O regresso do estadista, a consolidação de uma estrela em ascensão e a insistência de um político que quer ver as suas ideias vingarem. Nas eleições marcadas para o próximo domingo, a direita radical italiana uniu-se para conseguir chegar ao poder e inverter as políticas do tecnocrata Mario Draghi, que governa Itália há quase dois anos. Tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia e o consequente aumento do custo de vida, este ato eleitoral poderá provocar um abanão na política europeia — e os próprios partidos da coligação da direita admitem que querem expandir o seu projeto político, tendo na mira países como Espanha.
Se a direita está mobilizada numa coligação que junta Silvio Berlusconi, Giorgia Meloni e Matteo Salvini, a esquerda ainda anda à procura de uma aliança estável que lhe permita encontrar um projeto de governação viável. O Partido Democrata (PD), de centro-esquerda, é o que está em melhores condições para enfrentar os adversários, mas tem tido dificuldades em encontrar parceiros: já rejeitou unir-se ao Movimento Cinco Estrelas (M5S) — assumidamente antissistema e que venceu as eleições de 2018 — e os partidos de centro afastaram-se e formaram uma alternativa aos dois espetros políticos.
Apesar de unida, a coligação de direita tem sido criticada por, se vencer, esse resultado levar a uma inevitável radicalização do panorama político italiano. Por exemplo, Giorgia Meloni, líder dos Fratelli d’Italia (Irmãos de Itália, FDI), teve um passado ligado a movimentos neofascistas e chegou a afirmar que o ex-duce Benito Mussolini fora um “bom político”. Os três partidos também poderão enfrentar divergências de fundo em temáticas como a resposta à invasão da Ucrânia e a manutenção de sanções aplicadas à Rússia.
Como funcionam as eleições?
Marcadas para domingo, as eleições gerais servem para eleger os deputados das duas câmaras que compõem o Parlamento italiano — o Senado e a Câmara dos Deputados. Para o primeiro órgão político, serão eleitos 200 membros, enquanto para o segundo 400. Este número de parlamentares é mais reduzido que o das últimas eleições, consequência da alteração introduzida na Constituição após o referendo de 2020, em que os eleitores decidiram reduzir o número de elementos das duas câmaras.
Quase 70% dos italianos votaram, há dois anos, a favor da redução do número de membros no parlamento bicameral. Anteriormente, a Câmara dos Deputados era composta por 630 parlamentares, enquanto o Senado tinha 315. Além disso, a mudança constitucional também estipulou que os jovens entre os 18 e os 25 anos pudessem votar para eleger os senadores — antes disso não o podiam fazer.
Os eleitores que votarem terão de preencher dois boletins de voto: um para elegerem os representantes da Câmara dos Deputados, outro para o Senado, sendo que a escolha num boletim pode não ser no mesmo sentido o voto no outro. A distribuição de parlamentares e senadores segue um sistema misto entre círculos eleitorais uninominais, plurinominais e um círculo que recebe os votos do estrangeiro.
Na Câmara de Deputados, a maioria dos parlamentares (245, ou seja, 61%) é eleita por um círculo eleitoral plurinominal (seguindo-se uma regra de proporcionalidade), enquanto 37% (147) são designados pelo uninominal (em que apenas o candidato mais votado de uma determinada lista é eleito). Já 2% (8) dos deputados advêm do círculo eleitoral do estrangeiro. O Senado segue exatamente a mesma regra: 122 senadores (61%) são eleitos pelo círculo eleitoral plurinominal, 74 (37%) pelo uninominal, enquanto quatro (2%) são nomeados no estrangeiro.
Nos círculos eleitorais plurinominais, existem ainda duas regras: os partidos têm de recolher 3% dos votos para conseguirem entrar no Senado e na Câmara dos Deputados. Se se tratar de uma coligação, é necessário pelo menos 10% dos votos.
Quais são os partidos e coligações?
Nestas eleições, concorrem 14 partidos, alguns em coligações, outros preferindo ir a jogo sozinhos, entre os quais: a coligação de direita (de que fazem parte a Liga Norte, os Irmãos de Itália e a Força Itália), a de esquerda (composta pelo Partido Democrático, os Verdes/Aliança de Esquerda e o Compromisso Cívico) e a de centro (integrada pelo Ação e Itália Viva).
