Luís Montenegro saiu do Congresso do PSD na primeira linha para suceder a Rui Rio. À boleia do Carpool do Observador — momentos antes de Rui Rio fazer o discurso final — diz que cumpriu a sua “obrigação” ao fazer o discurso mais crítico no Congresso, ao “pôr um ponto final numa forma de estar que alimenta a intriga política e a conflitualidade interna”. Também se assume “convictamente” como futuro eleitor de Rui Rio. O “desejável”, diz, é que o novo líder do PSD venças as eleições e consiga garantir ao partido um “ciclo de governação demorado”. Mesmo reconhecendo, como tinha feito no Congresso, que a “situação política complexa” não traz facilidades aos objetivos políticos de Rui Rio.
A viagem começou na Travessa do Possolo, a cerca de 2,5 quilómetros do Centro de Congressos de Lisboa onde os sociais-democratas se reuniram este fim-de-semana e onde Passos Coelho passou o testemunho a Rui Rio. Montenegro garante que não fará sombra ao novo líder, mas também admite que não abdicará de criticar a nova direção do partido quando isso se justificar. Sobre a aproximação ao PS, acha que a estratégia não resultará: “António Costa não enlouqueceu”.
[Veja no vídeo o best of do Carpool com Luís Montenegro]
Estamos na Travessa do Possolo, onde vive. Costuma encontrar Cavaco Silva, que também vive aqui?
Encontrei-o poucas vezes aqui, mas falámos muitas vezes desta circunstância de sermos vizinhos.
Olhando para o seu discurso no Congresso do PSD. Ontem posicionou-se claramente como sucessor de Rui Rio. Vai ser uma sombra de Rui Rio, quando sugeriu isso ao dizer que “as sombras só incomodam os fracos”?
Não vou ser uma sombra. E essa frase não era só dirigida a Rui Rio, mas a toda a equipa diretiva que o acompanha. Decidi aproveitar este congresso para pôr um ponto final numa forma de estar que alimenta a intriga política e a conflitualidade interna, que é própria dos momentos eleitorais, mas já não devia ser própria do tempo que mediou as eleições internas e o congresso. Isso aconteceu em várias ocasiões, em que alguns dos principais apoiantes de Rui Rio intervieram. Quis, de uma forma clara e inequívoca, pôr um ponto final nesse tipo de procedimento. Devemos ter respeito uns pelos outros.
Mas foi um ponto final ou um dois pontos, travessão, abre aspas? É que aquilo que dá ideia de que foi o início de qualquer coisa.
Não, foi um ponto final. Aquilo que ficou dito, ficou dito, com franqueza e com frontalidade. Colocando os pontos nos ‘is’. Doravante, Rui Rio e a sua equipa podem concentrar-se no mais importante: a sua afirmação política da nossa mensagem e projeto. Era muito pior se as coisas não fossem ditas com esta franqueza e frontalidade. Imagine que eu andava agora, nas semanas subsequentes ao congresso, às pinguinhas, uma semana aqui outra semana ali, a dizer o que disse. Fiz aquilo que era a minha obrigação.
Acha que, nesse aspeto, o discurso Santana Lopes ficou aquém daquilo que era esperado?
Percebo que Santana Lopes tenha contribuído para fazer sair deste congresso uma ideia de unidade. A unidade constrói-se de duas formas com convergência de posições, mas também se constrói na diversidade.
Acha que Santana devia ter feito um bocadinho mais?
Acho que são complementares. Ele fez uma parte, eu fiz outra. Não tenho intenção de criar desunião no PSD, bem pelo contrário.
O seu discurso teve três partes: a divergência ideológica com Rui Rio em relação ao PS; as propostas concretas; e o seu posicionamento pessoal. Este posicionamento é de alguém que se está a posicionar para as próximas diretas, em 2019?
Não. É de alguém que recebeu estímulos neste período para poder protagonizar uma candidatura, mas que entendeu que não era o tempo. Pode acontecer. Como também pode não acontecer. As circunstâncias são o que são e evoluem muito rapidamente. Aquilo que é desejável é que Rui Rio seja eleito primeiro-ministro e que o PSD possa ter um ciclo de governação demorado.
