O socialista Ascenso Simões tem sido uma voz crítica de alguns momentos do Governo do seu partido e agora pede mesmo a António Costa uma remodelação ampla, que possa avançar este ano. Mas antes disso avisa o partido que tem de estar preparado para a saída precoce do primeiro-ministro, para presidente do Conselho Europeu, dizendo mesmo que Costa não está “amarrado ao país eternamente”.
Sobre o futuro para lá do costismo, Ascenso Simões não tem dúvidas de quem será o líder, embora também diga que se houver eleições antecipadas em 2024 — ano em que se abre o próximo ciclo político europeu — Pedro Nuno Santos pode não estar preparado para ser o candidato do PS a primeiro-ministro. No programa Vichyssoise, o socialista que esta semana lançou Leonor Beleza para as eleições presidenciais diz que votaria na antiga ministra do PSD e considera que nem Augusto Santos Silva nem Ana Gomes passariam dos 20%.
[Ouça aqui a Vichyssoise desta semana na íntegra:]
Com as saídas dos últimos meses, considera que o Governo está fragilizado?
Sim, esta saídas criaram, como disse o primeiro-ministro, uma situação de instabilidade dentro do próprio Governo. Não vale a pena dourarmos a pílula quando se trata de questões que todo o cidadão português, desde o professor universitário ao engraxador, entendem. O primeiro ano do Governo foi difícil do ponto de vista da organização interna do Governo, da definição das políticas, dos acertos da mensagem, da notação clara de um cansaço em algumas áreas do Governo e isso resultou na necessidade de uma primeira remodelação que terá de ser necessariamente seguida de uma outra remodelação talvez na primavera ou antes ou depois do Orçamento. Temos um Governo a três velocidades e esse é que o problema principal.
Essa remodelação que propõe será em que ministérios?
Terá de ser feita uma remodelação de metade do Governo. Temos problemas na Defesa, nos Assuntos Externos, até de redefinição das áreas de intervenção e da tutela do próprio ministro. Temos problemas gravíssimos na Justiça, que é preciso atalhar. Os portugueses vão quatro, cinco, seis vezes aos tribunais para tratarem de um assunto e batem sempre numa greve ou vão às conservatórias e batem com o nariz em filas intermináveis. Temos uma área na Justiça que está a andar bem, que é a da desburocratização, mas temos nas políticas de justiça uma fragilidade imensa que é preciso corrigir.
Já disse três ministérios, há mais?
Temos um problema na Educação. Quando houve as grandes manifestações contra a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, eu era membro do Governo e também do secretariado nacional do PS. E afirmei, numa reunião da Comissão Política do PS, que o caminho que estávamos a seguir era um caminho muito difícil e que ia colocar uma franja muito significativa do que eram os líderes do movimento socialista social-democrata no PS, que eram os professores, que sempre estruturaram as bases do PS, os elementos que permitiam as alternativas locais e podíamos perder esses professores. Já perdemos muitos e estamos neste momento a fazer um caminho que pode ser um caminho sem retorno.
Esse cálculo eleitoral é mais importante do que as políticas que têm de ser feitas?
Não é um problema de cálculo eleitoral, uma coisa leva à outra. Quando percebemos que o partido está a perder a sua base de apoio é porque as políticas são erradas. É porque o PS não está a cumprir o que se exige dele e nas questões da Educação neste momento temos um problema de incapacidade para corrigir aquilo que são elementos centrais da nossa política educativa.
Há quem faça paralelismos com o Governo de Santana Lopes…
Isso não tem nada a ver porque há, desde logo, uma diferença: os jornalistas andam todos à volta dos ministros, mas sabem perfeitamente que o Governo tem um comando. De quando em vez o comando está cansado, mas logo no momento a seguir coloca-se entre dois ministros e apresenta um plano, um programa, uma ambição para a habitação.
É um Governo que só vive do primeiro-ministro?
