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As 7 revelações do interrogatório de Ricardo Salgado

O ex-líder do BES conta que, além de Álvaro Sobrinho, houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o buraco do BESA e que Hélder Bataglia é o único responsável pelas transferências para Sócrates.

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“Estou profundamente chocado. Estou profundissimamente chocado com tudo isto.”

Foi esta a primeira reação de Ricardo Salgado ao despacho de indiciação que o procurador Rosário Teixeira acabara de ler na manhã de 18 de janeiro durante quase 30 minutos. Depois do caso Monte Branco (onde foi detido para interrogatório) e do caso Banco Espírito Santo (BES)/Grupo Espírito Santo (GES), o ex-banqueiro foi constituído arguido pela terceira vez — e logo no processo mais importante da história da democracia portuguesa: a Operação Marquês. Os crimes imputados a Salgado não ficavam atrás da gravidade do inquérito: é suspeito de ter corrompido o ex-primeiro-ministro José Sócrates, de abuso de confiança por alegadamente se ter apropriado de vários milhões de euros da Espírito Santo (ES) Enterprises (o saco azul do GES) e dos crimes de tráfico de influência, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

“Choque e pavor” era o nome de código das forças armadas do Estados Unidos para a invasão do Iraque em 2003. Mas também traduzia claramente o estado de espírito do homem que chegou a dominar o país. Naquela manhã, Ricardo Salgado parecia descobrir que o seu poder se esfumava de forma total e absoluta. Ainda assim, quis continuar a lutar, negando todas as acusações do Ministério Público. “É traço fundamental da minha personalidade: nunca cometi erros de princípio. Posso ter cometido erros de julgamento mas não cometi de erros de princípio. Acredito que estou em posição de reverter a totalidade das acusações que estão aqui implícitas”, afirmou.

Salgado: acusações de Bataglia são uma vingança

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O acordo com Bataglia e os poços de petróleo

A constituição de arguido de Ricardo Salgado na Operação Marquês tornou-se inevitável a partir da revelação de Hélder Bataglia de que teria transferido 12 milhões de euros para Carlos Santos Silva alegadamente a pedido de Ricardo Salgado. Tal depoimento permitiu à equipa do procurador Rosário Teixeira consolidar a sua visão de que as transferências de mais de 20 milhões de euros com origem na ES Enterprises teriam sido ordenadas por Ricardo Salgado e teriam como destinatário final Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferro de José Sócrates.

Esses 12 milhões de euros que Bataglia afirmou que terá transferido para Santos Silva a pedido de Salgado fazem parte de um bolo total de 22 milhões de euros que a ES Enterprises transferiu, por diversas vias, para as duas offshores de Hélder Bataglia com conta na Suíça: a Monkway e a Markwell.

As transferências são as seguintes:

  • 7 milhões de euros transferidos em 2007;
  • 15 milhões de euros transferidos em três tranches de 5 milhões cada uma entre 2008 e 2009.

Confrontado com o depoimento de Hélder Bataglia, Salgado recordou um acordo-chapéu que o GES, através de si, tinha feito em 2005 (e alvo de prorrogação em 2008) com aquele gestor para a expansão de diversos negócios em África. A saber:

  • licenças de direitos de exploração mineira (diamantes) em Angola e no Congo Brazzaville;
  • atribuição de licenças de exploração de poços de petróleo em Angola;
  • desenvolvimento imobiliário;
  • expansão da atividade financeira em Angola.

Ricardo Salgado argumentou, no interrogatório que decorreu no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) a 18 de janeiro, que os pagamentos feitos pela ES Enterprises a Hélder Bataglia tinham sido feitos a esse título, desconhecendo o ex-banqueiro o que Bataglia tinha feito ao dinheiro.

Mas Salgado não ficou calado e contra-atacou, tocando no nervo central da economia angolana: a indústria de petróleo comandada pelo regime de José Eduardo dos Santos através da Sonangol.

Ricardo Salgado argumentou que Bataglia teria cumprido a maioria dos pontos do acordo. Um desses pontos, tal como Hélder Bataglia tinha afirmado a 5 de janeiro ao procurador Rosário Teixeira, tinha sido a obtenção da licença bancária do Banco Espírito Santo de Angola. Licença essa que, segundo Bataglia, tinha sido atribuída depois de uma conversa entre o líder da Escom e o presidente José Eduardo dos Santos no inicio da década passada.

