Índice
Índice
O desconfinamento só deve arrancar quando o país estiver durante cinco a sete dias com menos de 1.500 novos casos de infeção pelo coronavírus, um número de reprodução (R) inferior a 1, uma taxa de positividade — percentagem de testes que dão positivo — abaixo dos 3,5% e as camas ocupadas por doentes Covid-19 nas unidades de cuidados intensivos não ultrapassarem as 145. Foram estas as linhas vermelhas que Carlos Antunes, engenheiro que tem seguido a evolução da pandemia em Portugal (antes ao lado de Manuel Carmo Gomes), traçou para orientar o planeamento do Governo para saber quando e como desconfinar.
O especialista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa foi um dos analistas da evolução epidémica ouvidos esta terça-feira na Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local da Assembleia da República. Também participaram João Seixas, Henrique Oliveira (Instituto Superior Técnico) e Jorge Buescu (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), que explicaram os métodos que utilizam para estudar o comportamento epidemiológico da Covid-19. Todos eles apresentaram dados e deixaram alertas sobre a pandemia e os problemas que um desconfinamento acelerado podem causar.
Carlos Antunes foi quem estabeleceu os cinco níveis de risco para classificar a situação epidemiológica no país, segundo os quais se devem aplicar as medidas mais rígidas, ou a partir dos quais se deve “aliviar a mola”. A primeira, a verde, é o nível mais baixo; e a quinta, a vermelho, o nível muito elevado (veja o gráfico). Neste momento, Portugal já está no terceiro nível, o laranja, um dos intermédios, porque baixou para entre 1.500 e 2.250 casos diários (já quase dentro da margem aceite para o desconfinamento), o R ronda os 0,9 neste momento (também abaixo do 1, mas ainda com risco de poder subir rapidamente) e tem uma taxa de testes positivos próxima (mas ainda superior) a 5%. O grande problema está no número de camas ocupadas nos cuidados intensivas, um dos indicadores mais valorizados, que está ainda muito longe das 145 a 190 previstas para levantar as restrições rígidas: a média desde domingo é de 607.
Perante estes dados, Carlos Antunes prevê que o país só deve reunir todas as condições necessárias para desconfinar no fim do mês março. Na verdade, Portugal continua longe dos valores registados antes do Natal, quando a situação ainda parecia estar sob controlo e a terceira onda ainda parecia longe do horizonte: no que toca aos internamentos gerais, que eram 6.117 a 24 de dezembro, eles só devem ser atingidos no fim desta semana; mas só a 6 ou 7 de março é que se alcançará a situação nas unidades de cuidados intensivos que tínhamos a 25 de dezembro (504).
Escolas só podem reabrir se o R não ultrapassar 1,05
Esta foi a primeira vez que os especialistas delinearam objetivos concretos que determinam os momentos ideais para iniciar o desconfinamento do país. Um dos atuais debates centra-se sobre o momento da reabertura das escolas: deve acontecer, faseadamente, começando pelas creches e pré-escolar, já em março? Ou aguardar até que todos os indicadores atinjam também os valores certos? O tema esteve também em debate entre os deputados e os especialistas, que quiseram perceber a relação entre o início das aulas e o fecho das escolas com o aumentos e a diminuição de casos.
Segundo Jorge Buescu, não há dúvidas sobre qual deve ser o momento do regresso presencial dos alunos às escolas. Só há condições para que isso aconteça em segurança se, contando com um aumento de 20% a 25% no R — que acontece com a movimentação de pais, alunos, professores e funcionários –, ele não ultrapassar 1,05 no máximo. Mais do este valor, diz o especialista, “é mais do que uma imprudência, é procurar problemas sérios”. Ou seja, é ir de encontro à tão temida quarta onda.
O aumento de 20% a 25% na taxa de reprodução do vírus foi calculado com base nos fenómenos que ocorreram em setembro, com o início do ano letivo 2020/2021. Nessa altura, ao fim de seis dias de aulas presenciais, o R começou a aumentar e, ao fim de 15 dias, já tinha crescido esses valores, desencadeando a chamada segunda vaga. Por isso, para reabrir agora as escolas, é necessário calcular se, com o mesmo aumento neste momento, o R se mantém abaixo de 1 ou passa muitíssimo pouco dessa métrica. Caso contrário, a situação pode novamente sair de controlo, porque, como disseram os especialistas, não é possível medir o efeito das movimentações nos transportes ou nas relações fora da escola que acabam por acontecer.
Momentos antes, João Seixas já tinha explicado porque é que a monitorização do R é tão importante: quanto mais ele ultrapassar o valor de 1, maior se torna a taxa de crescimento, que passa a aumentar exponencialmente, exigindo às autoridades uma ação de contenção “imediata”. O objetivo dessas ações é precisamente estabilizar a taxa de crescimento (para que a onda atinja um pico) e depois fazê-la diminuir, resultando numa diminuição diária dos novos casos de infeção. Se isso for feito, nunca a situação sairá do controlo. Jorge Buescu deu mesmo o exemplo do Natal, em que já era possível perceber o aumento dessa incidência, mas que nada foi feito para travar o avanço da pandemia.
