Já passou quase um ano desde que Rosa Grilo e o amante, António Joaquim, estão presos. Foi no dia 29 de setembro de 2018: cerca de dois meses e meio depois de um triatleta de 50 anos — era apenas referido assim, à data — ter desaparecido na zona de Vila Franca de Xira. O caso rapidamente chamou a atenção dos meios de comunicação social — especialmente quando a 18 de julho, dois dias depois de o desaparecimento ter sido participado à GNR, o telemóvel do triatleta ter aparecido na berma de uma estrada e a investigação ter passado para a Polícia Judiciária. Era um autêntico mistério.
As semanas iam passando e nem uma pista. As teorias iam sendo elaboradas e as entrevistas de Rosa Grilo às televisões iam sendo transmitidas. Ao mesmo tempo que a polícia continuava a tentar localizar o triatleta com vida, ia abrindo portas a outra possibilidade: a de um homicídio. E as suspeitas recaíam cada vez mais sobre a sua mulher e o dono de um número de telemóvel com o qual tinha feito 931 contactos entre 1 de julho e 24 de agosto.
Os dois telemóveis foram postos sob escuta. A casa do triatleta foi alvo de buscas. Várias testemunhas começaram a ser inquiridas. A 24 de agosto, foi encontrado um cadáver na zona de Avis, em Portalegre, e a investigação fechou a porta do desaparecimento: o corpo era o do triatleta. Foi encontrado despido, numa berma de uma estrada de terra batida, com um saco preto na cabeça e outro enrolado na perna, por cima de uma tatuagem.
Esse triatleta passou a ser Luís Grilo. A mulher passou a ser Rosa Grilo e o número de telemóvel com quem trocava mensagens era, afinal, do seu amante, António Joaquim. Estes três nomes tornaram-se conhecidos e viriam a ficar associados a um dos crimes mais mediáticos de 2018: Luís é a vítima; Rosa e António são os suspeitos. Esta terça-feira, os dois voltam a encontrar-se num tribunal, desta vez o de Loures, onde vão começar a ser julgados — por juízes e jurados — pelos crimes de homicídio qualificado, profanação de cadáver e posse de arma proibida.
De há um ano para cá, os detalhes da investigação foram sendo revelados a conta gotas ao mesmo tempo que Rosa Grilo apresentava a sua versão a história: o marido tinha sido assassinado por angolanos que tinham invadido a casa em busca de diamantes. O amante diz desconhecer o que se passou. A 25 de março, o Ministério Público deduziu a acusação e levantou o véu a mais alguns detalhes de como o crime teria sido cometido. Os arguidos continuaram a defender a sua inocência.
Como foram escolhidas as pessoas comuns que vão julgar Rosa Grilo. E como o vão fazer
A arma, os vestígios de sangue na cabeceira da cama, uma aplicação para apagar dados do telemóvel, o edredão com vestígios de sangue de Luís Grilo e de ADN da mulher são algumas da várias provas que colocam Rosa Grilo e António Joaquim no local do crime. Mas também existem duas testemunhas que corroboram a tese de que o triatleta foi assassinado por angolanos. Afinal, que provas existem mesmo?
A arma do crime
A pistola pertence ao amante de Rosa Grilo e tem vestígios de sangue do triatleta no interior do cano
Quando foi encontrado, o corpo do triatleta estava num estado tão avançado de decomposição que não foi possível sequer identificar o cadáver de imediato. Mas, recolhidas as impressões digitais e realizada a autópsia, apurou-se que o corpo era do triatleta e qual a causa da morte. Foi detetado um “orifício de entrada de um projétil de arma de fogo“, lê-se em documentação a que o Observador teve acesso. A autópsia foi conclusiva: esta lesão terá sido a responsável pela morte de Luís Grilo.
Ao mesmo tempo, estava a ser realizado um exame pericial ao projétil que tinha sido encontrado na cabeça do triatleta: examinado, concluiu-se que se tratava de um projétil de calibre 7,65 mm Browning — o que ainda assim trazia várias hipóteses para cima da mesa. É que, mesmo conhecido o calibre, a arma responsável pelo disparo podia ser de quatro marcas possíveis: CZ, Beretta, Walther ou MAB. A 4 de setembro, o Departamento de Armas e Explosivos da PSP informou a PJ que António Joaquim tinha registado em seu nome uma pistola com o mesmo calibre e da marca CZ: uma das quatro marcas indicadas como possíveis responsáveis pelo disparo.
Nas buscas realizadas à casa de António Joaquim, a 26 de setembro, lá estava. Entre várias armas e munições obsoletas, existia a possível arma do crime e uma munição da mesma marca e modelo daquela cujo projétil foi retirado da cabeça da vítima. Através dos testes realizados, foram observadas várias características compatíveis entre munições: classe, largura e definição de impressão de limites de estriado.
Quando estes indícios podiam ser apenas uma coincidência, chegou o resultado de mais um exame que, segundo documentos a que o Observador teve acesso, afastou “qualquer dúvida” de que aquela era a arma do crime. “No interior do cano, existiam vestígios hemáticos cujo perfil correspondia ao da vítima”, lê-se no documento. Mais: algumas partes do interior da arma apresentavam sinais de oxidação — o que, de acordo com a investigação, indica que a arma foi lavada após a última utilização, numa tentativa de eliminar esses vestígios.