O ex-banqueiro argumentou que Bataglia teria cumprido a maioria dos pontos do acordo. Um desses pontos, tal como Hélder Bataglia tinha afirmado a 5 de janeiro ao procurador Rosário Teixeira, tinha sido a obtenção da licença bancária do Banco Espírito Santo de Angola. Licença essa que, segundo Bataglia, tinha sido atribuída depois de uma conversa entre o líder da Escom e o presidente José Eduardo dos Santos no inicio da década passada.

Bataglia terá argumentado junto de Eduardo dos Santos de que o GES, através da Escom, tinha investido mais de 700 milhões de dólares em Angola durante o período da guerra cívil quando ninguém investia naquele país e, por isso, merecia ser premiado com uma licença bancária. O presidente da República de Angola acedeu. Por essa licença, o GES terá pago cerca de 3 milhões de euros a Bataglia.

Mas Ricardo Salgado recordou a Rosário Teixeira que havia um ponto do acordo geral estabelecido com o líder da Escom que não tinha sido cumprido: a atribuição das licenças de exploração de poços de petróleo.

Hélder Bataglia, argumentou Salgado, teria garantido que o Governo de Angola iria conceder seis licenças para:

  • 2 poços de petróleo onshore
  • e 4 poços de petróleo offshore

Dos total dos 22 milhões de euros, o montante de 15 milhões de euros transferidos entre 2008 e 2009 teriam servido para premiar a obtenção dessas 6 licenças. Mais tarde, afirma Salgado, o GES terá descoberto que, afinal, a Sonangol só teria atribuído uma licença de exploração ao grupo da família Espírito Santo.

Para fundamentar a sua convicção de que o GES teria mesmo direito a 6 licenças para exploração de poços de petróleo, Ricardo Salgado chegou a citar uma conversa que teve com Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, em Lisboa: “Vocês vão ter poços de petróleo em Angola. Não tenha dúvidas!”, recordou Salgado, citando Vicente — que foi recentemente acusado do crime de alegada corrupção ativa de um procurador do DCIAP para alegadamente arquivar um inquérito que visava o governante angolano.

O que levou à acusação de corrupção contra Manuel Vicente?

As transferências para Carlos Santos Silva

Além de se ter sentido enganado por Bataglia, Ricardo Salgado acrescentou que, aquando do colapso do GES, terá descoberto um autêntico “filme de terror”. E que filme de terror era esse? Em vez de investir o dinheiro que recebia da ES Enterprises nas despesas necessárias para a obtenção de poços de petróleo, Bataglia, segundo Salgado, teria alegadamente desviado esses fundos “nas nossas costas” para outra finalidade. “Nunca, na minha vida, pensei que isso pudesse acontecer”, afirmou o ex-banqueiro ao Rosário Teixeira.

Salgado negou peremptoriamente ao procurador Rosário Teixeira que tenha ordenado ou pedido a Hélder Bataglia qualquer pagamento a Carlos Santos Silva, acrescentando que, além de nem sequer conhecer o alegado testa-de-ferro de José Sócrates (tal como o Observador já tinha antecipado aqui), Bataglia nunca lhe tinha falado das suas relações familiares, que Salgado considerou estreitas, com a família Pinto de Sousa e com José Sócrates. Bataglia teve uma filha com uma prima do ex-primeiro-ministro.

Salgado negou peremptoriamente ao procurador Rosário Teixeira que tenha ordenado ou pedido a Hélder Bataglia qualquer pagamento a Carlos Santos Silva, acrescentando que, além de nem sequer conhecer o alegado testa-de-ferro de José Sócrates, Bataglia nunca lhe tinha falado das suas relações familiares, que Salgado considerou estreitas, com a família Pinto de Sousa e com José Sócrates. Bataglia teve uma filha com uma prima do ex-primeiro-ministro.

Salgado garantiu que o líder da Escom apenas lhe tinha falado uma vez de José Paulo Pinto de Sousa (primo de José Sócrates que a equipa do procurador Rosário Teixeira entende que também terá entrado no circuito de financeiro de mais de 20 milhões de euros que acabaram nas contas de Carlos Santos Silva) e dos terrenos de uma salina que a familia Pinto de Sousa tinha na zona de Benguela.

