Num dia com um único confronto televisivo, a meio da tarde, Rui Tavares estreou-se nos frente a frente e Rui Rocha fez o seu terceiro debate consecutivo (depois de segunda-feira ter enfrentado Pedro Nuno Santos e na terça André Ventura). Com pontos de vista ideologicamente opostos, o porta-voz do Livre atacou o líder da Iniciativa Liberal usando frases como parece um “miúdo no parque infantil que quer só descer o escorrega de descer impostos”, que só vê “um arco-íris com um cofre de moedas de ouro no final” ou que só tem soluções de “fezada”.
Rui Rocha respondeu dizendo que Rui Tavares só tem soluções de “laboratório” e ainda atacou a proposta de taxa da automação do Livre, ironizando com a sua aplicação aos sinaleiros quando surgiram os semáforos ou aos pombos-correio perante o aparecimento dos emails.
Impostos, habitação, saúde e propostas como a da semana de quatro dias e a do Rendimento Básico Incondicional foram os temas que se tornaram mais polémicos entre ambos.
Esta quinta volta a haver de novo um único debate. Rui Tavares será outra vez protagonista, desta feita tendo como opositora Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda. O frente a frente está marcado para as 18h00, na SIC Notícias. Pode ver o calendário completo de todos os debates neste gráfico.
Quem ganhou cada um dos debates? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos por cada um dos frentes a frente. E explicar porquê. A soma vai surgindo a cada dia, no gráfico inicial.
Rui Tavares (Livre)-Rui Rocha (IL)
Alexandra Machado — Um debate interessante entre “Ruis”. Estão em lados ideologicamente opostos mas o debate aconteceu sem terem de subir o tom de voz. Rui Rocha espalhou-se ao contrapor uma ideia de Rui Tavares da semana de quatro dias com os resultados do rendimento básico incondicional. Levava o tema engatilhado mas acabou por abordá-lo quando se falava de outro assunto. Correu-lhe mal. Inglório até porque Rui Rocha tem melhorado nos debates, ainda que na comparação (inevitável) com Cotrim de Figueiredo, Rocha saia a perder (até na frase feita que atira no início de cada debate, a de Cotrim era mais eficaz). Tinha Rui Tavares, bom orador, pela frente, o que também lhe dificultava a vida. E Rui Tavares esteve bem preparado, embora aqui e ali as palavras lhe tenham resvalado para o exagero ou como poderia ser catalogado para a demagogia (Rui Rocha tinha essa crítica preparada). Acabou o debate a querer fazer uma analogia entre a IL e o escorrega (Rocha tinha levado uma com carrosséis ao debate de Ventura) mas quem escorregou foi Tavares, ainda assim insuficiente para manchar a sua oratória.
Miguel Pinheiro — Rui Rocha descobriu duas frases que funcionam e repete-as, com bom efeito, em cada debate. Em relação aos jovens: um em cada três estão emigrados, um em cada quatro dos que ficam no país estão desempregados e um número substancial dos que têm emprego recebe o salário mínimo. Em relação à saúde: não nos perguntem porque é que queremos mudar um sistema que não funciona, perguntem aos outros partidos porque é que querem manter um sistema que não funciona. Já Rui Tavares esteve, como sempre, competente e sem falhas, excepto quando, num desvario hiperbólico, acusou a IL de querer beneficiar “o megamilionário do Dubai”.
Pedro Jorge Castro — Rui Rocha quer arriscar mudar tudo para crescer 4%, mas pode assustar muita gente; Rui Tavares contenta-se com uns retoques para não mandar tudo abaixo. Mesmo assim, pareceu mostrar mais sensibilidade para os problemas das pessoas, enquanto o adversário liberal apareceu menos fresco, a baralhar-se entre a semana de 4 dias e o Rendimento Básico Incondicional, e a pedir licença para falar (nunca corre bem). Quentinho, quentinho, mas sem mexer muito a agulha. Rui Tavares talvez tenha desviado alguns indecisos próximos do PS; Rui Rocha não terá conquistado muitos indecisos à AD. Daí a ligeira vitória do candidato do Livre.
Rui Pedro Antunes — O verdadeiro vencedor do debate foi Elon Musk porque os dois Ruis mostraram que são mais eficazes a comunicar e a debater (e talvez até a ganhar votos) na rede social X (o antigo Twitter). Numa altura em que o país está bem de finanças — e que o principal candidato a liderar a esquerda quer abrandar o ritmo de redução da dívida — Rui Tavares faz o papel de austero e uma das críticas que faz à IL é que prevê gastar milhares de milhões no programa eleitoral, enquanto o Livre se fica por “dezenas e centenas de milhões euros”. Ao não ter ambições de liderar um Governo, o Livre está desobrigado de ter como bandeira as contas certas, mas, mesmo assim, Rui Tavares quis ser o Vítor Gaspar na sala. Já Rui Rocha continua a estar longe de dominar o pitch de 13 minutos, mas conseguiu colar a Rui Tavares uma imagem de velho do Restelo que se pudesse tinha taxado o semáforo para proteger o polícia sinaleiro e o email para proteger as cartas. Rui Rocha voltou a repetir uma ladaínha: “O único voto que muda Portugal, é o voto na Iniciativa Liberal”. Seria ótimo se fosse um slogan feito pelo ChatGPT. Rima e tudo. É difícil acreditar que algum deles ganhou votos com o debate. Mas, ainda assim, se houve um campo onde IL e Livre disputam votos não é na ideologia (patente no SNS, por exemplo), mas na atração do voto tuiteiro. E, aí, Rui Rocha ficou ligeiramente à frente.
Sara Antunes de Oliveira — Parece de propósito, mas depois de, no primeiro debate (com Pedro Nuno Santos), Rui Rocha não ter levado o único número que importava, neste levou números a mais. Os primeiros cinco minutos foram demasiado confusos, com contas de cortes e percentagens de receitas que tornaram ainda mais difícil perceber como é que a IL paga, afinal, o choque fiscal. Números, seguramente, demasiado altos para Rui Tavares, que surgiu no debate como um conservador, que prefere não mexer muito. Apesar das sondagens que muitos explicam com uma vontade de mudança — mesmo que isso implique o voto em partidos extremistas, como o Chega —, Tavares diz que, afinal, ninguém em Portugal quer aventuras. Daí que o programa do Livre tenha propostas que só custem umas dezenas ou centenas de milhões de euros — e não milhares de milhões, como os de PS e PSD, por exemplo. Pelo caminho, um argumento novo sobre a crise na Saúde: os profissionais de saúde não estão a abandonar o SNS e a procurar o privado porque estão fartos de baixos salários e de não terem condições para trabalhar. É, descobriu o porta-voz do Livre, porque os privados sabem quanto se ganha no público e o público não sabe quanto se ganha nos privados. Ok. No final, quem ganhou? Creio que ninguém — e isso não é um bom sinal. Talvez tenham sido eficazes para quem já os escolheu, mas dificilmente roubaram votos. Já agora: o Livre pode não ter frases feitas para abrir debates, como atirou Tavares a Rocha logo no arranque, mas levou a história do escorrega mais do que feita para fechar (o que não tem problema nenhum, mas não lhe saiu muito bem).
Pode ver aqui as notas dos debates de segunda-feira e terça-feira.