediram igualmente ao Ministério Público português que promovesse o arresto dos valores monetários que resultem da alienação de qualquer uma daquelas participações — o que foi requerido junto do juiz Carlos Alexandre e igualmente deferido. Ou seja, se o negócio da venda de mais de 90% do capital aos espanhóis da Caixa Galicia for em frente, o produto da venda dos 42,5% pertencentes a Isabel dos Santos ficará arrestado e deverá ser transmitido a Angola.
Esse processo aberto no Tribunal Supremo de Angola tem no seu centro os alegados benefícios ilícitos que o então Presidente José Eduardo dos Santos terá concedido à sua filha para que esta e o seu marido Sindika Dokolo entrassem no negócio de diamantes em Angola — e que já estiveram na origem do arresto dos bens de Isabel dos Santos em Angola.
Como Angola avançou contra Isabel dos Santos (e atingiu também o pai)
O prejuízo dos 1,1 mil milhões de euros imputados a Isabel dos Santos
Tudo terá começado em agosto de 2010, quando o Governo liderado por José Eduardo dos Santos decidiu comercializar diamantes angolanos no exterior do país. Para o efeito, foi decidido o investimento numa empresa suíça chamada De Grisogono – Joalharia de Luxo, que se encontrava em falência técnica.
Segundo a decisão do Tribunal Provincial de Luanda que decidiu arrestar os bens de Isabel do Santos em Angola, foi o “ex-Presidente da República [José Eduardo dos Santos]” quem “decidiu comprar a dívida” da De Grisogono junto dos bancos “e oferecer o negócio aos requeridos Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, sua filha e seu genro” — a quem seria cedida uma participação na joalharia de luxo através de uma sociedade veículo chamada Vitoria Limited.
José Eduardo dos Santos terá instruído a Sodiam, a empresa pública angolana que tem o exclusivo da exploração e comercialização das reservas diamantíferas daquele país, a entrar no negócio, “assumindo todos os encargos inerentes ao mesmo”. E esses encargos traduziram-se em avultados prejuízos para o Estado angolano.
Ao que o Observador apurou, o Tribunal Supremo de Angola terá dado como provado um alegado prejuízo total para os cofres públicos angolanos de cerca de 920 milhões de dólares (cerca de 827,6 milhões de euros). Entre outros valores, destacam-se os seguintes alegados prejuízos:
- Cerca de 115 milhões de dólares (cerca de 104 milhões de euros ao câmbio atual) por transferências da Sodiam para a Vitoria Holding Limited, uma sociedade de direito maltês que pertencia a meias a Isabel dos Santos e à Sodiam;
- Cerca de 638 milhões de dólares (cerca de 573,7 milhões de euros ao câmbio atual) por a Sodiam ter alegadamente sido forçada pelo “anterior titular do poder executivo [José Eduardo dos Santos]” a vender alegadamente a Isabel dos Santos e ao seu marido Sindika Dokolo os diamantes angolanos abaixo do preço. O que terá, segundo o Tribunal Supremo, contribuído para o alegado enriquecimento ilícito do casal.
É devido a estas alegações que as autoridades angolanas imputam a Isabel dos Santos, a Sindika Dokolo e a Mário Leite da Silva a alegada prática dos crimes de burla por defraudação (burla qualificada) e abuso de confiança, sendo que nenhum deles está abrangido pela Lei da Amnistia aprovada em 2016 por José Eduardo dos Santos.
Isabel dos Santos aumentou-se a si própria na Sonangol
Além dos prejuízos do negócio dos diamantes, a Justiça angolana imputa ainda a Isabel dos Santos alegados desvios de fundos públicos da Sonangol, tendo como pano de fundo as consultoras contratadas que estiveram no centro do caso Luanda Leaks revelado pelo Expresso e pelo Consórcio Internacional de Jornalistas: a Matter e a Ironsea.
De acordo com a Justiça angolana, está em causa um prejuízo de cerca de 131,1 milhões de dólares (cerca de 118,1 milhões de euros ao câmbio atual) por serviços que nunca terão sido prestados à Sonangol e que resultaram na transferência entre maio de 2017 e 16 de novembro de 2017 daquela quantia saída dos cofres da petrolífera para a Matter e a Ironsea. Cerca de 69,3 milhões de dólares (cerca de 62,4 milhões do câmbio atual) foram pagos horas depois de Isabel dos Santos ter sido exonerada pelo Presidente João Lourenço da liderança da petrolífera.