Para Ricardo Salgado não há dúvidas: os valores transferidos para Bataglia deveriam ter sido investidos em Angola e não passados “sub-repticiamente por detrás das nossas costas” para Carlos Santos Silva.

Álvaro Sobrinho e Angola

Se há homem em Angola que é detestado por Ricardo Salgado, esse homem é definitivamente Álvaro Sobrinho, ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola e ex-protegido do próprio Salgado. Tal como já tinha acontecido nos inquéritos do Monte Branco e do BES/GES, Salgado voltou a responsabilizar Sobrinho pelo ‘buraco’ de mais de 5,7 mil milhões de euros do BESA. Com duas novidades:

  • Tal como o Observador já tinha noticiado, colocou Hélder Bataglia (que era igualmente administrador do BESA) no mesmo patamar que Sobrinho;
  • E levantou a hipótese de outros responsáveis angolanos terem beneficiado dos 5,7 mil milhões de euros de crédito concedido alegadamente de forma irregular pelo BESA.

Este último ponto merece desenvolvimento porque demonstra uma inflexão de Ricardo Salgado em relação a Angola.

Tal como o Observador noticiou em exclusivo, a equipa liderada pelo procurador José Ranito, o titular dos diversos inquéritos do caso Universo Espírito Santo, está a investigar não a concessão de 5,7 mil milhões mas sim de 6,8 mil milhões de euros. Pela primeira vez, Ricardo Salgado levantou a hipótese de outros responsáveis angolanos, além do próprio Sobrinho e da sua família, terem alegadamente beneficiado de tais créditos.

Ministério Público descobre mais mil milhões de créditos irregulares no BESA

E fê-lo no contexto das suas críticas à gestão de Sobrinho. Recordando as duas assembleias-gerais do BESA que levaram em 2013 ao afastamento de Álvaro Sobrinho daquele banco devido precisamente a alegadas irregularidades na concessão de tal montante de crédito, Ricardo Salgado afirmou que alegadamente Álvaro Sobrinho teria comprado à Escom de Hélder Bataglia as Torres Escom (o prédio mais alto de Luanda) por cerca de 400 milhões de dólares, tendo vendido a outra entidade por si dominada por cerca de 800 milhões de euros. Estas operações terão alegadamente sido financiadas, segundo o MP e Salgado, pelo BESA. Salgado, que afirmou não ter tido conhecimento antecipado da situação, classificou a história, soletrando de forma enfática, como “es-can-da-lo-sa!”

Devido aos alegados créditos irregulares do BESA, argumentou Salgado, Álvaro Sobrinho "devia ter ido logo para a cadeia. O homem devia ter sido preso em Angola", mas "ninguém lhe tocou. Isso é inconcebível!”, afirmou. “Portanto, eu só posso concluir que houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o prejuízo do BESA”, concluiu.

Por tudo isto, argumentou Salgado, Álvaro Sobrinho “devia ter ido logo para a cadeia. O homem devia ter sido preso em Angola”, mas “ninguém lhe tocou. Isso é inconcebível!”, afirmou. “Portanto, eu só posso concluir que houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o prejuízo do BESA”, concluiu.

Ricardo Salgado não quis adiantar qualquer nome de cidadãos angolanos que tenham recebido créditos que, numa auditoria encomendada pelo próprio Salgado e por acionistas angolanos do BESA , foram classificados como irregulares.

O general Hélder Vieira Dias 'Kopelipa' (à esquerda) e o general Leopoldino Nascimento 'Dino' (à direita)

Aliás, a equipa do procurador José Ranito entende que, nos inquéritos do Universo Espírito Santo, já tem fortes indícios de três grupos de destinatários desses créditos de mais de 6,8 mil milhões de euros:

  • Entidades do interesse de Álvaro Sobrinho;
  • Entidades ligadas a titulares de cargos políticos e públicos de Angola;
  • Entidades ligadas ao GES que terão sido financiadas pelo BESA.