Para Rosa Grilo, não será estranho que existam vestígios de sangue no interior da arma uma vez que, de acordo com a sua versão, é possível que os angolanos a tenham usado para matar o marido. Até porque, explicou a arguida no interrogatório, foi ela própria a ir buscar a pistola a casa de António Joaquim, depois de Luís Grilo lhe ter dito que estava a ser perseguido por angolanos. Segundo esta tese, a conversa terá acontecido duas semanas antes de o casal ter viajado até à Alemanha para Luís Grilo participar na competição de Ironman (uma modalidade de triatlo). Por receio, Rosa teria chegado a sugerir que abandonassem Portugal — o que o marido recusou.
Então, terá arranjado outra solução. Sabendo que o amante tinha uma pistola em casa, Rosa conta que, nos finais de junho, resolveu deslocar-se a casa de António Joaquim — sem que este soubesse — para a ir buscar e entregá-la a Luís Grilo. Levou a arma e uma caixa de munições e cedeu-as ao marido, revelando-lhe que o material pertencia a António e serviria para ele se defender — o que leva a PJ a questionar: tendo o amante outras armas guardadas no mesmo local, como é que Rosa sabia qual era o carregador correto para a que levou, se afirmou não saber manusear armas? Aliás, o próprio António Joaquim confirmou que a arma se encontrava descarregada.
De acordo com o que relatou no interrogatório, embora Luís Grilo tenha recusado inicialmente ficar com a pistola, Rosa ultimou que, se não a guardasse ele, guardava ela. O casal acabou então por acordar esconder a arma num armário da garagem — o que, para a PJ, não faz sentido: por que razão Luís Grilo não transportava a arma consigo uma vez que estava a ser perseguido e o objetivo era defender-se, caso necessário?
Assim, no dia 16 de julho, no momento em que estariam a ser atacados por esses angolanos, Luís Grilo terá dito que os diamantes que eles procuravam estavam num armário da garagem — Rosa explica que o marido se estava a referir ao armário onde tinham guardado a arma e que a sua intenção era conseguir que os angolanos o levassem até lá, para assim se apoderar dela. No entanto, os agressores decidiram que seria Rosa a ir à garagem. Segundo conta, quando chegou junto do armário, tirou a arma e apontou-a — mas o homem que a acompanhou apercebeu-se e reagiu imediatamente: tirou-lhe a arma e deu-lhe uma bofetada.
Os angolanos ficaram na posse da arma, mas também eles tinham trazido outras armas, segundo conta a arguida. Rosa explica assim que, quando o marido foi assassinado — na sua tese, e ao contrário do que apurou a investigação, com dois tiros —, não conseguiu perceber que arma usaram. Segundo esta versão, estando os angolanos na posse da pistola de António Joaquim é possível que esta tenha sido a usada — explicando assim os vestígios de sangue de Luís Grilo encontrados no interior do cano.
Já depois de os angolanos terem ido embora e levado o corpo do marido com eles, defende Rosa Grilo, a arma foi deixada por eles em cima da secretária do escritório — deixar a arma no local do crime não é, no entanto, um comportamento plausível para a investigação. Obrigada pelos agressores a fingir o desaparecimento do marido, a arguida relata que voltou a casa de António Joaquim — mais uma vez, sem que ele soubesse — para devolver a arma. Lá, colocou-a no sítio de onde a retirou e onde viria a ser encontrada e apreendida: por baixo da gaveta do roupeiro do quarto e separada dos respetivos carregadores, que estavam por baixo de uma das mesas de cabeceira.
António Joaquim declarou, quer no primeiro interrogatório judicial quer no interrogatório complementar que requereu, que não deu por falta da arma, durante as três semanas em que esteve desaparecida, negando assim qualquer participação no assassinato de Luís Grilo. Para a PJ, é no mínimo estranho que, vivendo com filhos menores, António não tivesse um controlo frequente da arma, por razões de segurança.
Os vestígios de sangue na casa e a troca de mobília
Rosa Grilo desmontou a cama do triatleta, deitou partes para o lixo e fez várias limpezas na garagem
A primeira vez que a PJ entrou em casa de Rosa Grilo foi no dia 20 de julho — quando o objetivo da investigação era recolher pistas para resolver o mistério do desaparecimento. O quarto de hóspedes, onde Luís Grilo dormia, por já não partilhar a cama com a mulher, não apresentava, à primeira vista, nada de estranho: uma cama, duas mesas de cabeceira e mais algum mobiliário. Mas as diligências realizadas a seguir deixaram à vista vestígios difíceis de detetar a olho nu e as tentativas dos autores do crime para os esconder — dados suficientes para a PJ afirmar que o quarto de hóspedes era o local do crime, embora tenha detetado vestígios de sangue noutras divisões da casa.