Quando as escolas fecharam (a 22 de janeiro), aumentando ainda mais o confinamento em que o resto do país já se encontrava nesta terceira onda (desde dia 16, uma semana antes), as preocupações dos especialistas centravam-se sobretudo num crescimento de novos casos nas faixas etárias escolares — dos 6 aos 12 anos e dos 13 aos 17 anos. A incidência acumulada em sete dias por cada 100 mil habitantes em cada grupo etário comprovava que essas faixas eram aquelas que estavam a sofrer um maior crescimento na incidência antes do Governo tomar as medidas mais drásticas.
A partir de 22 de janeiro, uma semana após o confinamento, houve uma desaceleração nesse crescimento de casos. No entanto, a descida só se tornou realmente evidente a 31 de janeiro, graças à suspensão das aulas presenciais uma semana antes. Desde essa altura, as faixas etárias dos 6 aos 12 anos e dos 13 aos 17 anos foram aquelas que mais decresceram em número de contágios — uma tendência que se mantém até agora, mesmo com um ligeiro aumento do R nos últimos dias (e que já é visível no gráfico), que os especialistas atribuem à chamada fadiga pandémica e também às notícias sobre a evolução positivas e ao aproximar do que será a data de se poder sair de casa.
Mas mesmo quando estiverem reunidas todas as condições para o desconfinamento, pelo menos nas escolas, Henrique Oliveira teme um problema com as aulas de Educação Física e todas as atividades que envolvam o desporto em ambiente escolar. Na sua intervenção na comissão, o perito lembrou que essas aulas costumam ocorrer em pavilhões, ou seja, espaços fechados que propiciam uma maior probabilidade de contágio.
Quando o R chega a 1,2, a pandemia torna-se demasiado difícil de controlar
Mas os quatro especialistas ouvidos no Parlamento não se limitaram a determinar linhas verdes que permitem desconfinar o país: também avisaram sobre as linhas vermelhas que devem servir de alerta para impor novamente medidas mais fortes. Para compreendê-las é necessário recuar a agosto, quando o R foi atingiu 1,1 e se estabeleceu pouco depois um novo crescimento de incidência — a pequenas onda de verão, como mostram os mapas acima (férias, turistas, são algumas das explicações possíveis).
O mesmo aconteceu com o início do novo ano letivo, quando a segunda onda atingiu o país, duas semanas depois de as aulas começarem e a maioria dos portugueses regressarem ao trabalho no pós férias . Como Portugal esteve três meses com o R acima de 1, de meados de agosto até novembro, a incidência passou de 200 casos diários em meados de agosto para 6.000 em novembro. No entanto, o “ponto de não retorno”, como foi adjetivado por Henrique Oliveira, foi o Natal, altura em que o R sofreu o crescimento mais íngreme desde o início da pandemia e alcançou novos máximos: 1,25 a 27 de dezembro.
Jorge Buescu retirou uma aprendizagem destes acontecimentos: sempre que o R chega a 1,2, a incidência de contágios torna-se demasiado difícil de controlar porque a inércia da onda é complicada de reverter: “Quase fatalmente, dali a quinze dias, estabelece-se uma vaga”, determinou o matemático, apelando a que esta métrica seja continuamente monitorizada após o desconfinamento, sob pena de Portugal viver uma quarta vaga se o R chegar a 1,2. Este critério será determinante para poder agir, em vez de reagir.
Carlos Antunes também estabeleceu linhas vermelhas que devem sinalizar a necessidade de apertar novamente as regras: quando Portugal passar do nível 2 para o nível 3 na escala de risco e permancer neste nível durante cinco a sete dias é preciso impor medidas mais fortes. Os dois níveis seguintes já assinalam uma situação epidemiológica muito grave que pode ser irreversível e tudo deve ser feito para não se chegar ao quinto e último degrau da escala.
Casos de infeção devem ser três vezes superiores aos dados oficiais
Na audição parlamentar, e em resposta às perguntas dos deputados, Henrique Oliveira avançou ainda que a variante britânica começou a provocar os primeiros óbitos a 16 ou 17 de janeiro, quando a nova onda já estava estabelecida no país. Aliás, o vírus trouxe implicações para a letalidade porque se começou a reproduzir muito, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo, como já estava previsto nos modelos usados pelo especialista.
Isso sobrecarregou o Serviço Nacional de Saúde, fazendo com que muitas pessoas morressem mais rapidamente porque, por incapacidade de resposta nos hospitais, não chegavam a entrar nas unidades de cuidados intensivos, que já estavam saturadas. Sem esses cuidados de medicina intensiva, a sobrevivência expectável para muitos casos diminuiu. Isto explica também porque é que o pico nacional de mortes ocorreu mais próximo ao pico de casos do que havia acontecido na primeira vaga (demorou uma semana, quando o normal são duas).
Henrique Oliveira notou ainda que Portugal “está muito mais perto da imunidade de grupo do que se imagina”. O especialista estima que pode haver quase três vezes mais casos de infeção pelo coronavírus do que dizem os números oficiais neste momento, o que aumenta a quantidade de pessoas que já terá anticorpos contra o vírus no organismo. Mas avisa que, mesmo assim, é preciso vacinar mais do que 77,8% da população (vamos em 3%) — percentagem que, nos seus cálculos, determina a imunidade de grupo necessária para esta doença — porque as vacinas não são 100% eficazes.
248.708 pessoas já têm a vacinação completa, 3% da população portuguesa