Movimento Cinco Estrelas — sozinho e na mó de baixo
O Movimento Cinco Estrelas, o partido que reuniu mais votos nas eleições de 2018, volta a não aliar-se previamente a nenhuma força política, fazendo jus à sua fama de partido antissistema. Nos últimos quatro anos, foi tentando governar Itália, uma vez que nem a esquerda nem a direita conseguiram a maioria na Câmara dos Deputados e no Senado.
O desfecho acabou por traduzir-se em dois governos instáveis que acabaram por cair. Primeiro, o M5S uniu-se com a Liga Norte, de Matteo Salvini, adotando políticas mais à direita e focadas no tópico das migrações. No entanto, os dois partidos acabaram por se desentender — o que levou ao fim da aliança. Depois, o partido coligou-se com várias forças de esquerda, entre os quais o Partido Democrático, e apostava em medidas viradas para a ecologia.
Este governo acabou também por cair em 2021 e, na sequência da instabilidade política que se gerou — numa altura em que Itália enfrentava ainda as dificuldades resultantes da pandemia de Covid-19 —, o Presidente da República, Sergio Mattarella, decidiu nomear Mario Draghi para o lugar de primeiro-ministro. O M5S acabou por apoiar a decisão e governar com o antigo presidente do Banco Central Europeu — mas, em julho de 2022, retirou-lhe a confiança política, o que levou ao fim do mandato do ex-banqueiro.
Todo este passado instável, depois de uma certa institucionalização que lhe fez perder o brilho de partido antissistema, aliado a uma troca de líder (agora é Giuseppe Conte, substituindo Luigi Di Maio) e à saída de políticos carismáticos, fazem com que o Movimento Cinco Estrelas esteja, atualmente, na mó de baixo, devendo perder votos nestas eleições. As sondagens dão-lhe entre 11 a 15% das intenções de voto, uma descida substancial, já que há quatro anos conseguira 32%.
“O M5S é uma força política que enfrentou um caminho longo de maturação e de mudança”, admitiu Giuseppe Conte, que garantiu também que o partido nunca “cedeu às sereias do poder”. “Isso faz de nós incómodos.” Sobre o futuro pós-eleitoral, o presidente do Movimento Cinco Estrelas reiterou que “as alianças se fazem consoante os temas e não pela conveniência de um cálculo político”, excluindo desde já um cenário de coligação quer à esquerda quer à direita.
A coligação de direita — a novidade Meloni combinada com o experientes Salvini e Berlusconi
- Irmãos de Itália
É o partido Irmãos de Itália que as sondagens apontam como provável vencedor nas próximas eleições, com aproximadamente 25% dos votos. Sob a liderança de Giorgia Meloni, a força partidária, que foi criada há apenas dez anos, obteve resultados modestos nas últimas eleições, não indo além dos 4,35% em 2018. Porém, pode agora quintuplicar aquela percentagem.
São vários os motivos que explicam o crescimento do partido. Em primeiro lugar, foi um dos poucos que não fez parte da coligação alargada (que incluiu praticamente todo o panorama político italiano) que apoiou Mario Draghi, concentrando, por isso, todos os votos dos descontentes com as decisões do ex-banqueiro. Além disso, apesar das ligações a movimentos de cariz neofascista, Giorgia Meloni tem procurado passar uma imagem de política sensata e moderada.
Aliás, segundo a imprensa italiana, durante os preparativos para a campanha eleitoral, Giorgia Meloni terá instruído as direções regionais do partido para avisarem os membros de que deveriam evitar declarações mais extremas e nunca mencionar a ideologia fascista. Neste sentido, a candidata chegou mesmo a publicar nas redes sociais um vídeo, em agosto, em que dizia que o fascismo “devia ficar esquecido na História”.
Ainda assim, o lema de Giorgia Meloni é “Deus, Pátria e Família”, não escondendo o conservadorismo social da sua candidatura. Por exemplo, não se identifica como feminista — e, inclusive, é contra as quotas nas empresas para as mulheres. É também uma crítica acérrima do aborto e da eutanásia, prometendo igualmente que, se for eleita primeira-ministra, tentará “proibir a adoção gay“.
Para Giorgia Meloni, o importante é “revitalizar os índices de natalidade italianos para diminuir a procura de mão-de-obra migrante”, defendendo “a herança italiana” contra aquilo a que chama “os bárbaros do Black Lives Matter que querem derrubar as estátuas de Cristóvão Colombo”. E também terá mão firme na política migratória: “Vamos pedir à marinha para bloquear a costa do norte de África.”