Desde logo, o quarto de hóspedes nem sempre foi como a PJ o encontrou a 20 de julho. Que o diga a empregada de limpeza da família — que começou ali a trabalhar em maio e deixou de ir na semana em que Luís Grilo terá sido assassinado, depois de Rosa Grilo a ter dispensado porque ia estar com a família em casa. Confrontada com as fotografias tiradas nessa data, a empregada revelou que faltavam objetos: os três tapetes (dois mais pequenos nas laterais da cama e outro maior aos pés), o colchão e a colcha branca — que agora aparecia no quarto de Rosa Grilo. A testemunha explicou ainda à PJ que, no quarto da arguida, costumava estar não essa colcha branca, mas outra em tons de azul, que agora não aparecia em nenhuma das fotografias da divisão. Mais: o cabide de madeira onde Luís Grilo pendurava a roupa também agora aparecia no quarto da mulher.
Quando a PJ voltou à casa, a 26 de setembro, já não encontrou o quarto de hóspedes como tinha encontrado da última vez: a cama de casal tinha sido substituída por duas camas de solteiro. Essa cama de casal, que costumava estar no quarto de hóspedes onde Luís Grilo dormia, encontrava-se agora desmontada na garagem. As duas mesas de cabeceira também tinham sido movidas para ali. Quando a polícia se aproximou, percebeu que, na verdade, apenas a zona da cabeceira, o topo oposto (da zona dos pés) e o estrado ali estavam. Além do colchão (que já estava em falta na altura da primeira busca), faltavam agora as duas travessas laterais de sustentação da cama.
O estrado, porém, estava agora pintado — o que, segundo a empregada da família, era um dado novo: durante o tempo em que lá trabalhou, antes do alegado desaparecimento, o estrado não estava pintado. Um vizinho recordou à PJ que, já depois de Luís Grilo ter supostamente desaparecido e enquanto conversava com a mulher, chegou a ver um plástico transparente no chão sobre o qual estava um estrado de cama que se encontrava pintado. Aliás, o morador disse mesmo que ficou com a sensação de que Rosa o estava a pintar no momento.
Mas onde estava o resto da mobília? Vários vizinhos que foram inquiridos foram também dando pistas que ajudaram a chegar a uma possível explicação para a falta daqueles objetos. Nos dias após o alegado desaparecimento de Luís Grilo, junto aos caixotes do lixo no bairro onde Rosa Grilo vivia, apareceu um colchão de casal deitado no chão. De acordo com documentação a que o Observador teve acesso, os vizinhos inquiridos admitiram que não sabiam quem eram os donos do colchão.
Outro vizinho contou à PJ que, no contentor do lixo onde se encontrava o colchão, estavam também duas traves laterais de uma cama e três travessas em madeira onde se apoia o estrado. Como tinha intenções de construir uma coelheira, levou essas travessas consigo. Mas acabou também por levar as traves laterais, que cortou para servirem de lenha. A PJ acabaria por se deslocar ao local onde o vizinho construiu a coelheira em busca de pistas, mas não foi detetado qualquer vestígio de sangue. O vizinho ainda tinha cinco pedaços das traves laterais da cama — que cortara para servir de lenha — mas também ali os testes realizados tiveram resultados negativos. Os restantes pedaços já tinham sido queimados.
Vários outros moradores daquele bairro contaram à PJ que, depois de o triatleta ter alegadamente desaparecido, viram Rosa Grilo, de mangueira na mão, a lavar a garagem durante muito tempo e frequentemente. Houve quem relatasse que chegou a ver uma enorme quantidade de água a sair pela garagem e a descer pela estrada abaixo. Uma vizinha conta mesmo que, no início de setembro, apercebeu-se que a arguida lavava a garagem quase todos os fins de semana com lixívia.
Pelo menos dois vizinhos recordam-se de ter visto, também já depois do alegado desaparecimento de Luís Grilo, Rosa Grilo a lavar a carrinha Opel Astra: terá tirado todos os tapetes e a chapeleira e depois tê-los-à encostado ao muro a apanhar sol, deixando a carrinha com as janelas das portas e porta da bagageira abertas. Os moradores contam que, nos dias seguintes, a carrinha ficou estacionada na parte da frente da casa, com as janelas abertas até meio.
Qual o motivo das limpezas? Só Rosa Grilo poderá explicar. Para a investigação, terá sido uma tentativa de apagar quaisquer vestígios que pudessem ligá-la ao crime. Certo é que a PJ encontrou ainda assim alguns que terão sido suficientes para a acusar a ela e a António Joaquim da morte do triatleta.
No dia 26 de setembro, nas buscas realizadas horas antes de ambos os suspeitos serem detidos, foi detetado sangue humano em várias zonas da cabeceira da cama, na zona frontal de uma das mesas de cabeceira e na zona lateral direita de outra mesa de cabeceira — o mobiliário que se encontrava no quarto de Luís Grilo e que depois apareceria desmontado, na garagem. A PJ concluiu que as manchas de sangue tinham características que permitiam perceber que, junto à zona da cabeceira da cama e mesas de cabeceira, teriam existido agressões. Um exame realizado a estes vestígios permitiu concluir que aquele sangue pertencia a Luís Grilo.
Nessas mesmas buscas, a PJ procurou eventuais vestígios hemáticos no quarto de Rosa Grilo. Foram então detetadas algumas manchas de sangue na parede, na zona correspondente ao lado direito da cama, num tapete cinzento — onde também foi detetado ADN de António Joaquim — e, ainda, no chão da casa de banho privada do quarto de Rosa Grilo, nas juntas dos mosaicos. As manchas foram analisadas, tendo-se chegado à conclusão de que se tratava de sangue humano. O que levanta uma questão: se, na tese da PJ, Luís Grilo foi morto no quarto dele e se, na tese de Rosa Grilo, os angolanos mataram o marido na cozinha, de onde vêm estas manchas de sangue? Na verdade, também em dois tapetes verdes da cozinha foram encontrados vestígios de sangue, sendo que num deles foi encontrado ADN de António Joaquim.
