A descida do imposto sobre os produtos petrolíferos anunciada na sexta-feira pode ser vista como um gesto simbólico — ainda que segundo o Governo a baixa de 1 cêntimo no gasóleo e 2 cêntimos na gasolina custe 90 milhões de euros ao ano. O impacto no preço final foi praticamente anulado dois dias depois com o aumento dos combustíveis desta segunda-feira.
Ainda assim Portugal é dos poucos países que já concretizou uma medida de resposta à escalada dos combustíveis, justificada com a devolução aos consumidores do IVA cobrado a mais, à boleia dos preços mais caros. O facto estarmos entre os 10 países com maior carga fiscal nos combustíveis e o compromisso feito em 2016 — e que ficou por cumprir — de devolver o aumento de impostos extraordinário com a recuperação na cobrança do IVA, ajudam a explicar esta opção.
António Costa comprometeu-se a fazer uma avaliação semanal de eventuais futuras devoluções de imposto reafirmando a política já defendida. “Nós não vamos financiar os combustíveis fósseis, mas nós não queremos, o Estado não quer arrecadar uma receita extraordinária pelo facto de haver um aumento extraordinário”.
Devolução do IVA a mais nos combustíveis será avaliada semanalmente, diz Costa
O Executivo avançou também com uma iniciativa para permitir limitar as margens na cadeia de transporte e venda de combustíveis, mas a lei aguarda promulgação do Presidente e a sua operacionalização ainda é uma incógnita.
A maioria dos governos europeus — cerca de 20, segundo contas de Bruxelas — anunciou pacotes de apoio sobretudo a famílias, mas focados na fatura da eletricidade e do gás natural cujos preços têm vindo a atingir recordes desde agosto. Desde a descida temporária de impostos e taxas até à entrega de vouchers e subsídios para os consumidores mais vulneráveis, passando ainda por tetos administrativos à subida dos preços finais. Grande parte destas decisões estão enquadradas na caixa de ferramentas que a Comissão Europeia apresentou na semana passada como menu de soluções que os países podiam adotar para responder à escalada dos preços da energia. Mas nem todas as energias são iguais nesta crise energética.
As medidas de Bruxelas para travar preço da luz e como Portugal até foi mais longe em algumas
Os combustíveis rodoviários têm estado de fora das políticas de apoio anunciadas pelos estados e defendidas por Bruxelas. Se no passado o argumento financeiro da receita fiscal era invocado pelos governos para evitar descidas de impostos em situações de alta de preços, agora são as motivações ambientais e os objetivos de descarbonização que levam os países a resistir a ações que aliviem os custos do consumo de combustíveis fósseis. Seria uma contradição face às orientações da Comissão Europeia e às políticas seguidas nos últimos anos, em vários países, de agravamento da carga fiscal sobre os combustíveis com taxas ambientais, como aliás defende António Costa
Ainda esta terça-feira, o primeiro-ministro mostrou a expectativa de que a “Europa possa adotar medidas que ataquem este problema na sua raiz, que tem a ver com a escassez no combustível e o facto da nossa hiperdependência de combustíveis fósseis importados, que estão a condicionar grandemente os preços em toda a Europa e obviamente condicionam a capacidade de recuperação económica”. Medidas de fundo passam por interconexões com fornecedores como a Rússia e pela diversificação das fontes de abastecimento. Mas serão sempre soluções a médio e longo prazo.
E quanto não passa esta vaga altista — que pode acalmar depois do inverno — os governos confrontam-se com a crescente pressão de empresas e consumidores que em Portugal já ameaçaram tomar medidas mais duras de protestos, além dos alertas para a subida em cadeia dos preços dos bens transportados e para falências. França, país onde o Movimento dos Coletes Amarelos nasceu em 2018 de um protesto contra o aumento da carga fiscal sobre os combustíveis, é um dos primeiros a dar o sinal.
Governo francês pondera oferecer vales de desconto para combater aumento do preço dos combustíveis
França. Esta segunda-feira, e perante a ameaça do regresso à rua dos movimento, o ministro das Finanças, Bruno La Maire, admitiu a possibilidade de avançar com vouchers para descontos na compra de combustíveis para famílias de baixos rendimentos. Mas foi a contragosto. Apesar de considerar que a medida seria preferível face a uma descida de impostos — que o Governo rejeita —, o ministro considera ainda assim que teria uma fatura elevada para as finanças públicas e seria de execução difícil, para além de constituir um subsídio aos combustíveis fósseis em contraciclo com a política do Governo.
O Governo de Emmanuel Macron já tinha travado aumentos da eletricidade e do gás natural cuja tarifa regulada ia subir 12,6% em 2022. O teto para a subida é agora de 4%. E anunciou a entrega de vouchers de 100 euros a 5,8 milhões de famílias para ajudar a suportar a subida da fatura energética, com um valor estimado de 600 milhões de euros.
