O ano era 2011 e o cenário um jantar de Natal, neste caso do PS. Sentado a essa mesa estava o então deputado Pedro Nuno Santos, o mesmo que viria a tornar-se conhecido como o principal rosto da ala esquerda do partido. E, embora em causa estivesse uma aparentemente inocente refeição natalícia em tempos de crise, a fama de radical de Pedro Nuno acabaria cimentada graças às declarações que fez nessa noite – e que a rádio local de Castelo de Paiva gravou. O deputado garantia estar-se “marimbando” para os bancos alemães que emprestaram dinheiro a Portugal e lembrava que o país podia usar uma “bomba atómica” – “ou se põem finos ou nós não pagamos a dívida”. A ameaça faria efeito, garantia Pedro Nuno: “As pernas dos banqueiros alemães até tremem”.
Estamos em 2022, o cenário é um pouco menos familiar – desta vez é o pavilhão Rosa Mota, que serve de palco ao congresso do PSD – mas, de repente, a velha ameaça de Pedro Nuno é a frase mais citada ou parafraseada do congresso (competindo já com as recorrentes citações de Francisco Sá Carneiro).
Era de esperar: os sociais-democratas receberam com alegria a notícia da crise no Governo graças à decisão do ministro das Infraestruturas sobre o aeroporto, revogada em menos de 24 horas e em choque frontal com o primeiro-ministro. E recuperaram as palavras de Pedro Nuno de todas as formas possíveis: em forma de ataque, ironia, punchline e, sobretudo, de motivação para as hostes sociais-democratas, fazendo de Pedro Nuno Santos um opositor tão ou mais relevante do que António Costa.
Costa queria, mas Pedro Nuno recusou sair. As horas quentes da primeira crise da maioria
O ministro que pôs as pernas de Costa a tremer
O primeiro a inaugurar a tendência no congresso do PSD foi, de resto, o novo líder: Luís Montenegro até abordou vários casos e polémicas que envolvem o Governo, mas reservou uns minutos de propósito para dissecar o caso Pedro Nuno vs António Costa.
E dissecou-o em todas as frentes: Costa é “complacente, fraco e inconsequente” com o ministro que o “traiu” e pôs em causa “a dignidade do Governo; incoerente também, porque há uns anos demitiu João Soares por muito menos; pouco fiável, porque “ninguém acredita” que a crise se resumiu a um “erro de comunicação”; e, concluiu, “Pedro Nuno Santos finalmente conseguiu pôr as pernas a tremer a alguém: ao primeiro-ministro”.
É uma tese recorrente e que também cola nalguns setores do PS: há quem acredite que Pedro Nuno Santos só ficou no governo depois do “erro grave” que enfureceu António Costa graças ao poder que tem nas estruturas do PS, e que, jura-se entre os socialistas, lhe serão fiéis quando chegar o seu dia de concorrer à liderança do partido, pelo que Costa poderá ter preferido manter Pedro Nuno por perto. No entanto, na cúpula do partido também se fazem elogios à competência do ministro – e os mais próximos acreditam que, depois de um período de nojo, ou recato, de alguns meses, a imagem de Pedro Nuno será restabelecida.
PS perplexo com “erro” e “humilhação” de Pedro Nuno, mas fiéis acreditam que golpe “não é fatal”
Seja como for, ainda não passaram meses, apenas poucos dias – e a polémica rebentou no timing ideal para os sociais-democratas, que durante todo o congresso cavalgaram a polémica governamental para frisar a ideia (que a crise nas urgências do SNS já deixava antever) de que a tão recente maioria absoluta do PS já está em crise, com Costa a perder o controlo do elenco que ele próprio escolheu.
“Como é que o Governo quer ser levado a sério?”, questionava Montenegro, analisando a “mais estranha e mal explicada briga entre um primeiro-ministro e um ministro de toda a História democrática”. E isso era ainda na noite de sexta-feira, abertura do congresso. Durante todo o dia de sábado, e apesar de Montenegro não ter em nenhum momento esclarecido qual a posição que o PSD assumirá nesta matéria – remetendo para os novos órgãos do partido – o tema serviu para unir o partido em torno de um inimigo, e de uma polémica, comum, e dar força a um partido que assume estar a passar por um momento difícil.