“Os Irmãos de Itália é o partido dos italianos conservadores. Nós acreditamos na liberdade individual e na centralidade da família, na identidade cultural, europeia e ocidental, na iniciativa privada e na solidariedade social”, assumiu Giorgia Meloni, que assegurou, em entrevista à agência EFE, que também “está pronta para governar”. “A liderança do nosso partido é competente e está preparada.”
- Liga Norte
Praticamente no mesmo espetro político, mas com mais experiência governativa, está a Liga Norte, sob a chefia de Matteo Salvini. Tendo já feito parte de um governo, mas acabando por romper a aliança com o Movimento Cinco Estrelas, o partido deverá obter, de acordo com as sondagens, um resultado na ordem dos 12%.
É uma descida face há quatro anos, em que a Liga conseguiu aproximadamente 17% das intenções de voto, mas é uma diminuição menos significativa quando se compara com o seu antigo parceiro de governação. Os problemas da força política são também diferentes dos apontados ao M5S. Embora tenha perdido algum do ímpeto antissistema (e também votos) ao ter apoiado o governo de Mario Draghi, o partido de Matteo Salvini é confrontado com uma alternativa de direita radical que oferece um projeto político idêntico.
Uma política migratória mais restritiva, a defesa da herança italiana e uma atitude que tende para o euroceticismo. A ideologia não difere significativamente do Irmãos de Itália e é o próprio Salvini a reconhecê-lo: “A Giorgia Meloni e eu estamos de acordo em quase tudo, mesmo tendo características diferentes”. Ao ganhar a coligação de direita, não deverá haver discordâncias de fundo — pelo menos com o Irmãos de Itália — no que concerne, por exemplo, à proibição de navios das ONG de entrarem nos portos italianos. Um tema que, no passado, gerou controvérsia na solução governativa com o Movimento Cinco Estrelas.
Salvini diz que se a Liga for para o governo “os barcos das ONG não vão entrar em Itália”
Contudo, nem tudo são rosas — e os aliados também têm pontos divergentes. Um deles prende-se com o assunto que mais tem captado a atenção da comunidade internacional: a guerra na Ucrânia. Para começar, a Liga é acusada de ser financiada pelo Kremlin. Em 2019, Matteo Salvini chegou a definir Vladimir Putin como o “melhor estadista do mundo” e até chegou a usar uma t-shirt estampada com a cara do Presidente russo em Moscovo.
Mateo Salvini z którym chce się spotkać Kaczyński i rozmawiać o przyszłości Europy. pic.twitter.com/WgUbkbbveR
— Przemysław Grabowski (@pkgrabowski) January 5, 2019
Após a invasão, Matteo Salvini mudou de discurso. Recentemente, em entrevista à Bloomberg, admitiu que a sua opinião sobre o chefe de Estado russo “se alterou durante a guerra”. “Quando alguém começa a invadir, a bombardear, a enviar tanques para outros países… Isso muda tudo.” Não obstante, o líder da Liga continua a manifestar-se contra as sanções europeias aplicadas à Rússia. “Até à data, aqueles que foram sancionados estão a ganhar, enquanto aqueles que impuseram as sanções estão de joelhos”, escreveu num tweet.
Ora, é precisamente neste ponto que os aliados de direita esbarram. Se Salvini defende o fim das sanções, Meloni não. A líder do Irmãos de Itália já disse que manterá a polícia sancionatória contra a Rússia adotada por Mario Draghi, algo que, na sua ótica, robustece “a credibilidade de Itália na comunidade internacional”.
- Força Itália
O outro membro do trio da coligação de direita é o Força Itália, do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, o milionário que governou o país durante anos (e que se envolveu, pelo meio, em inúmeras polémicas). No seio da aliança, é o partido que deverá obter menos votos, não devendo ir além dos 9%. E é também o político mais moderado, com um pendor neoliberal.
O Força Itália é um partido relativamente novo (foi fundado em 2013), mas conta com personalidades de peso na política italiana, o que lhe permite ganhar reconhecimento, mas também torna mais difícil descolar das controvérsias de que esses mesmos membros são alvo. Nas últimas eleições, conseguiu 14% dos votos, mas não chegou a um acordo para governar com o Movimento Cinco Estrelas, tendo depois apoiado Mario Draghi.