Espanha. Aqui ao lado, onde os combustíveis têm uma das mais baixas cargas fiscais da Europa, o plano de recuperação negociado com a Comissão Europeia previa uma harmonização do imposto sobre o gasóleo face à gasolina a partir de 2022. A medida inserida na estratégia de transição energética implicaria onerar o diesel em quase quatro cêntimos. Mas não há um compromisso sobre quando será aplicada. Notícias sobre as negociações do orçamento espanhol sinalizam que o aumento do chamado imposto diesel não avançará em 2022 para garantir o apoio do Partido Nacional Basco que receia o impacto na indústria de motores a gasóleo do País Basco.
O Governo de Pedro Sánchez foi um dos primeiros a lançar um plano agressivo de combate à escalada do preço da eletricidade este verão que incluiu a baixa temporária de impostos — como o IVA, o imposto especial sobre o consumo — e a criação de uma taxa sobre os ganhos “vindos do céu” (“windfall profits”) que as produtoras de energias sem custos com o CO2 estavam a obter na venda da sua eletricidade a preços recorde fixados pelas centrais a gás.
Plano espanhol para travar preços da luz baixa impostos e corta ganhos das elétricas
Grécia. O Governo anunciou a duplicação do valor dos subsídios para as faturas de gás e eletricidade para 500 milhões de euros, que serão financiados pela venda das licenças de CO2. Neste cheque estão incluídos 168 milhões de euros para um pagamento único de apoio às famílias na compra de combustíveis para aquecer as casas, sejam gasóleo de aquecimento, gás, madeira ou biomassa (lenha). A medida passa por um subsídio de 18 euros para os primeiros 300 kilowatts/hora consumidos mensalmente pelas famílias gregas entre 1 de outubro e o final deste ano. O cheque mensal sobe para 24 euros para as famílias de rendimentos mais baixos.
Países Baixos. O Governo de Mark Rutte está a preparar um plano de mais de mil milhões de euros para ajudar as famílias a lidar com os custos crescentes da energia. Está prevista uma redução das taxas de forma a permitir uma poupança de 400 euros por mês na fatura anual de eletricidade e gás.
Alemanha. As autoridades optaram por cortar a sobretaxa cobrada aos consumidores para suportar a produção de energia renovável em mais de 40%. A medida que vai aliviar a fatura da eletricidade a partir de janeiro do próximo ano vai custar 3,25 mil milhões de euros e será financiada com as receitas da venda de licenças de CO2. Esta taxa representa cerca de um quinto da fatura energética dos consumidores.
Irlanda. O país tem planos para subir anualmente a taxa de carbono sobre os combustíveis fósseis a partir de março de 2022 num aumento gradual até 2030 quando deverão ser atingidos os 100 euros por tonelada. A medida apanha gás natural e combustíveis rodoviários. A taxa sobre o gasóleo subiu já em outubro, elevando a fatura para encher o depósito em 1,5 euros. O Governo sinalizou entretanto a intenção de apoiar os consumidores mais vulneráveis no Orçamento do Estado do próximo ano.
Reino Unido. Os analistas preveem uma subida de 30% nos preços do gás natural para domésticos no próximo ano. E, de acordo com a imprensa britânica, os fornecedores de energia já pediram ao Governo um plano de resgate para as famílias e empresas que estão a sofrer os efeitos não só do preço, mas também da falta de gás. O país foi ainda afetado por uma crise no abastecimento da rede de combustíveis, causada pela escassez de condutores de pesados (um dos efeitos atribuídos ao Brexit). Os preços também estão a subir e crescem as vozes a pedir uma redução temporária da taxa de IVA para compensar a escalada dos combustíveis. Também os grandes consumidores industriais exigem respostas do Governo, tendo alguma unidades já parado por causa do custo da energia.
E Portugal. Por cá, as medidas de combate ao custo energia estão para já centradas na eletricidade (o gás natural tem mais impacto para as empresas do que para as famílias). O Parlamento já aprovou uma iniciativa legislativa do Governo para permitir limitar as margens na cadeia dos combustíveis, mas o diploma aguarda a promulgação do Presidente da República e ninguém sabe como será operacionalizado.
Em setembro, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, apresentou “almofadas” para contrariar a subida da eletricidade no mercado grossista no valor de mais de 800 milhões de euros. O pacote inclui receitas com leilões do CO2 e poupanças já previstas nos custos do sistema elétrico (como o fim do contrato de aquisição da central do Pego ou o sobreganho na remuneração a pagar à energia renovável, face ao preço do mercado). E permitiu ao regulador anunciar uma baixa inédita na sua dimensão nas tarifas de acesso às redes a partir de 2022, o que irá beneficiar empresas e clientes do mercado livre.
Para os clientes do mercado regulado, os únicos que têm tarifas fixadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, as tarifas vão descer 3,4% face ao valor pago em outubro e depois de dois aumentos extraordinários realizados este ano.