Discurso de abertura de Rui Rio no congresso

O líder do PSD falou na noite desta sexta-feira

“Aos que em mim votaram, agradeço a confiança depositada. Não só tudo farei para a justificar, como procurarei, também, conquistar a confiança dos nossos companheiros que, democraticamente e de boa-fé, votaram numa das outras duas candidaturas concorrentes.”

Rui Rio começou o discurso a piscar o olho aos militantes social-democratas que, “democraticamente e de boa-fé”, votaram em Luís Montenegro ou em Miguel Pinto Luz nas diretas. Ou seja, aos que não votaram em si. Não se pode dizer que Rio tenha feito um apelo à unidade no pós-guerra (prova disso é que, mais à frente no discurso, voltou a deixar duras críticas aos adversários internos). Rio não só não pronunciou o nome dos adversários internos —esses já lá vão — como não fez qualquer gesto para agregar e contar com eles em lutas futuras. O elogio ficou-se apenas pelos militantes que, de boa fé, votaram nas outras candidaturas. Mas só os que votaram de boa-fé. Já os que apenas se moveram pela ambição dos lugares teriam direito a outro recado mais à frente.

“Como manda a lógica e a tradição, a intervenção de abertura do nosso Congresso Nacional deve ser dedicada ao partido e ao rumo que pretendemos seguir no mandato que agora se vai iniciar. Um mandato que será seguramente marcado por um ato eleitoral da maior relevância para o PSD: as eleições autárquicas de 2021.”

Rui Rio definiu as autárquicas como grande prioridade, sem esquecer as regionais dos Açores. À semelhança do que tinha feito na sua moção de estratégia global, ignorou por completo as eleições presidenciais, como se não fossem contas do rosário laranja. Mesmo que Paulo Rangel tenha esta sexta-feira defendido, na Rádio Observador, que Rio deveria ter uma palavra a dizer sobre a vontade de apoiar Marcelo em caso de recandidatura, o líder do PSD demonstra que do que dele depender a corrida à Presidência da República não será assunto neste congresso.

“Não foi a Câmara de Viana, nem a de Ponte de Lima ou de Monção que endividaram o Estado português. Não foi, tão pouco, a Câmara do Porto, nem a de Lisboa ou de Loures. Foi o centralismo do Terreiro do Paço e as diretrizes por si emanadas que levaram ao nosso endividamento, que é o mesmo que dizer, que colocaram nas costas das gerações futuras um peso que elas, infelizmente, terão de carregar por muitos anos”.

Eis Rui Rio anti-corte, anti-elite de Lisboa, anti-centralismo. O Rio-autarca, defensor dos autarcas, subiu ao palco do congresso para fazer o elogio do poder local em detrimento dos abusos do poder central. Se o país não teve “contas certas” a culpa não foi do então presidente da Câmara do Porto (Rui Rio) — nem, já agora, do então presidente da Câmara de Lisboa (António Costa). Estes elogios ao poder local foram o mote escolhido para lançar a ideia de que as autárquicas de 2021 serão o grande desafio eleitoral do PSD no mandato que se segue, uma vez que é nas autarquias que, segundo Rio, se mede verdadeiramente o pulso aos partidos. Rui Rio tem dito recorrentemente que a descentralização é uma guerra que faz questão de comprar, e foi isso que repetiu, por outras palavras, esta noite. Tudo para dizer que, apesar de também haver má gestão em algumas autarquias, ela é sempre uma migalha face à má gestão do poder central. Apesar de tudo, convé notar que é o poder central que, no fim do dia, Rio quer conquistar.