A localização celular (e a ausência dela)
Na hora do crime, os telemóveis dos suspeitos e da vítima não acionaram qualquer antena
A primeira localização celular dos telemóveis dos suspeitos e da vítima a despertar a atenção dos investigadores data do início de junho: um mês e meio antes do homicídio de Luís Grilo. Terá sido nessa altura que, na tese da investigação, o primeiro rasto foi deixado pelos arguidos, quando Rosa e António terão viajado até Avis, no distrito de Portalegre. É nesta zona, em Benavila, que os tios de Rosa Grilo têm uma casa e os pais têm uma segunda habitação. Foi também ali, a cerca de 20 quilómetros, que viria a ser encontrado o corpo de Luís Grilo. Nesse fim de semana, triatleta encontrava-se em Rio Maior, a frequentar um estágio num centro de treinos — longe de saber que, enquanto o fazia, na tese da acusação, a mulher e o amante andariam à procura de um lugar para depositar o seu cadáver.
Foi pelo menos esta a conclusão a que chegou a PJ, depois de analisar as localizações celulares dos telemóveis de Rosa Grilo e António Joaquim. Entre as 15h32 e as 15h45 de sábado, dia 2 de junho, não só os telemóveis de ambos acionaram antenas ao longo do caminho que habitualmente Rosa e Luís usavam para se deslocar a Benavila, como acionaram antenas que abrangem o local onde o cadáver foi deixado. Mais: durante esse fim de semana, com Luís Grilo ausente, o telemóvel de António Joaquim acionou células na zona da casa de Rosa Grilo, levando a PJ a crer que o arguido dormiu na casa do triatleta de sexta para sábado e de sábado para domingo.
À juíza, Rosa Grilo e o amante afastaram esta ideia. Admitiram que, de facto, estiveram em Benavila no dia 2 de junho, mas para que António Joaquim pudesse ficar a conhecer a terra natal de Rosa Grilo. A PJ considera estranho que, tendo uma relação amorosa já desde 2015, só em junho de 2018 a arguida o tenha levado à sua terra. A investigação questiona ainda a decisão de se deslocarem a uma localidade tão pequena como Benavila, tendo em conta que tinham um relacionamento extraconjugal e que Rosa Grilo podia ser detetada com o amante pelos seus tios paternos que ali viviam. Se o objetivo foi esse ou não, certo é que o corpo de Luís Grilo viria a ser encontrado, três meses depois, a 20 quilómetros de Benavila.
O telemóvel do triatleta acionou uma antena pela última vez às 12h36 de dia 15, ainda antes de o filho do casal ter sido deixado na Costa da Caparica, mas a irmã de Luís Grilo conta que também ele lhe foi entregar o filho, com a mulher. Não se sabe, por isso, se o facto de não ter acionado mais antenas significa que foi desligado logo depois. A PJ situa a hora da morte de Luís Grilo entre o “período compreendido entre as 19h42 do dia 15 de julho de 2018 e as 9h00 do dia seguinte“, lê-se na acusação do MP. Essa estimativa explica que os investigadores tenham analisado minuciosamente as localizações celulares dos telemóveis dos suspeitos e da vítima — ou a ausência delas. A análise concluiu que, durante o período aproximado em que o triatleta terá sido assassinado, os telemóveis de Rosa Grilo e António Joaquim não acionaram quaisquer antenas.
Triatleta assassinado. A relação secreta que acabou em crime
Comecemos pelo dia 15 de julho, no qual os telemóveis de Luís Grilo e da mulher acionam antenas na zona da casa da família por volta das 12h11. Os vários registos ao longo desse dia comprovam a versão de Rosa Grilo e de outras testemunhas inquiridas: o casal saiu de casa de manhã, almoçou com o filho na zona de Alcochete e depois levou-o até à Costa da Caparica, onde a tia estava hospedada num parque de campismo. Entregaram a criança à irmã do triatleta por volta das 16h00 da tarde daquele domingo e ficaram com Júlia Grilo durante apenas cerca de 15 minutos — esta terá sido a última vez que Luís Grilo foi visto com vida por alguém que não a mulher e o amante, de acordo com a investigação.
Ao mesmo tempo, durante todo esse dia, o telemóvel de António Joaquim foi acionando células na zona da sua casa. O próprio admitiu que estava com os filhos nesse domingo, dia 15, e que os entregou à ex-mulher no final do dia — já que iam passar a semana com ela.
Depois de entregarem o filho, Luís Grilo e a mulher terão voltado para casa. É lá que o telemóvel de Rosa Grilo aciona uma antena por volta das 19h42 — depois, não aciona qualquer outra. Já a última localização celular de António Joaquim é na sua casa, em Alverca do Ribatejo, às 19h39 desse domingo. Existiu quase uma sintonia entre os suspeitos, uma vez que as últimas antenas acionadas pelos aparelhos de ambos, embora em locais diferentes, têm três minutos de diferença. A PJ acredita que foi a esta hora que os dois desligaram os telemóveis para cometerem o crime. Já Rosa Grilo garante que os telemóveis dela e do marido estiveram sempre ligados durante o dia 15 e 16. António Joaquim diz o mesmo.