Recorde-se que os acionistas angolanos do BESA eram as seguintes entidades em 2010/2011:

  • Geni, com 18,99% do capital, representada pelo general Leopoldino Nascimento ‘Dino’;
  • e Portmill com 24% do capital, representada pelo general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’. No processo do procurador Orlando Figueira, Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, é dado igualmente como acionista da Portmill.

Sobre as entidades do GES que terão sido financiadas pelo BESA, encontrar-se-á a ES Enterprises. O procurador Rosário Teixeira confrontou Ricardo Salgado com isso mesmo mas Salgado alegou desconhecimento face a essa matéria.

O Congo é uma forma de passar dinheiro para fora de Angola?

Ricardo Salgado não falou apenas da possibilidade de responsáveis angolanos terem tido alguma participação em circuitos financeiros alegadamente irregulares em Angola. Também em relação ao Congo Brazzville o ex-líder do BES levantou tal hipótese.

Salgado contou ao procurador Rosário Teixeira que, num determinado dia (o ex-banqueiro não concretizou a data mas deduz-se que tenha sido depois de 2011), Bataglia ter-lhe-á apresentado o ministro das Finanças do Congo Brazzaville que desejava que o BES abrisse um balcão na capital daquele país vizinho de Angola.

O então líder executivo do BES ter-se-á recusado a abrir tal balcão, por Portugal já estar viver o período da troika. Mas acusa Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia de terem aberto à mesma uma sucursal do BESA no país liderado por Dennis Sassou Nguesso (presidente congolês muito próximo de Bataglia) sem autorização do BES, do Banco Nacional de Angola (o banco central do país de José Eduardo dos Santos) e do Banco de Portugal (a quem o BES reportava).

Questionado pelo procurador Rosário Teixeira sobre se a entrada do BESA no Congo Brazzaville era uma forma de aplicar o tal acordo-chapéu estabelecido entre a ES Enterprises e Hélder Bataglia, Salgado terá afirmado que poderia ser mas que o próprio ex-líder do BEs tinha "muito medo" que fosse outra coisa. Que coisa? "O Congo Brazzaville é uma forma de passar dinheiro de Angola para fora. Por que ainda hoje se procura como é que houve um buraco de 5 mil milhões [de euros] no BESA”, afirmou.

Questionado pelo procurador Rosário Teixeira sobre se esta era uma forma de aplicar o tal acordo-chapéu estabelecido entre a ES Enterprises e Hélder Bataglia, Salgado terá afirmado que poderia ser mas que o próprio ex-líder do BEs tinha “muito medo” que fosse outra coisa. Que coisa? “O Congo Brazzaville é uma forma de passar dinheiro de Angola para fora. Por que ainda hoje se procura como é que houve um buraco de 5 mil milhões [de euros] no BESA”, afirmou.

Durante o interrogatório, Ricardo Salgado voltou a fazer uma última referência a Angola e ao Congo ao dar o exemplo de que Hélder Bataglia tinha o compromisso de desenvolver os projetos acordados com o GES mas que “estava constantemente a pedir recursos”, o que significa “dinheiro” na linguagem técnica dos financeiros, “para efeitos não sei do quê para contribuir para o desenvolvimento dos projetos. Se ele depois pegava no dinheiro e entregava a alguém no Congo Brazzaville ou em Angola, não faço ideia. Mas o compromisso dele era de facto desenvolver os projetos e ‘trazer’ os poços do petróleo”, afirmou.

Para concluir este tema, a pergunta óbvia foi colocada pelo procurador Rosário Teixeira: por que razão o GES demorou tanto tempo a verificar que tinha sido alegadamente enganado por Bataglia?

Como já aconteceu com outras situações semelhantes, Ricardo Salgado justificou-se com uma falha de verificação por parte das equipas do GES, já que estas não tinham capacidade para verificar o que estava acontecer no terreno.

Os pagamentos das despesas de José Dirceu

Outra das novidades do interrogatório de Ricardo Salgado prendeu-se com o facto de o ex-líder do BES ter sido confrontado com uma avença mensal de cerca de 30 mil euros ao escritório do advogado João Abrantes Serra (igualmente arguido na Operação Marquês) durante três anos. Isto é, entre março de 2011 e julho de 2014, este escritório a que estava ligado Luís Oliveira e Silva (irmão de José Dirceu, ex-braço direito do presidente Lula da Silva) terá recebido um total de cerca de 1 milhão e 230 mil euros do GES. Mais concretamente da sociedade Espírito Santo Finantial.