“O PSD tem de se voltar a afirmar como o partido do poder local; apostando na sua vitalidade, mas exigindo-lhe, ao mesmo tempo, rigor, seriedade e, acima de tudo, transparência. Sempre que houver aproveitamento abusivo de meios públicos autárquicos para fins de natureza pessoal ou partidária ou de utilização da autarquia como empregador de clientelas partidárias, esses casos, têm de merecer o nosso inteiro repúdio e uma atenção especial do próprio Ministério Público — independentemente do partido a que pertencer o presidente da autarquia em causa (…) A escolha de um autarca não é a escolha de um amigo nem a de um líder de uma qualquer fação partidária local. Ela tem de ser ditada com base em critérios de competência, de dedicação e de credibilidade”.

O presidente do PSD propõe um novo banho de ética, ao nível autárquico. Em jeito de aviso à navegação, avisa que caso haja uma situação que transite em julgado a atingir um dos autarcas do PSD, será implacável. Rio distingue bem o que é uma acusação do Ministério Público — do qual são alvo alguns dos seus apoiantes — de uma condenação. Apesar de algumas suspeitas que envolvem pessoas que lhe são próximas (como Álvaro Amaro, que Rio defendeu), insiste no ponto de honra da seriedade. Quer impor a imagem de que o seu PSD, ao contrário do adversário PS, não é um partido de amiguismos ou de familygate e que abomina o uso de fundos públicos para proveito próprio. O desafio é passar da teoria à prática de algo que não depende dele próprio. Resta assim saber se este novo banho de ética que propõe não lhe rebentará nas mãos como o primeiro que propôs.

“Nas autarquias em que não conseguirmos alcançar a vitória, teremos de eleger um número de vereadores consentâneo com a dimensão histórica do PSD, ultrapassando os fracos resultados obtidos nos dois últimos atos eleitorais autárquicos, designadamente nos concelhos mais populosos do País. Temos de aumentar, de uma forma muito significativa, o número de votos nas listas do PSD, mesmo quando estes não sejam suficientes para eleger os nossos candidatos ao lugar cimeiro”.

Ao contrário dos dois adversários que enfrentou nas diretas (Luís Montenegro e Pinto Luz), Rui Rio insiste em não colocar como meta a vitória nas autárquicas (mais um presidente de câmara do que o PS e a liderança da Associação Municipal de Municípios Portugueses). O presidente do PSD sabe que é muito difícil consegui-lo pois teria de ganhar 61 autarquias e não perder nenhuma. Assim, Rio opta por não ter uma meta que lhe possa ser cobrada (como aconteceu com Passos Coelho, que assumiu como meta ganhar e teve uma derrota pesada em 2017). O objetivo de Rio é baixar as expectativas, mas reforçando o número de eleitos do PSD. O líder quer não só vencer autarquias, mas reforçar a oposição local e isso, lembra, só se faz com mais vereadores eleitos. Ou seja: baby steps. Na estratégia de médio prazo de Rio, o regresso do PSD como potência autárquica ainda não será em 2021 e o domínio de outros tempos terá de esperar, no mínimo, por 2025. Não lhe podem cobrar mais tarde, o que não prometeu. E Rio não prometeu ganhar. Além disso, parte de uma base anormalmente baixa — em Lisboa teve 11,2% e no Porto 10,4%, por exemplo.

“Podemos, até, ganhar eleições, mas tal não significa necessariamente que se tenha ganho o País. Ganhar os portugueses é conquistar o seu respeito e a sua confiança e não conseguir o seu voto apenas porque eles acham que os outros são piores do que nós (…) Um partido não pode ser uma agência de empregos políticos, em que as suas estruturas se movimentam em função dos lugares que os seus dirigentes pretendem alcançar. Os diferentes posicionamentos dentro de um partido têm de ser ditados por genuínas diferenças de opinião e não por divergências fabricadas, que apenas pretendem combater quem não nos deu o lugar que a ambição pessoal reclamava.”

