Depois de ter deixado a liderança do Bloco de Esquerda, sendo substituída por Mariana Mortágua, Catarina Martins deixou o lugar de deputada na Assembleia da República. Mas, no dia a seguir, encontrou trabalho: tornou-se funcionária do partido, lugar que manteve até tomar posse como eurodeputada, em julho deste ano, e pelo qual recebeu 1.100 euros mensais — isto num período em que o partido foi obrigado a fazer cortes, despedimentos e encerramento de sedes para fazer face às dificuldades financeiras.
A informação consta da declaração de rendimentos entregue por Catarina Martins no Parlamento Europeu. Para além deste trabalho, a única fonte de rendimentos declarada pela antiga coordenadora do Bloco de Esquerda desde que deixou o lugar na Assembleia da República era a participação no programa Linhas Vermelhas, da SIC Noticias — pelo qual recebia 500 euros mensais.
Questionado pelo Observador sobre qual foi o trabalho desenvolvido por Catarina Martins enquanto funcionária, o partido respondeu apenas que “a atividade política durante esse período foi intensa e pública“, preferindo não concretizar que tipo de funções desempenhava exatamente a antiga coordenadora do Bloco de Esquerda. Mais se acrescenta que “Catarina Martins desempenhou funções políticas no partido, tal como outros antigos deputados“, sendo que, reconhece-se, a coordenadora do partido não tinha este estatuto antes de ter entrado pela primeira vez na Assembleia da República, em 2009.
Catarina Martins deixou o lugar de deputada na Assembleia da República a 14 de setembro e, de acordo com a declaração de rendimentos que entregou no Parlamento Europeu, começou a ser funcionária do Bloco no dia 15 do mesmo mês, um dia depois, portanto. Funções que só deixou a 17 de julho deste ano, uns dias antes de viajar para Estrasburgo para assumir o lugar de eurodeputada.
Quando deixou o lugar, já depois de Mariana Mortágua ter assumido a coordenação do Bloco, Catarina Martins falou no programa Linhas Vermelhas sobre o seu futuro: “Há uma série de projetos que tinha deixado em pausa e que vou retomar agora e há novos projetos que me estão a entusiasmar muito”. Manteve-se como dirigente nacional do Bloco de Esquerda e isso está também vertido na declaração de rendimentos, embora com a indicação de que, pelo desempenho desse cargo partidário, não auferiu qualquer rendimento.
Catarina Martins promoveu corte de funcionários um ano antes
Nas eleições legislativas de 2022 o Bloco de Esquerda passou de uma bancada de 19 deputados para apenas cinco, o que levou a um corte drástico na subvenção pública do partido, que obrigou a uma reformulação do quadro de funcionários. Isso mesmo foi assumido por Catarina Martins em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, em setembro de 2022, dando conta de que existiu um corte de “metade dos funcionários”, sem quantificar quantos foram dispensados.
Na altura, a ainda coordenadora do Bloco de Esquerda justificava a decisão com a necessidade de “contas certas”. “No Bloco há uma grande consciência por parte de todos os aderentes, não só por parte da direção, de que é fundamental a independência do partido. O BE não tem dívidas. O BE não pede favores, não está preso a nenhum poder. Tem de trabalhar com as condições financeiras que tem em cada momento. E tem de ter sempre contas certas e contas transparentes.”
Depois das eleições de 2022, o partido sofreu o impacto dos efeitos financeiros do curto resultado legislativo (que teve implicações na subvenção recebida pelo partido) e desenhou um plano de “redução de custos” e de “reestruturação” que incluiu o fecho de sedes, uma onda de despedimentos, menos – e mais modestos – materiais de comunicação e novas formas de organização, incluindo agrupamentos de estruturas distritais.
Em causa, como explicava então o Observador, estavam várias medidas de redução dos custos e reorganização do trabalho, cortes de cerca de 60% dos custos (divididos por cerca de 50% nas estruturas locais e 50% na estrutura nacional), com uma “redução brutal de custos” no Parlamento. Anunciou-se ainda uma onda de despedimentos e uma “redução do trabalho profissionalizado” em troca de mais trabalho voluntário dos militantes. Este processo de redução de custos foi condenado pelos críticos internos, que chegaram a lamentar o tratamento que estava a ser dado aos funcionários que estavam ser despedidos.