Para a equipa do procurador Rosário Teixeira não há dúvidas que, analisadas as contas bancárias onde essa avença mensal do GES era depositada, tais pagamentos reverteram em benefício de José Dirceu para alegadamente compensar as suas intervenções junto das autoridades brasileiras a propósito do negócio de compra de uma participação de 22% na Oi/Telemar.

O ex-líder do BES terá sido confrontado com uma avença mensal de cerca de 30 mil euros ao escritório do advogado João Abrantes Serra (igualmente arguido na Operação Marquês) durante três anos. Isto é, entre março de 2011 e julho de 2014, este escritório a que estava ligado Luís Oliveira e Silva (irmão de José Dirceu, ex-braço direito do presidente Lula da Silva) terá recebido um total de cerca de 1 milhão e 230 mil euros do GES.

O escritório que o advogado Abrantes Serra tinha com Fernando Lima em Portugal também recebeu, entre 2007 e 2008, um total de 511 mil euros da PT, por decisão de Henrique Granadeiro. O objetivo era o mesmo: assessorar a operadora portuguesa nas negociações com os accionistas brasileiros da Oi e em contactos com as autoridades brasileiras a propósito do mesmo negócio.

Confrontado com estas informações, Ricardo Salgado começou por justificar a avença mensal que tinha com o escritório Abrantes Serra como um processo judicial que o GES tinha colocado contra o Estado brasileiro nos anos 70, a propósito da ocupação de uma parte de uma grande fazenda de gado e arroz que a família Espírito Santo tinha no Estado de Goiás — fazenda essa detida pela empresa Companhia Brasileira Agro-Pecuária (COBRAP). Metade da propriedade tinha sido ocupada por um grupo de indios e o GES queria receber uma indemnização entre 50 a 60 milhões de dólares.

Salgado mostrou-se surpreendido com o facto de o dinheiro pago ao escritório Abrantes Serra tenha ido para a José Dirceu e acrescentou nada saber da relação de José Dirceu com a PT.

A propósito de Dirceu, o ex-líder executivo do BES recordou a forma conheceu aquele que foi um dos homens mais poderosos do Brasil como braço direito do presidente brasileiro Lula da Silva antes de cair em desgraça por causa do caso Mensalão.

Salgado disse ter conhecido José Dirceu em Portugal, já depois de ter ocorrido o caso do Mensalão no Brasil. Aliás, foi precisamente por causa desse caso que Dirceu terá feito questão de falar com o então líder do BES para agradecer-lhe a sua intervenção no caso.

José Dirceu, ex-braço direito de Lula da Silva na Presidência do Brasil

E que intervenção foi essa? Na década passada, chegou a ser aberta uma investigação criminal em Portugal para apurar se a PT, o BES ou a EDP teriam financiado de forma ilícita o Partido dos Trabalhadores (PT), tal como um publicitário Marcos Valério, um dos homens que está na origem do caso Mensalão, alegava no Brasil.

Ricardo Salgado fez questão de referir agora no DCIAP que ele próprio, Henrique Granadeiro (líder da PT) e António Mexia (líder da EDP) tinham ido depor ao Ministério Público de que não tinha sido pago nenhum valor a Marcos Valério — que Salgado apelidou de “careca” que era “conhecido no Brasil como o homem da mala”.

Não só repetiu que não tinha pagado nada, como agora ao procurador Rosário Teixeira afirmou que aconselhou Marcos Valério a ir falar com o seu primo Ricardo Abecassis, presidente do BESI Brasil. “O que Marcos Valérios fez”, concluiu Salgado.

Salgado recebeu 6,7 milhões do saco azul

De acordo com o Ministério Público, Ricardo Salgado terá recebido um total de 6 milhões e 750 mil euros da ES Enterprises. A saber:

  • Duas transferências em 2010 que totalizarão 2 milhões e 750 mil euros para a conta no Credit Suisse aberta em nome da sociedade offshore Savoices (que tem Ricardo Salgado como beneficiário);
  • Uma transferência de 4 milhões de euros em 2011 igualmente para a conta da Savoices.