Ao que o Observador apurou, as autoridades angolanas alegam ainda que Isabel dos Santos terá tentado transferir cerca de 321 mil dólares (cerca de 289,3 mil euros) para a conta da consultora Wise — alegadamente controlada pela sua amiga Paula Oliveira — mas um banco inglês terá recusado cumprir a ordem de pagamento por Isabel dos Santos ser sócia e beneficiária efetiva da Wise.
Também alegados aumentos salariais irregulares da administração da Sonangol, logo após a sua tomada de posse e sem a autorização do Governo, são igualmente imputados pelo novo regime de Angola. Não só Isabel dos Santos se aumentou a si própria de 31.500 dólares para 50.488 dólares, como subiu igualmente os salários dos administradores e até de diretores.
O arresto da participação na Galp
No âmbito do mesmo processo aberto no Tribunal Supremo de Angola foi igualmente expedida para a Justiça holandesa um pedido de arresto da participação que permite a Isabel dos Santos controlar indiretamente cerca de 6% do capital social da Galp .
Essa posição indireta estava avaliada em mais de 700 milhões de euros antes do início da crise do coronavírus e é detida através da Exem Energy BV, uma sociedade que pertence a Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos. A Exem detém 40% da Esperaza Holding BV que, por seu lado, tem 45% da Amorim Energia — a sociedade que é detida maioritariamente pelos herdeiros de Américo Amorim e que controla a Galp através de uma participação de 33,34% do capital da principal petrolífera nacional.
Tal como o Observador noticiou aqui, a forma como o marido de Isabel dos Santos adquiriu em 2006 uma posição de 40% na Esperaza à Sonangol sempre foi polémica, por carecer de um racional económico ou de know-how. Primeiro, porque foi uma participação adquirida com um empréstimo de 68,7 milhões da própria petrolífera estatal angolana (que fundou a sociedade e detinha 100% do capital social). E em segundo lugar porque foi um empréstimo concedido em condições muito favoráveis: sem spread e diretamente ligado ao pagamento de dividendos da Galp.
Mais tarde, em 2017, a Sonangol liderada por Isabel dos Santos aceitou que Dokolo recebesse uma benesse de cerca de 12 milhões de euros quando pagou o empréstimo de 2006 à petrolífera angolana.
Na prática, e com o arresto requerido na Holanda, o Estado angolano pretende que a Sonangol volte a ter 100% do capital social da empresa. A matéria está a ser analisada, ao que o Observador apurou, no âmbito de um processo arbitral aberto no âmbito de um diferendo entre os acionistas da Esperaza.
Um processo de arresto rocambolesco. E as críticas de Isabel dos Santos
A carta rogatória foi distribuída ao procurador Antero Taveira — o magistrado que coordena os arrestos do caso Universo Espírito Santo.
A 31 de janeiro, Taveira promoveu junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa o decretamento do arresto preventivo mas o juiz João Bártolo não aceitou. Num primeiro despacho, com a mesma data da promoção, Bártolo rejeitou a pretensão do MP, alegando o seguinte:
- O que as autoridades angolanas solicitavam era a apreensão, e não o arresto. O que não estava correto, pois as autoridades angolanas tinha precisamente solicitado o arresto.
- Não era possível apreender nada, pois não só as contas bancárias não estavam identificadas, como também se desconhecia os bancos onde estavam depositadas as ações correspondentes às respetivas participações sociais na Nos, Eurobic e Efacec.
O MP insistiu a 4 de fevereiro e o juiz Bártolo ordenou a apreensão — e não o arresto — dos saldos das contas bancárias mas voltou a rejeitar o requerido para as participações sociais.
O MP recorreu de imediato para a Relação de Lisboa e veio a ganhar em toda a linha a 5 de março. Mas, poucos dias antes, o juiz João Bártolo tinha-se declarado incompetente territorialmente, o que fez com que o processo fosse parar ao Tribunal Central de Instrução Criminal e, por sorteio eletrónico, às mãos do juiz Carlos Alexandre.
O Observador contactou Paulo Saragoça da Matta, advogado de Isabel dos Santos, tendo-o confrontado com as informações que constam desta peça, mas o advogado remeteu qualquer esclarecimento para um comunicado emitido este domingo por Isabel dos Santos no Diário de Notícias.
A empresária angolana queixa-se de estar alegadamente impossibilitada de se defender nos autos do inquérito à ordem do qual foi declarado o arresto preventivo. Além de considerar como ilegal a decisão do juiz Carlos Alexandre, acrescenta que está a ocorrer “um aproveitamento político ou mediático do caso”.