Ainda que a reboque de uma coligação, Silvio Berlusconi tem agora uma nova oportunidade para chegar ao poder, regressando ao Senado, onde esteve até 2013. No entanto, após ter sido condenado por fraude fiscal, teve de abdicar ao cargo. Cinco anos depois, a decisão da Justiça foi revertida e isso permite-lhe voltar a ser senador. Para ajudar à sua eleição, o magnata criou uma conta de TikTok, em que comenta temas da atualidade e apresenta o seu programa político. O objetivo? Tendo em conta a recente alteração na lei eleitoral que permite aos jovens entre 18 e os 25 anos votarem para o Senado, o ex-primeiro-ministro está a procura de votos naquela faixa etária — e a rede social, em que grande parte dos utilizadores tem menos de 30 anos, é a plataforma ideal.
@silvio.berlusconi Ciao ragazzi, eccomi qua. Vi do il benvenuto sul mio canale ufficiale #Tiktok per parlare dei temi che più stanno a cuore a Forza Italia e al sottoscritto e che vi riguardano da vicino: parleremo e discuteremo del vostro #futuro Vi racconterò di come vogliamo rendere l'#Italia un Paese che possa darvi nuove opportunità e la possibilità di realizzare i vostri sogni. Ci rivediamo presto su TikTok ! #silvioberlusconi #berlusconi #elezioni #forzaitalia????????????❤️ #politica #giovani ♬ suono originale - Silvio Berlusconi
Sobre a questão das sanções, Silvio Berlusconi é claro: “Estamos na Europa, na NATO, no Ocidente. Devemos ter as mesmas políticas que os outros países.” Em declarações à Sky News italiana, garantiu que a coligação de direita “governará o país nos próximos anos”. Relativamente à influência do Força Itália na aliança, Berlusconi assinalou que o partido será “decisivo” em termos numéricos e políticos. “Quanto mais forte for o nosso peso na coligação, melhor.”
O risco de uma possível radicalização de uma cena política italiana por conta dos seus parceiros parece não incomodar Silvio Berlusconi, que sinalizou que acusar Giorgia Meloni de “tendências autoritárias” representa um “perigo para a democracia”: “É simplesmente ridículo”. Mas o ex-estadista traçou uma linha: “Ela é oriunda de uma cultura política que não é a minha. É inegável que temos uma linguagem diferente, referências culturais distintas e temos um eleitorado diferente.”
O desafio da esquerda
Do outro lado do espetro político, a grande coligação de esquerda é formada pelo Partido Democrático (liderado por Enrico Letta), pelos Verdes/Aliança de Esquerda e o Compromisso Cívico. O primeiro partido é aquele que, segundo as sondagens, pode dar luta ao Irmãos de Itália — as sondagens dão-lhe aproximadamente 22%, estando a cerca de três pontos percentuais da força política liderada por Giorgia Meloni.
Se em termos de partidos a diferença não é significativa, o problema é mesmo a coligação — que carece de apoio político. Os Verdes/Aliança de Esquerda não deverão obter um resultado maior que os 4%, enquanto o Movimento Cívico — uma força partidária criada em agosto por Luigi Di Maio, um dos ex-membros do M5S e ministro dos Negócios Estrangeiros de Draghi — não deverá angariar mais de 2%.
Feitas as contas, uma coligação de esquerda nunca deverá obter 30% dos votos, ao passo que a de direita poderá aproximar-se dos 50%. Para que o Partido Democrático e os seus parceiros se conseguissem aproximar, teriam de aliar-se ao Movimento Cinco Estrelas. Mas isso já foi descartado por ambas as partes, apesar de ter estado em cima da mesa.
Tudo mudou quando o M5S deixou cair o governo de Draghi, algo que o PD nunca perdoou. Essa decisão foi “irreversível” para a relação entre os dois partidos, assumiu Enrico Letta, acrescentando que isso destruiu todas as pontes para uma coligação em futuras eleições. “Foram eles que se excluíram. Sempre disseram que a esquerda e a direita são o mesmo. Não são e nunca serão. Não há esquerda sem um prato alternativo.”
È il #M5s che si è autoescluso. Resta il partito di Grillo che ha sempre detto che destra e sinistra sono uguali. Non lo sono e non lo saranno mai.
Non esiste la sinistra a targhe alterne. E basta progressisti della domenica.
Lo dico a @ilmanifesto https://t.co/jzPPGWkB3e— Enrico Letta (@EnricoLetta) September 4, 2022
As divergências entre o M5S e o PD já são mais antigas, sendo que, em 2021, o governo chefiado pelos dois partidos acabou por cair. Nestas eleições, a discordância subiu de tom e não é provável que, mesmo que essa possibilidade surja, venha a existir uma coligação pós-eleitoral mais alargada entre a coligação de esquerda e o Movimento Cinco Estrelas.