Não, é um Governo que vive dos ministros que sabem ser ministros. Por exemplo, o primeiro-ministro tem uma ministra da Presidência que é um sustentáculo, depois tem um ministro da Administração Interna que se revelou um grande ministro, tem a ministra dos Assuntos Parlamentares que, com moderação e distanciamento — até porque estamos em maioria absoluta — tem feito o seu caminho na relação entre o Governo e o Parlamento. Tem um ministro da Cultura que é uma agradável surpresa até na forma como trata alguns dos temas que me dizem muito, como por exemplo os temas da descolonização e da nossa relação com os impérios. Temos a questão da Saúde, com o ministro da Saúde nas sondagens a ser, anormalmente, o mais apreciado dos governantes. E apesar dos ataques todos, a política do Ambiente, na perspetiva da energia e da política da água afirmada pelo Duarte Cordeiro tem vindo a revelar-se positiva. Forma um núcleo de apreciação positivo no contexto do desempenho governativo. Não é um problema em que o primeiro-ministro leva tudo à frente. Ele coordena e os ministros também têm de fazer pela vida. Não podem ficar com medo que o primeiro-ministro lhes berre. Não podemos é estar numa situação em que as fragilidades são tantas que nos levem a termos um Ministério da Agricultura que é a desgraça completa. Não podemos ter um Ministério que não tenha em permanência um observatório de preços, isso acontecia no passado. O que aconteceu para ter desaparecido?
Com todas essas fragilidades que está a apontar — e também essa na Agricultura — acha que Marcelo Rebelo de Sousa pode estar preparado para usar a bomba atómica?
O Presidente é um professor de Direito Constitucional e sabe qual é a circunstância em que se pode dissolver o Parlamento e convocar em eleições. Não estamos numa situação em que as instituições estejam em crise, em que a maioria parlamentar esteja em crise, em que o Governo esteja em crise, em que o líder do Governo esteja em crise.
Mas pode haver um ciclo até às Europeias. Essas eleições vão ser mais decisivas para quem?
Esse ciclo até às Europeias é muito exigente para o primeiro-ministro e para o Governo numa perspetiva tripla. Se ele quer ser presidente do Conselho Europeu, deve ser. Já deu ao país, nessa altura, praticamente oito anos de atividade política, não podemos agora amarrá-lo ao país eternamente.
Também já disse que ou era isso ou ele ser presidente da Gulbenkian.
Ser presidente da Gulbenkian é o aproveitamento de uma personalidade ímpar que neste momento, na atividade política, tem um lugar especial.
É esse o caminho que vê para António Costa?
Nós dentro do PS, no país, não podemos impedir que o primeiro-ministro possa ser presidente do Conselho Europeu. E nessa circunstância todos sabemos que haverá eleições. Mas também é importante que este tempo que vai até às Europeias seja um bom tempo, numa perspetiva em que o primeiro-ministro não seja presidente do Conselho Europeu e tenha de fazer mais dois anos de primeiro-ministro. Porque ninguém quer sair do Governo pela porta pequena e António Costa não pode sair da vida política ou do Governo pela porta pequena. Não pode sair numa perspetiva em que pura e simplesmente queira sair, não pode ter uma segunda parte deste mandato em que queira continuar a ser primeiro-ministro, ou mesmo — apesar de insistentemente recusar ser Presidente da República — na possibilidade de ser candidato a Presidente da República. Este tempo, este ano, tem de correr bem ao Governo e o primeiro-ministro tem de fazer uma alteração da forma de governar em algumas área do Governo.
Falando de parte do Governo que já foram alteradas… é inevitável que Pedro Nuno Santos seja o próximo líder do PS?
Depende muito das circunstâncias. Ser líder do PS, acho que sim. Mas ser candidato a primeiro-ministro, depende das circunstâncias. Por exemplo, se António Costa sair em 2024, é muito possível — até provável — que o PS escolha para candidato a primeiro-ministro um outro quadro que não seja já Pedro Nuno Santos. Teríamos uma espécie de eleição para secretário-geral que não seria uma eleição para primeiro-ministro. É uma realidade que esta questão da TAP deixou uma marca, que precisamos de tempo para que se resolva em termos de opinião pública… O PS está à espera de que o Pedro Nuno Santos seja o próximo secretário-geral. Não vale a pena andarmos a inventar cenários, outras alternativas e outras personalidades. O que está escrito nas estrelas tem de ser cumprido. O que lhe compete é desempenhar as funções no sentido de levar o PS ao Governo, ou continuar no Governo, e estruturar o partido menos agarrado ao poder.
Mas até 2024 Pedro Nuno Santos não consegue tirar este peso que tem nos ombros?