A PJ acredita também que só os voltariam a ligar na manhã seguinte, com pouco mais de uma hora de diferença entre um e outro: o telemóvel de Rosa Grilo aciona uma antena às 10h42 de dia 16 de julho, na sua casa, e o de António Joaquim às 9h3o desse dia, na sua casa em Alverca do Ribatejo. A esta hora, já o crime teria sido cometido, na tese do MP.
A investigação conseguiu apurar que o arguido chegou ao seu local de trabalho, no Campus da Justiça, em Lisboa, às 9h55 e que se ligou ao sistema informático às 10h02. Uma testemunha contou à PJ que se recorda de o seu colega de trabalho ter chegado atrasado nesse dia, mas não se lembra da justificação que deu para o atraso. Adianta, porém, que, por norma, António Joaquim era um funcionário muito assíduo, mas pouco pontual — pelo que não estranhou o atraso.
Ao longo do dia a seguir ao homicídio, o telemóvel de Rosa Grilo foi acionando antenas que correspondem à zona da casa da família, mas às 13h57 aciona uma em Alverca Norte — fora da sua residência, mas dentro da de António Joaquim. Por volta dessa hora, a PJ registou um levantamento bancário de 60 euros, feito pela arguida, no Pingo Doce de Alverca.
Para explicar este levantamento, Rosa Grilo explica que, quando os angolanos viram que os diamantes não se encontravam na casa, obrigaram-na a ir à casa dos tios, em Benavila, para os procurar lá. Como não encontraram, os sequestradores decidiram parar, no regresso, junto ao Pingo Doce para falar sobre a hipótese de irem à empresa de Luís Grilo procurar os diamantes. Rosa terá dito que era expectável que estivessem lá os funcionários e, por isso, acabaram por desistir da ideia. No entanto, terão passado duas conhecidas da arguida e os angolanos sugeriram-lhe que entrasse no supermercado, levantasse dinheiro e falasse com as mulheres, para que estas não suspeitassem. Assim o fez — o que leva a PJ a questionar o porquê de Rosa não ter aproveitado para pedir ajuda.
Já o telemóvel de Luís Grilo também só voltou a acionar antenas no dia seguinte, 16 de julho, sempre na zona da sua casa, entre as 10h24 e as 16h00. Às 19h25, uma amiga ter-lhe-á tentado ligar: estava ligado, mas não atendeu, de acordo com documentação a que o Observador teve acesso. É que, depois das 18h07 e até às 16h45 do dia seguinte, dia 17, o telemóvel de Luís Grilo passou a acionar células que iam alternando entre Carregado Guizandeira e Aveiras Sul — antenas que correspondem às zonas onde o telemóvel viria depois a ser encontrado.
No dia 18 de julho, quando Rosa Grilo já tinha participado o desaparecimento do marido às autoridades e estavam a ser levadas a cabo buscas para o encontrar, a GNR foi chamada à Rua Principal, em Casais da Marmeleira, Alenquer: um agricultor tinha encontrado um telemóvel. Era o de Luís Grilo e foi encontrado às 14h45 de 18 de julho. Mas antes, entre as 8h49 e as 9h59 dessa manhã, o telemóvel de Rosa Grilo acionou antenas também naquele local. Uma testemunha que participava nas buscas contou à PJ que, nessa manhã, Rosa Grilo lhe sugeriu que fosse continuar as buscas para a zona onde o aparelho viria a ser mais tarde encontrado, alegando que ali já estavam a fazer buscas com os cães pisteiros. Segundo a investigação, o seu objetivo era que o telemóvel fosse encontrado, para credibilizar a tese de que Luís Grilo tinha passado naquele local e perdido o telemóvel — mantendo afastada a ideia de um crime.
A arguida contou à PJ que, durante as horas da manhã de dia 16 em que os angolanos estiveram na sua casa, o telemóvel do marido esteve o tempo todo na posse de um dos indivíduos — que também mexeu no aparelho — e que não sabe que destino lhe deram. Já o seu esteve sempre na sua posse — o que leva a PJ a questionar: se Rosa Grilo foi obrigada a ir com os angolanos, por volta das 8h00, à segunda habitação dos pais, em Benavila, em busca dos diamantes, como é que não foi acionada em momento algum qualquer antena naquela zona?
As mensagens trocadas (e as apagadas)
Rosa e António tinham dezenas de mensagens trocadas, que foram apagadas com recurso a uma app
Foi a partir da análise dos contactos telefónicos efetuados por Rosa Grilo que a PJ chegou a António Joaquim. Isto porque, através das faturas detalhadas, foi possível apurar que, entre 1 de julho e 24 de agosto, Rosa estabeleceu 931 contactos com outro número — que não era o do marido nem estava na lista de contactos dele. O avultado número de contactos levou a PJ a querer saber de quem era este número. E era o de António Joaquim.