No caso das transferências de 2010, uma delas terá sido feita por via de uma sociedade offshore chamada Green Emerald, de Hélder Bataglia.

O procurador Rosário Teixeira imputa um crime de abuso de confiança a Ricardo Salgado tendo como fundamento estas transferências, já que o MP entende que Salgado terá alegadamente tentado tirar proveito para si próprio dos pagamentos realizados pela ES Enterprises.

Ricardo Salgado defende-se, afirmando que tais valores representam empréstimos intercalares que o então líder do BES solicitou à ES Enterprises com o objetivo de reembolsar os mesmos.

O procurador Rosário Teixeira imputa um crime de abuso de confiança a Ricardo Salgado tendo como fundamento transferências de 6,7 milhões de euros da ES Enterprises para o próprio Salgado. O ex-banqueiro defende-se, afirmando que tais valores representam empréstimos intercalares que o então líder do BES solicitou ao saco azul do GES com o objetivo de reembolsar os mesmos.

Aliás, Salgado garante que já pagou cerca de 2 milhões de euros, correspondente a metade da transferência recebida em 2011 pelo ex-banqueiro. A outra metade seria reembolsada no ano seguinte mas, entretanto, as contas internacionais de Ricardo Salgado ficaram bloqueadas por solicitação judicial das autoridades portuguesas.

Salgado diz estar a dever ainda 2 milhões de euros à massa falida da holding do GES que agrega a ES Enterprises, não podendo pagar neste momento por encontrar-se em situação de insuficiência económica — tal como já informou o MP e o Tribunal Central de Instrução Criminal.

Os empréstimos da ES Enterprises foram justificados por Ricardo Salgado com a necessidade de acorrer aos aumentos de capital social que o BES fez em 2011, 2012 e em 2014. Contudo, os fundos não terão sido utilizados para esse fim.

A saída de Miguel Horta e Costa e a entrada de Henrique Granadeiro

No contexto dos pagamentos de 25,7 milhões de euros da ES Enterprises a Henrique Granadeiro, Ricardo Salgado abordou igualmente a entrada de Granadeiro para chief executive officer (CEO) da PT em 2007. Granadeiro substituiu outro homem do GES, Miguel Horta e Costa, por quem Ricardo Salgado não nutre grande simpatia. Recorde-se que Horta e Costa é amigo de José Maria Ricciardi, ex-CEO do BES Investimento e o primo que desafiou a liderança de Salgado no BES.

Granadeiro e Bava receberam mais de 50 milhões de euros do saco azul do GES

Ricardo Salgado admitiu que Miguel Horta e Costa era um homem conotado com o GES mas acrescentou que, “quando o BES foi privatizado”, aquele gestor “foi escolhido pelo professor Cavaco Silva para a administração do BES”.

De acordo com Ricardo Salgado, Miguel Horta e Costa já tinha defendido antes de 2007 a venda dos 50% que a PT detinha na operadora brasileira Vivo em parceria com a Telefónica, ganhando alegadamente em troca um lugar na administração da empresa espanhola, caso tal proposta avançasse.

Segundo Salgado, Horta e Costa teria chegado a propor aos acionistas da PT o seguinte plano:

  • os espanhóis constituíam uma sociedade veículo, compravam a participação da PT na Vivo para integra-la no veículo e a operadora portuguesa ficaria com um terço do capital desse veículo.

A proposta foi derrotada mas nem por isso Ricardo Salgado deixou de dar agora no DCIAP uma ‘bicada’ em Miguel Horta e Costa. Ao mesmo tempo que o elogiou por “vestir muito bem”, “de ter umas gravatas muito bonitas” e de ter umas relações sociais alargadas”, acusou-o de ter “uma imagem denegrida dento da PT por causa das viagens que fazia para o Brasil. Das despesas sumptuárias que tinha no Brasil em festas e outras coisas semelhantes. Não era capaz de apanhar a TAP para ir para São Paulo mas era capaz de ir apanhar a Air France a Paris ou a British Airwyas a Londres para ir deitado naquelas cadeiras-cama”. Por isso, Ricardo Salgado optou por Henrique Granadeiro. “Um homem muito contido nas despesas e cabia nos requisitos determinados pelos acionistas”, afirmou.

Alterado texto do subtítulo número 2

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