Escrevi um artigo no Público contrário à reentrada do Estado no capital da TAP e depois à participação do Estado no capital completo da TAP e à entrada de dinheiro fresco com valores astronómicos. Relativamente à TAP tenho uma discordância de princípio logo desde o início do governo da geringonça. Entramos na TAP fruto da geringonça, mas também de uma certa elite lisboeta que acha que ter uma empresa de bandeira independentemente do preço deve ser uma coisa do Estado. Nós já fomos um país no mundo e às vezes esquecemo-nos de olhar para o mundo. Não temos nenhuma condição de manter a TAP nas circunstâncias em que até hoje a tivemos.
Mas a questão que queima mais Pedro Nuno Santos não tem a ver com isso.
Neste momento temos uma situação que depende da comissão de inquérito. Conheço Pedro Nuno, sei das suas capacidades — numa entrevista em 2017 eu dizia que o próximo candidato a secretário-geral seria ele e toda a gente ficou admirada como alguém da ala direita do PS apoiava Pedro Nuno. Não se trata disso: somos todos do PS. Pedro Nuno é neste momento a personalidade que está em melhores condições para ser líder do partido. Vejo difícil que, até 2024, se António Costa for escolhido para presidente do Conselho Europeu, o PS entenda que [Pedro Nuno Santos] pode ser candidato a primeiro-ministro. Uma coisa é ganhar o partido, outra é ganhar o país e não voltar aos resultados de 1985. Temos de ter essa história na cabeça.
Sugeriu esta quinta-feira, num artigo de opinião publicado no Expresso, que Leonor Beleza teria todas as condições para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa nas Presidenciais. Votaria nela?
Claro que votava. Com exceção de uma candidatura de António Costa, por razões pessoais e de amizade, não deixarei de fazer as minhas críticas, mas tenho um dever de lealdade com ele. Não vejo na esquerda portuguesa ninguém com condições para no espaço moderado poder suceder a Marcelo Rebelo de Sousa.
Nem Augusto Santos Silva nem Carlos César?
Carlos César já disse muitas vezes que não era candidato, tem vindo a afirmar-se como uma reserva do PS, acho que lhe fica bem essa reserva. Tive muitas divergências, mas tenho com ele uma profunda amizade. Os candidatos que têm vindo a ser sondados são o Presidente da Assembleia da República e a embaixadora Ana Gomes. Nenhum dos dois terá um resultado superior a 21%. São candidaturas que não correspondem ao que o eleitorado moderado do PS quer num Presidente da República. Infelizmente, porque eu gostaria que Santos Silva fizesse um excelente mandato na Assembleia República e ficasse recordado como Almeida Santos ou Jaime Gama, ele não quer apostar na função de presidente da AR e deixa-nos naquela sensação de que o seu objetivo é ser candidato presidencial. Ora a candidatura presidencial a seguir a Marcelo tem de ter uma dimensão de empatia e compaixão, características que Santos Silva, por razões de alguma timidez, não consegue transmitir. Ana Gomes tem uma prática política que não corresponde a três quintos, quatro quintos do eleitorado do PS.
Passamos ao segmento Carne ou Peixe, onde tem de escolher uma de duas opções:
Quem convidada para uma feijoada à transmontana num roteiro presidencial: Carlos César ou Augusto Santos Silva?
Carlos César.
Vamos imaginar: o PS vai a votos e tem de ter uma líder mulher. Em quem votava: Mariana Vieira da Silva ou Ana Catarina Mendes?
Ana Catarina Mendes.
Preferia ser ministro do Ambiente e Energia num Governo liderado por Pedro Nuno Santos ou Fernando Medina?
Não seria ministro de coisa nenhuma, o meu tempo de política ativa terminou.
A quem compraria um relógio em segunda mão: Marcelo Rebelo de Sousa ou André Ventura?
A Marcelo compraria tudo. É uma pessoa profundamente séria e isso basta.
Fez quase o pleno, só não quis responder se preferia Pedro Nuno ou Medina…
Não, não. Eu tenho uma admiração imensa e sou amigo de Fernando Medina, mas o que o país lhe está a fazer é uma coisa insuportável. Ele é um grande ministro e consegue fazer boas políticas e uma parte muito significativa dos comentadores elegeu-o como inimigo principal.
Mas qual preferia ver como primeiro-ministro?
Quero sempre que seja o secretário-geral do meu partido, por isso já respondi.