Não façam comparações com os Estados Unidos e com as posições com a Fed pediu Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), enquanto se escusava a reafirmar ser improvável subidas das taxas diretoras para a Zona Euro em 2022. A Fed já sinalizou que pode haver uma subida de juros já em março e o Banco de Inglaterra já elevou os juros em duas reuniões consecutivas — dezembro e janeiro — fixando-as nos 0,5%. Também em relação ao Reino Unido Lagarde afastou semelhanças, realçando o distanciamento no mercado de trabalho, ainda que recorde que o Reino Unido tem historicamente inflação mais elevada. “No Reino Unido, há muita pressão salarial, há escassez de trabalhadores e — não quero entrar em questões políticas — mas houve muita força laboral não britânica que teve de sair e não foi substituída”, disse numa alusão ao Brexit.

Nas diferenças relativamente aos Estados Unidos, Lagarde assinalou o ambiente económico é distinto, exemplificando com o consumo doméstico que na Europa está nos níveis pré-covid, mas nos Estados Unidos está acima.

Sem comparações, no entanto, a inflação dos dois lados do Atlântico dispararam. Nos Estados Unidos atingiu os 7% em dezembro e na Zona Euro atingiu os 5,1% em janeiro, depois de ter ficado nos 5% em dezembro. O que Christine Lagarde disse que acabou por surpreender o BCE. Essa será a nota mais salienta da conferência de imprensa de Lagarde, pelo menos ao nível do discurso. O BCE não abandona por completo a ideia de que a inflação pode ser temporária, mas já admite que pode ficar num patamar mais elevado mais tempo do que inicialmente apontado. A inflação está elevada, na União Europeia, por causa, essencialmente, dos custos de energia, que também contribuem para a subida de outros produtos, e dos custos da alimentação.

“É provável que a inflação permaneça elevada durante mais tempo do que o anteriormente esperado, mas desça ao longo deste ano”, declarou a presidente do BCE, salientando que “a maioria das medidas da inflação subjacente aumentou durante os últimos meses, embora o papel dos fatores temporários decorrentes da pandemia implique que a persistência destes aumentos permanece incerta”. Incerteza que não permite a Lagarde a deixar certezas e a aguardar por março com dados mais concretos. Mas, “os indicadores baseados no mercado sugerem uma moderação da dinâmica dos preços dos produtos energéticos no decurso de 2022 e as pressões sobre os preços resultantes de estrangulamentos da oferta a nível mundial deverão igualmente diminuir”.

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Os analistas vão apontando para uma possibilidade de o BCE rever em alta a projeção de inflação para este ano de 3,2% (apontada em dezembro).

Projeções do BCE anunciadas em dezembro. Em março, o Banco Central Europeu vai rever estes dados

Face à projeção de inflação para este ano de 3,2% do BCE, o banco Berenberg admite que a taxa possa ser revista pelo BCE para 3,5%, diz numa nota a que o Observador teve acesso. O BCE recuperou uma frase há muito abandonada: “os riscos para as perspetivas de inflação encontram-se enviesados em sentido ascendente, em particular no curto prazo”.

Com alertas sobre a inflação, Lagarde remeteu para março um novo olhar sobre o assunto, assente em dados económicos e nas projeções que o próprio BCE vai comunicar após a reunião de 10 de março. E, ao não fazer uma afirmação taxativa, logo o mercado interpretou: BCE abre portas a subida de juros. No imediato, as taxas de juro nos mercados secundários dos países da região subiram e o euro valorizou face ao dólar. Mas são portas basculantes. Christine Lagarde terminou a conferência a dizer que a inflação não está descontrolada, depois de ter assumido que foi unânime no conselho de governadores a preocupação em torno da inflação.

Uma preocupação que, no entanto, não levou a qualquer mudança no guião do BCE, nem nas taxas (que se mantiveram), nem nos programas de compra de ativos, quer o pandémico (PEPP) quer o regular (APP). As compras ao abrigo do PEPP ficarão terminadas em março deste ano, mas continuar-se-á a reinvestir o dinheiro dos reembolsos até pelo menos ao final de 2024.  Já as aquisições mensais ao abrigo do APP ascenderão a 40 mil milhões de euros no segundo trimestre de 2022, descendo para 30 mil milhões de euros no terceiro trimestre. A partir de outubro o ritmo mensal passa para 20 mil milhões de euros, “enquanto for necessário, para reforçar o impacto acomodatício das taxas de juro diretoras do BCE”.

Na conferência de imprensa, Lagarde salientou que o BCE vai seguir o caminho já previsto. “Vamos olhar primeiro para a compra de ativos, gradualmente, e para os dados e depois olhar para as taxas de juro”. Mas, “não estamos ainda lá” e somos “muito fiéis à nossa sequência. Terminamos em março o PEPP, depois olhamos para o APP”, e, por isso, clamou: “Não assumam muito sobre o imediatismo da subida das taxas. Não seremos complacentes, mas não tomaremos decisões precipitadas. Seguiremos a sequência”.

Mas os analistas já veem falcões a sobrevoar o BCE — o falcão é utilizado para expressar uma postura na política monetária mais agressiva e não tão acomodatícia (que é expressa pelas pombas). O BCE tem tido uma postura acomodatícia. Mas agora a porta basculou para um futuro mais agressivo.

Lagarde confirmou o caminho acordado em dezembro, embora não tenha descartado a possibilidade de um aumento das taxas em 2022, uma vez terminadas as compras líquidas de ativos”, realçou o BPI, numa nota aos clientes.

Também o Berenberg lê nas palavras de Lagarde que o BCE já não está a afastar a possibilidade das taxas subirem este ano, embora “a barreira para que o BCE aumente as taxas este ano continue alta”. Ainda assim, este banco aponta para uma subida de 25 pontos base nas taxas do BCE em março de 2023 (anteriormente a previsão era em junho de 2023), seguindo-se duas descidas adicionais em junho e dezembro desse ano, e mais duas em 2024. E prevê que a compra de ativos termine no início de 2023. Ainda assim, acrescenta, “um movimento nas taxas no final de 2022 e uma aceleração na retirada de estímulos do que a anunciada em dezembro é agora, pelo menos, uma opção”.

E o ING diz mesmo que “a porta para uma subida de taxas está lagarmente aberta”, salientando que, embora ninguém verdadeiramente esperasse que o BCE tomasse qualquer decisão na reunião desta quinta-feira, o encontro marca, no entanto, “uma importante mudança para uma política mais agressiva” para conter a inflação.

As projeções de março vão ditar o rumo, não apenas para as taxas de curto prazo, mas também para o que acontecer no médio prazo. O BCE tem um mandato: manter a estabilidade de preços em cerca de 2% (assimétricos) no médio prazo. “Assim que seja necessário e as condições o exijam atuaremos. É o nosso dever e vamos fazê-lo”, não descartando usar as ferramentas e as opções que estão ao seu dispor.