“Não me tentes matar, abraça-me”. A mensagem, escrita a giz azul claro, era apenas uma entre as muitas que, na mesma linha, preenchiam as paredes e o chão à volta do Palácio da Bolsa, em Bruxelas. Os bruxelenses decidiram prestar homenagem às vítimas dos atentados de terça-feira com uma resposta positiva para o mundo ver. A mensagem é de paz, mas o clima continua a ser de medo.
Milhares de pessoas foram passando pela Praça da Bolsa, no centro de Bruxelas, esta quarta-feira para prestar o seu tributo às vítimas. Os que ficaram foram variando, indecisos, entre o profundo silêncio e um clima de festa. O dia era triste, muito triste, mas a mensagem que se procurava passar era de amor.
“Recuso odiar”. O cartaz, nas mãos de Marie, uma estudante belga de 23 anos, resumia bem o que se passava na praça. “Não me vão tornar igual a eles. É isso que quero dizer”, explicou ao Observador, de passagem para o palco principal, a escadaria do Palácio da Bolsa, onde ao final da tarde já muitos cantavam e lançavam alguns gritos de ordem contra o Estado Islâmico.
Josef, 12 anos, também deixava a sua mensagem: “Bruxelas é amor”, escrevia, sob a orientação da mãe, Victoria: “Acho que temos que mostrar que não desistimos. E que não odiamos. Isso é mais importante”, diz. Como estes, muitos foram os que se dirigiram à Praça da Bolsa para deixar a sua mensagem. Houve de tudo um pouco. Mensagens a giz, velas acesas, bandeiras da Bélgica e de muitos outros países. (Quase) Todas as mensagens eram de amor, de aceitação, de recusa do ódio.
Mas do outro lado da rua, um sinal do que se tornou comum no resto da cidade: os militares armados patrulham a manifestação, como o fazem em todas as estações de comboio, metro e em muitos outros locais onde há concentração de pessoas.
Fora da Praça da Bolsa, Bruxelas é uma cidade muito diferente. Diferente do ambiente que parece passar pelas câmaras de televisão que enchem as ruas de Bruxelas e que procuram transmitir uma imagem de união e ausência de medo. Diferente do que é a cidade nos seus dias normais.
Com as ruas e os locais turísticos praticamente vazios, a presença dos militares nas ruas e à porta dos poucos transportes públicos que estiveram disponíveis ainda é mais óbvia. “É inacreditável” exclama, com ar zangado, Cécile. Esta secretária de 53 anos saía do metro em De Brouckère, enquanto esperávamos na longa fila que se fazia para entrar, não porque eram muitas as pessoas a quererem andar de metro, mas porque o controlo de segurança era apertado.
“Já não podemos fazer a nossa vida. Parece que estamos numa ditadura, com gente armada por todo o lado a dar-nos ordens”, desabafa Cécile. Haveria outra opção? “Mas é isto que eles querem, não entendes?”, insiste.
Perguntamos-lhe se não tem medo de voltar à vida normal, como aconteceu depois do lockdown de novembro, que terminou sem qualquer detenção ou resolução de maior, e depois voltar a acontecer um caso destes. “Claro que tenho medo. Acho que todos estão com medo. Por isso é que as pessoas não saem de casa. Mas isto assim não é vida”, responde, com algumas críticas à polícia e aos militares que revistavam todos à entrada.
Em Saint-Gilles, bairro onde vivem muitos dos portugueses que emigraram para Bruxelas, a cena não é muito diferente. As poucas pessoas que se veem nas ruas estão à espera de autocarros que tardam em chegar. “Estou aqui há uma hora. Não há maneira de sair daqui”, queixa-se um homem, que refila por estar “farto de jornalistas”.
Um mercado, perto deste bairro, estava praticamente vazio. Nele encontramos apenas alguns dos vendedores e, por coincidência, duas portuguesas. Emília, de 63 anos, e a sua amiga Conceição, 59, decidiram dar um salto ao mercado para aproveitar os (poucos) raios de sol que espreitavam de vez em quando por entre as nuvens.
“Não podemos ficar em casa o dia todo. E é tão raro sol por aqui”, diz Conceição. E não têm medo? “Uma pessoa nunca sabe o vai acontecer, mas aqui não anda ninguém. Para que quereriam eles vir para aqui?”, acrescenta.”Vou fazer a minha vida na mesma. Isto, quando chega a nossa hora, não há nada a fazer”, admite Emília, fatalista, enquanto se passeia a ver os legumes.
O silêncio que se faz sentir em grande parte da cidade é muitas vezes interrompido pelos motores e as sirenes dos carros da polícia, que tem feito várias operações por toda a cidade à procura dos restantes responsáveis dos atentados que provocaram a morte a mais de 30 pessoas, e feriram mais duzentas.
Nos próximos dias a cidade deve ficar ainda mais vazia. Para além dos turistas que abandonam Bruxelas, com a Páscoa neste fim-de-semana há quem tente deixar a cidade. As alternativas, com o aeroporto de Bruxelas fechado e sem data para reabrir, têm sido Paris, Amesterdão e Dusseldorf, mas os lugares disponíveis são poucos e a procura é grande.