Só entre os dias 15 e 16, há mais de uma centena de mensagens trocadas. No dia 15 de julho, pouco antes da hora em que a investigação acredita que os suspeitos combinaram desligar os telemóveis, Rosa Grilo trocou, entre as 19h02 e as 19h05 — em cerca de três minutos –, 22 mensagens escritas com o amante. Segundo documentação a que o Observador teve acesso, na manhã a seguir ao homicídio, entre as 11h27 e as 12h13, trocaram 34 mensagens. Entre as 12h44 e as 12h45, há registo de mais 16 mensagens. Entre as 13h04 e as 13h05, outras seis. E entre as 17h48 e as 18h06, 14 mensagens.
Quando a PJ apreendeu o telemóvel, porém, essas mensagens não estavam lá. Depois de realizada a perícia ao telemóvel de Rosa Grilo, concluiu-se que não só não havia registo de qualquer contacto telefónico trocado com António Joaquim, como não tinha sequer o seu contacto na lista de contactos e nem o seu perfil no WhatsApp. A PJ acredita que estes registos foram apagados porque Rosa sabia que a qualquer momento os investigadores poderiam aceder ao seu telemóvel — o que, em vez de diminuir as suspeitas, só as fez aumentar.
O mesmo aconteceu com a perícia ao telemóvel de António Joaquim: não havia nem uma destas mensagens. Mas a PJ encontrou, instalada no seu telemóvel, uma aplicação que permite a eliminação de informação temporária, de histórico das aplicações e registos de chamadas e mensagens — um elemento que lhes deu a quase certeza de que as mensagens foram eliminadas de forma concertada entre os dois. Especialmente porque terá escapado uma: uma mensagem gravada no telemóvel de Rosa Grilo, do dia 12 de julho, às 16h38, enviada a partir do telemóvel do filho de António Joaquim, na qual podia ler-se: “Não te esqueças de apagar a conversa”. Quando a PJ verificou os telemóveis, só havia mensagens trocadas já depois de 23 de setembro — mas não tem dúvidas de que existiram centenas de contactos anteriores entre os dois.
Na tese de Rosa Grilo, os angolanos terão chegado a sua casa antes das 8h00 e saído, com o corpo de Luís Grilo, por volta das 15hoo. A suspeita sempre admitiu que, durante este período, esteve na posse do seu telemóvel, mas diz nunca o usou por receio de ser apanhada. O problema para esta versão é que, só entre as 11h27 e as 13h05, há perto de 70 mensagens trocadas com António Joaquim. Às 12h26, Rosa também trocou mensagens com a empregada da empresa de informática do marido, a dizer que estava em casa e que devia ligar-lhe caso surgisse algum problema. Na mesma mensagem, adianta que Luís Grilo teria ido visitar um cliente. Estas mensagens não só provam que Rosa Grilo usou o telemóvel, como levantam uma questão: se trocou tantas mensagens com o amante e com a empregada enquanto, alegadamente, estava sequestrada com o marido, porque é que nunca pediu ajuda?
Segundo declarações prestadas pela empregada, pouco depois de ter recebido a mensagem de Rosa Grilo, surgiu um problema técnico, tendo resolvido ligar para Luís Grilo — que não atendeu. Depois, ligou para Rosa, que lhe disse que ia ela própria tratar do assunto. Às 16h52, a arguida voltou a enviar-lhe uma mensagem a dizer-lhe que, no dia seguinte, o marido a ia acompanhar ao hospital e que não iria estar no trabalho. A esta hora, já Rosa não estaria sequestrada e o triatleta já teria sido assassinado pelos angolanos. Na sua tese, a arguida foi obrigada por eles a fingir que o seu marido estava desaparecido — daí a última mensagem para a empregada.
Mas houve um conjunto de mensagens que levou a PJ a acreditar que Rosa Grilo, na posse do telemóvel do marido, se fez passar por ele para não levantar suspeitas quanto ao homicídio. Às 13h37, de dia 16 de julho, um amigo de Luís Grilo recebeu uma mensagem de parabéns no WhatsApp, enviada do telemóvel da vítima: “Parabéns Mano Pá”. O aniversariante admitiu à PJ que estranhou a mensagem porque Luís não costumava utilizar a expressão “pá”.
Mais tarde, nesse dia, do telemóvel de Luís Grilo saiu outra mensagem para um grupo de WhatsApp com quatro amigos para marcar um jantar não só para celebrar o aniversário, mas também para comemorarem o facto de ter participado na prova Ironman, na Alemanha. Luís Grilo terá dito que não podia jantar na terça-feira, uma vez que tinha que acompanhar a mulher a uma consulta médica — razão pela qual não ia trabalhar na segunda-feira: para dar apoio à família.
A investigação defende que Rosa Grilo, depois de o matar, ficou na posse do telemóvel do marido e que com ele comunicou com os amigos. O MP acredita que estas mensagens demonstram que a arguida criou, de modo premeditado, uma história para justificar o desaparecimento do seu marido e que o objetivo era iludir as autoridades quanto às circunstâncias e hora da sua morte.
Já segundo a versão de Rosa Grilo, o telemóvel do triatleta esteve sempre com um dos alegados sequestradores angolanos, o que levanta a questão: como poderiam os angolanos saber que o amigo de Luís Grilo fazia anos? Ou, mesmo que tivesse sido o triatleta a enviar as mensagens, porque não pediu ajuda?