Nestas eleições, o PD tem apostado na dramatização do discurso e tem apontado para os perigos que pode representar a coligação de direita. Enrico Letta comparou estas eleições a uma “espécie de Brexit”. “Os medos são parte da maneira como as nossas sociedades vivem durante estes períodos. É mais fácil para a direita e para a extrema-direita aumentarem esses medos”, afirmou o líder partidário em entrevista à Associated Press, apresentando depois duas “soluções possíveis”. “Há a solução da direita, que implica o aumento do nacionalismo, e há a outra situação, que é a nossa, que significa Europa.”
Enrico Letta também tenta colar Giorgia Meloni à Rússia. “Apesar da atitude pró-Ucrânia, Meloni está objetivamente alinhada com o maior desejo de Putin — implodir a Europa. Os dois estão juntos no objetivo de desfazer a União Europeia”, disse, destacando que não acredita na imagem de política contida que a líder do FdI quer fazer passar para o exterior: “Só quem quer ser enganado é que acredita na moderação de Meloni.”
As críticas repetem-se por parte dos outros partidos de esquerda, principalmente do Movimento Cívico, pela voz de Luigi di Maio, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Mario Draghi. Aliás, com este apoio, a coligação de esquerda quer tentar cativar aqueles que apreciaram o estilo de governação do ex-banqueiro.
Europa preocupada. Itália pode tornar-se nova Hungria? E Espanha está na mira
A vitória da coligação de direita, e assumindo que Meloni se torna a próxima primeira-ministra, pode levar a mudanças na maneira como Roma gere a sua política externa. E isso terá consequências inevitáveis na União Europeia, em que Itália é um dos Estados-membros com maior preponderância. Não obstante a líder dos Irmãos de Itália ter assegurado que se quer manter quer na UE quer na NATO, há certas atitudes que poderão levar à discórdia em Bruxelas.
A primeira prende-se com a ligação ideológica que une Meloni (e também Salvini) ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán (indissociável das várias desavenças com a União Europeia). Recentemente, na votação do Parlamento Europeu que considerou que a Hungria já não pode mais ser considerada uma democracia plena, a Liga e o Irmãos de Itália votaram contra essa decisão.
E Giorgia Meloni, citada pelo Financial Times, saiu em defesa de Orbán: “Ganhou as eleições diversas vezes por uma margem considerável com os restantes partidos contra ele. É um sistema democrático”, disse, acrescentando a ideia de que “os verdadeiros anti-europeus são aqueles que — quando estão sob ataque e quando a União Europeia deveria estar mais unida e forte do que nunca — argumentam que há a equipa A e a equipa B na Europa e fazem tudo para empurrar a Hungria para os braços de Putin.”
Porém, a afinidade política não se fica por aqui. A Hungria continua a ser uma das críticas mais vocais nos direitos migratórios — um discurso que está alinhado com o de Meloni e Salvini. Há outra semelhança que une Orbán à direita radical italiana: a problemática do primado do direito comunitário em relação ao nacional. Os três consideram que as leis europeias não devem ter primazia sobre as constituições de cada um dos Estados-membros da União Europeia. “A maneira como o sistema nacional se mistura com o europeu é um problema”, reconhece a líder do Irmãos de Itália, que ressalvou que isso não representa um sentimento de “animosidade” para com a Europa, discordando somente com a “organização” e da forma como “o interesse nacional funciona na dinâmica europeia”.
Numa visão politicamente mais ampla, a vitória de Meloni pode galvanizar outras forças políticas de direita radical na Europa. E esse é, assumidamente, um dos objetivos da candidatura. “Espero que o centro-direita italiano, liderado pelo Irmãos de Itália, ganhe as eleições e que isso possa abrir caminho para algo semelhante também em Espanha em poucos meses”, disse, aludindo a uma possível vitória do Vox nas próximas eleições gerais espanholas marcadas para dezembro de 2023. “Estamos unidos com o Vox pelo respeito mútuo, amizade e lealdade.”
Ainda falta mais de um ano para as legislativas espanholas e, mesmo que ganhe as eleições, Meloni vai ter de negociar com Salvini e Berlusconi. Veremos se a direita se vai manter unida — e se vai estar mesmo “de acordo em quase tudo”.