A luta está ganha mas a guerra não acabou. Rui Rio dedicou uma grande parte do seu discurso a deixar duros recados aos adversários internos. Sem dizer nomes, não se poupou nas críticas às “atitudes pequeninas” que tantas vezes marcam as vidas dos partidos, e que muitas vezes não se traduzem em divergências de fundo mas apenas em divergências artificiais para efeitos de conquista de lugares. Rio apela a que se ultrapassem os interesses pessoais e se ponha à frente de tudo o interesse do país. O recado é o de sempre e os destinatários os do costume (Luís Montenegro). A consequência, também: se não se mudar a mentalidade e se os partidos continuarem na trica interna, então a credibilidade vai por água abaixo. E esse, diz, deve ser o objetivo último de um partido e de um político: conquistar a confiança e a credibilidade junto dos portugueses. Ou seja, por mais artimanhas e táticas que se usem no decurso da luta interna, isso de nada vale se pelo meio se contribuir para a cada vez maior descredibilização dos partidos. Convém, porém, lembrar que, sempre que houve evidências de caciquismo entre os seus apoiantes, Rio desvalorizou ou ignorou. De qualquer forma, o recado do líder é este: mesmo se Montenegro tivesse levado a melhor na artimanha para conquistar mais votos nas diretas, isso não queria dizer que Montenegro fosse o mais bem posicionado para conquistar os portugueses lá fora. São coisas diferentes (o jogo político interno e a candidatura a eleições legislativas) e uma pode minar a outra.

“Não adianta insistir na política do “bota-abaixo” e da critica sem critério nem coerência. Deixemos isso para os outros e portemo-nos nós com a elevação e a nobreza que a atividade política nunca devia ter perdido. (…) Onde estaria o PSD, se tivéssemos fraquejado e tivéssemos seguido o caminho para que nos queriam empurrar? Estaríamos, seguramente, onde outros estão agora … e o PS estaria provavelmente sentado em cima de uma maioria absoluta.”

“Outros”, leia-se, o CDS. Rui Rio pega nos centristas, que caíram com estrondo nas últimas eleições, e ficaram reduzidos a cinco deputados na Assembleia da República para dar o exemplo do que um partido na oposição não deve fazer — não deve fazer oposição com demasiada gritaria e não deve dizer mal só porque sim. E aproveita para lançar mais uma farpa à ala de Montenegro (e aos comentadores), que se preparava para seguir um caminho semelhante. Se Rio tivesse cedido aos que lhe pediam mais barulho e mais pulso firme, provavelmente o PS teria tido um melhor resultado ainda nas eleições e estaria hoje com maioria absoluta, argumenta. Ou seja, foi a convicção de Rio de que se deve fazer oposição de forma credível e responsável que fez com que o PSD não tivesse afundado mais — apesar de ter descido aos  27% — e que fez com que o PS não tivesse subido até ao patamar do poder absoluto.

“O PSD, tal como o seu nome indica, é um partido de ideologia social-democrata. Não somos, pois, a direita, nem somos a esquerda. (…) Abarcamos todo o centro político, ou seja, o espaço onde se encontra a esmagadora maioria das pessoas. Deslocar o PSD para a direita é desvirtuar os nossos princípios e os nossos valores e afunilar eleitoralmente o partido, em direção a um espaço onde hoje já praticamente nada mais há para ganhar. Uma coisa é o PSD conseguir ser o líder de uma opção à direita da maioria de esquerda que nos tem governado, outra, completamente diferente, é sermos nós próprios a direita.”

Eis a estratégia política de Rio para chegar a São Bento: piscar o olho a uma fatia de eleitorado do PS moderado e jogar tudo no centro para, depois, liderar uma frente de direita. Confuso? É simples: Rio não vai fazer um discurso político à direita porque entende que esse espaço já está suficientemente ocupado e, além disso, é redutor face aquilo que o PSD, mais amplo, abarca. Vai, sim, fazer um discurso virado para o centro, onde entende que se encontra a maioria das pessoas e a maioria dos votos. Depois de conquistados esses votos, depois de mordidos os calcanhares ao PS, então sim, o PSD deve unir-se ao resto dos partidos que estão à sua direita e, com isso, liderar uma frente à direita da esquerda que tem governado Portugal nos últimos anos.