O edredão, o saco e a corda de sisal
O edredão onde o cadáver terá sido transportado era de Rosa Grilo e o seu ADN estava no saco de plástico
O corpo de Luís Grilo foi encontrado no dia 24 de agosto de 2018 — cerca de um mês e meio depois de alegadamente ter desaparecido. O caso era agora um homicídio e o plano de Rosa Grilo — que, na tese da investigação, seria manter o alegado desaparecimento — foi por água abaixo. Especialmente quando, quatro dias depois, não muito longo do local onde o cadáver tinha sido depositado, foi encontrado um edredão, dobrado sobre si, que continha entre estas dobras uma porção de corda de sisal, com vários nós, e com uma enorme quantidade de vestígios de sangue. Por baixo destes objetos, foram recuperados pedaços de um saco de plástico de cor preta com várias manchas de sangue e com o ADN de Rosa Grilo.
O tapete, o saco e os mistérios do assassinato de Luís Grilo, o homem sem inimigos
A suspeita foi imediata: tudo indicava que aqueles objetos tivessem servido para embrulhar e amarrar o corpo de Luís Grilo. Até porque aquele saco de plástico tinha características idênticas aos que foram utilizados para embrulhar a cabeça e a perna direita do triatleta. Uma perícia realizada no Setor de Biologia do Laboratório de Polícia Científica da PJ viria a confirmá-las: o ADN era de Luís Grilo, não restando quaisquer dúvidas de que tinham sido utilizados para transportar o corpo entre o local do homicídio e o local onde veio a ser encontrado.
E não foi o único ADN que a polícia encontrou: o perfil genético de Rosa Grilo também correspondeu ao que foi encontrado no saco de plástico que envolvia o edredão usado para transportar o cadáver. “A substância genética estava junto do nó dado ao saco de plástico, ou seja, foi a Rosa Grilo que apertou o nó do saco preto onde no seu interior estava o cadáver de Luís Grilo”, lê-se na documentação a que o Observador teve acesso.
A arguida tem, no entanto, uma justificação. Já depois de os angolanos terem assassinado o marido, pediram-lhe que fosse buscar roupa e sacos. Rosa Grilo conta que assim o fez: foi buscar sacos de cor roxa e preta à casa de banho, lençóis e toalhas de banho e entregou-os aos angolanos — o que justifica que o seu ADN tenha sido encontrado. Estes terão usado os objetos para enrolar o cadáver de Luís Grilo e levaram-no para o carro, tendo saído pela porta da frente.
Interrogada pela PJ a 26 de setembro, Rosa Grilo admitiu que o edredão — em tons de azul, branco e vermelho — era seu, mas que já não estava na sua casa desde o inverno. Nessa altura, diz, levou-o para Benavila, para casa dos seus tios — que dizem, por sua vez, que nunca ali tinham visto o edredão. A PJ confrontou o filho de Rosa Grilo com imagens do edredão e a criança disse recordar-se de o ter visto no quarto onde o pai dormia, em cima da cama. E que lá estaria há cerca de cinco anos. Já a empregada do casal diz que durante o período em que trabalhou na casa não se recorda de ter visto o edredão — permanecendo a dúvida.
Nas buscas realizadas a 26 de setembro, poucas horas antes de Rosa Grilo e António Joaquim terem sido detidos, foram encontrados na garagem da casa da família um saco de plástico de cor preta e dois fragmentos de corda em sisal, segundo documentação a que o Observador teve acesso
As viagens e a mudança de rotina
Férias marcadas antes do alegado homicídio e as visitas de António Joaquim
Rosa Grilo e António Joaquim terão planeado viagens juntos momentos antes de, segundo a investigação, porem em marcha o plano para matar o triatleta. Terão também começado a passar mais tempo juntos — o que, para a PJ, prova que, de uma forma ou de outra, os suspeitos sempre souberam que Luís Grilo estava morto e não desaparecido.
No dia 14 de julho, um dia antes do alegado homicídio, António Joaquim comprou, pelas 20h13, dois bilhetes para o Festival Vilar de Mouros, em Caminha, no distrito de Viana de Castelo — onde efetivamente acabaram por ir, no fim de semana de 23 e 24 de agosto. Pelas 10h47 do dia em que Luís Grilo terá sido assassinado, há também registo de uma reserva de um T0 no Parque de Campismo da Ilha do Pessegueiro, em Porto Covo, feita por António Joaquim. A investigação conseguiu apurar que os dois suspeitos deslocaram-se a Porto Covo em, pelo menos, dois fins de semana: 27 e 29 de julho e 11 e 12 de agosto — nos dois casos, depois do homicídio e antes de o corpo ter sido encontrado, mantendo-se a tese do desaparecimento. Para o MP, estas reservas só poderiam acontecer se António Joaquim tivesse a certeza de que Rosa Grilo estaria disponível para o acompanhar. “Tinha a perfeita noção de que Luís Grilo não seria um empecilho dos planos do casal“, lê-se em documentos a que o Observador teve acesso.