Mil e uma maneiras de falar em Pedro Nuno, “ministro bazófia”
“O doutor António Costa abanou as pernas na semana passada e acho que hoje o PS percebeu que terá um PSD forte pela frente”, atirou Miguel Pinto Luz, em entrevista ao Observador, depois de ter classificado Pedro Nuno Santos como um “ministro bazófia”. “Alguém fez tremer as pernas de António Costa”, concordou, em palco, Álvaro Amaro.
“Julgo que eles já estão a tremer das perninhas só com a eleição do Luís. Pedro Nuno já não está lá, é um ministro de corpo presente e ficou sem autoridade esta semana”, insistiu Silvério Regalado, vogal da nova Comissão Política de Montenegro.
As referências foram constantes e as teorias sobre o que afinal aconteceu entre Costa e Pedro Nuno também. O ex-vice Ricardo Batista Leite assegurou não ter “a mínima dúvida” de que tudo não passou “de um teatro, uma farsa”, dado que a decisão sobre o novo aeroporto já estaria mesmo tomada – Costa só quereria fingir que tencionava negociar com o PSD, assegurou, e se tivesse respeito pelos portugueses Pedro Nuno Santos “já não seria ministro”.
Paulo Rangel, que comentou o assunto à porta do congresso, viu um ministro a “desafiar o primeiro-ministro e manter-se em funções”, prova da “total desorganização e desautorização” no seio do Governo. O próximo líder parlamentar, Joaquim Miranda Sarmento, referiu “que não era expectável”, passados apenas três meses de mandato, ver este nível de “desnorte e de conflito dentro do Governo”. Para José Silvano, críticas no mesmo tom: ““Não é credível que [António Costa] não soubesse que isto estava a ser preparado desta forma”.
E era tal a fé dos sociais-democratas no efeito dominó que a crise poderá trazer que o líder cessante da bancada, Paulo Mota Pinto, chegou a atirar: “Não está garantido que, apesar da maioria absoluta, esta legislatura chegue ao fim”, dadas as “dificuldades surpreendentes” que o Governo atravessa. Álvaro Amaro já se tinha atravessado pela mesma teoria: “Compete-nos a todos nós que ele continue a tremer e que o possamos fazer cair com dignidade. Seja em 2024 ou em 2026”, insinuou, sugerindo que o Governo pode cair mais cedo do que é suposto.
A “conversa informal” de Pedro Nuno com Moedas
Ao final da tarde, Carlos Moedas viria acrescentar mais informações em entrevista ao Observador, revelando que chegou a ter uma “conversa informal” com Pedro Nuno Santos em que o ministro lhe contou as linhas gerais do plano que constava do despacho de sexta-feira. Por isso, e ao contrário de Costa, não ficou “surpreendido” quando leu as notícias sobre a aparente decisão-relâmpago, na quarta-feira.
Entrevista a Carlos Moedas: “Pedro Nuno Santos contou-me as linhas gerais do plano para o aeroporto”
Se a informação voltará a incendiar o dossiê que Costa se apressou a fechar tão rápido como abriu – com a conferência de imprensa em que vários fiéis a Pedro Nuno Santos consideraram que o ministro se “humilhou” – só o tempo dirá. Mas já é certo que os sociais-democratas apostam em capitalizar com isso mesmo.
Se na campanha eleitoral de janeiro Pedro Nuno Santos chegou a ser agitado como um papão pelo PSD – Rui Rio referiu-se várias vezes ao ministro, sempre apontado como sucessor provável de António Costa, como o senhor que se seguiria no PS, e que poderia construir uma geringonça 2.0 – desta vez voltou a ser usado como arma de arremesso: Alexandre Poço, líder da JSD, acabaria por resumir a questão dizendo que Costa “tem um sucessor na cabeça, o jovem turco com cabeça de velho no Avante”, que terá no PSD “uma muralha de aço para o combater”.
O foco em Pedro Nuno Santos como símbolo das últimas polémicas e confusões no seio do Governo foi tal que Alexandre Poço acabou a defender o PSD enquanto “alternativa a António Costa e Pedro Nuno Santos”: assim mesmo, colocados no mesmo patamar. A esperança do PS é que o caso acabe por se ir apagando com o passar do tempo; o congresso deixou claro que o PSD tudo fará para que isso não aconteça. A “alternativa” ao PS que Montenegro tem prometido, num estilo de oposição mais acutilante e afastada do PS do que o PSD da era Rio, também passará por aqui.