Além das três viagens de fim de semana, António Joaquim passou a deslocar-se a casa de Rosa Grilo, aos finais de tarde e inícios de noite, depois de Luís Grilo ter sido dado como desaparecido — tendo mesmo passado lá algumas noites. Estas conclusões foram retiradas a partir da localização celular dos suspeitos, de algumas mensagens trocadas em que combinavam encontros — que, mesmo depois de apagadas, a PJ conseguiu recuperar —, de chamadas intercetadas e do testemunho de vizinhos que se aperceberam da presença usual de um homem na casa de Rosa Grilo — que identificaram, já depois de este ter sido detido, nas fotografias que foram divulgadas pelos meios de comunicação.
Para a PJ, as viagens e as visitas provam que ambos sabiam que Luís Grilo estava morto — quer tivesse sido assassinado por eles ou por angolanos. Caso contrário, quando ainda se desconhecia o paradeiro de Luís Grilo, era de se admitir que ele poderia aparecer a qualquer momento.
Os seguros de vida
Luís Grilo tinha seguros de vida no valor de meio milhão de euros. A maioria feita um mês antes de morrer
À data do homicídio, Luís Grilo era titular de quase uma dezena de seguros. Em caso de morte ou acidente, garantiria aos herdeiros legais — Rosa Grilo e o filho — prémios num valor que ultrapassaria os 500 mil euros. Dos nove seguros que constam de documentação a que o Observador teve acesso, seis deles começaram a vigorar nos meses de junho e julho de 2018 — o triatleta foi assassinado, na tese da investigação, em julho desse ano.
É certo que em dois dos seguros — um no valor de 167.196,15 euros e outro no valor de 55.851,35 euros — o beneficiário era o Millennium BCP. Isto porque serviriam para saldar algumas dívidas que o casal tinha. Ainda assim, caso o dinheiro do seguro fosse superior à dívida, o que sobrasse seria pago aos herdeiros legais: Rosa Grilo e o filho.
O facto de Rosa Grilo, até então sustentada pelo marido, passar a ter uma situação económica abastada, com a herança, foi, na tese da investigação, o móbil do crime. Segundo algumas testemunhas, Luís Grilo teria chegado a referir a colegas de treino, em brincadeira, que, se lhe acontecesse alguma coisa, a Rosa ficaria bem na vida.
Rosa Grilo diz desconhecer o valor das apólices de seguro do marido e que as mesmas lhe trariam benefícios financeiros — embora nos documentos conste a sua assinatura. A arguida diz ainda que não tinha qualquer vantagem em ficar com a empresa do marido, uma vez que, sem ele, não sabia fazer nada.
As duas testemunhas que corroboram a tese dos angolanos
As provas do MP contra Rosa Grilo e António Joaquim são muitas, mas os arguidos negam qualquer envolvimento no crime e a mulher do triatleta têm uma versão completamente diferente da morte de Luís Grilo. E apesar de todas as contradições e pontas soltas, há duas testemunhas que corroboram a tese que apresentaram.
A primeira é um homem que vive em Alcórrego, a localidade no concelho de Avis onde foi encontrado o corpo de Luís Grilo. Explicando que, quase diariamente, percorre a estrada junto à qual foi depositado o cadáver, contou que no mês de julho — embora não consiga indicar ao certo o dia — viu dois carros ali estacionados e quatro homens junto a eles. Foi ao anoitecer e a testemunha garante que os viu no preciso local onde o corpo foi encontrado. Os carros, diz, eram de cor escura e pareceram-lhe de alta gama: um era um ligeiro de passageiros, de grandes dimensões e o outro seria um jeep BMW ou Mercedes. Ao ver ali aquelas pessoas, abrandou o carro. O morador conta que percebeu que os quatro homens olharam na sua direção e que o perseguiram com o olhar até abandonar o local.
Este testemunho foi dado no dia 29 de agosto, antes de Rosa Grilo ter alguma vez falado da versão dos angolanos. Embora a arguida tenha sempre falado de três homens, certo é que também disse que os mesmos tinham carros escuros e de alta gama, tendo mesmo apontado uma das marcas do carro como BMW — a mesma marca que a testemunha aponta.
A outra testemunha é uma amiga de longa data de Luís Grilo que disse à PJ que, durante um almoço, o triatleta terá deixado entender que tinha um problema — que a levou a colocar a hipótese de correr perigo de vida. A mulher terá comentado esta conversa com Rosa Grilo, já depois de o corpo ter aparecido, dizendo que ficou a pensar que Luís Grilo tinha “passado a perna” a alguém que seria seu cliente e que estava associado a Angola. A testemunha disse-lhe que pensou que a morte do triatleta estava relacionada com um ajuste de contas. Admite que não se lembra muito bem da conversa com Luís Grilo, mas recorda-se que lhe perguntou se não tinha medo — ao que o triatleta terá respondido que nem a Rosa, a mulher, sabia do que se passava, desdramatizando depois o assunto e mudando de conversa.
É entre as duas versões que o tribunal começa a trabalhar esta terça-feira: Luís Grilo foi morto pela mulher e pelo amante ou vítima de um negócio de diamantes? Se os advogados de defesa não apresentarem questões prévias ou requerimentos, o julgamento deverá arrancar com as declarações dos arguidos. Ou, pelo menos, com as declarações de António Joaquim, que vai responder aos juízes, como anunciou o seu advogado, Ricardo Vieira, após a audiência de seleção dos jurados. Até agora, a defesa de Rosa Grilo não revelou se a arguida vai fazer o mesmo.