Acha que Rio tem tempo de afirmar uma alternativa em ano e meio?
Fui honesto: acho que Rio tem uma situação política complexa. O PSD esteve no Governo quatro anos e meio, venceu as eleições e acabou por não formar Governo. O PS recebeu de herança um país bastante diferente. O meu desejo é que o PSD possa um dia governar recebendo uma herança tão boa. Juntando a isto a conjuntura externa.
O Governo tem, de facto, vantagem. Foi essa a leitura que fez para não avançar para uma candidatura à liderança?
De maneira nenhuma. Se isso fosse verdade, não tinha estado como estive disponível para continuar a liderar a bancada do PSD, quando passámos do Governo para oposição. A questão política era diferente: dar aos portugueses a perceção de que um determinado ciclo político no nosso partido se tinha fechado e começado outro. Ora, estive intimamente ligado à liderança de Pedro Passos Coelho. As pessoas teriam uma grande dificuldade em perceber que o PSD iniciaria um novo ciclo político com um dos principais protagonistas do ciclo anterior.
Mesmo que fosse para perder: Durão Barroso foi a primeira vez e perdeu, Santana Lopes foi a primeira vez e perdeu…
… Não precisa de dizer mais. Não costumo dizer isto publicamente, mas estive 16 anos na oposição autárquica da minha terra, no concelho de Espinho. Nesses 16 anos, liderei 12 anos a oposição, fui candidato duas vezes e perdi. Mas nunca desisti. Nem a minha equipa. Ganhámos em 2009 e agora vamos no terceiro mandato. Não acho que os líderes têm de ganhar para continuarem líderes. A questão é saber se Rio vai conseguir mobilizar o PSD em torno de um projeto político que o motive de tal forma que as pessoas sintam que o momento vai chegar. É isso que desejo que ele faça. Mais do que estar a cobrar vitórias. Agora, é evidente que se ganhámos as duas últimas eleições mais não podemos ambicionar do que ganhar as terceiras.
Qual é o patamar mínimo para as europeias?
Terei de dizer um lugar-comum: o PSD joga sempre ganhar. Agora, é preciso contextualizar cada uma das eleições.
Mas se ganhar por “poucochinho”… António José Seguro venceu por “poucochinho” e caiu…
Sim, mas Seguro tivera um resultado estrondoso as eleições autárquicas, depois já ganhou por menos as europeias e o PS perdeu as legislativas. Estou convencido de que o resultado teria sido o mesmo com António José Seguro. Cada eleição tem as suas circunstâncias. Tivemos umas más eleições, que foram as autárquicas, tivemos uma vitória nas europeias com Rangel, e depois perdemos as legislativas com Manuela Ferreira Leite. As coisas não estão intrinsecamente ligadas. Agora, temos condições para apresentar bons candidatos e para poder vencer as eleições europeias? Temos. Temos condições para poder renovar o mandato de Miguel Albuquerque na Madeira? Temos. E também temos condições de vencer as próximas legislativas e fazer de Rui Rio o primeiro-ministro.
Esta aproximação ao PS não pode ser uma forma de desbloquear esta nova configuração do sistema e criar problemas à geringonça?
Acho que é o contrário. Dá mais espaço a António Costa para poder negociar com os parceiros à esquerda, porque pode acenar com uma outra solução. Pode mostrar que não são imprescindíveis para a manutenção de Governo. Mas a questão política nem é essa: entendo que não podemos aceitar o discurso da extrema-esquerda, que durante anos andou a dizer que éramos uma direita reacionária. Temos de a combater. O PSD não pode claudicar nisso. O PSD tem de dizer isto: quem se movimentou no xadrez político português foi o PS. O PS fez coisas nos últimos três anos coisas que são contrárias ao pecúlio político de líderes como Mário Soares e António Guterres.
Acha Rui Rio cedeu à esquerda?
Não quero dizer que cedeu à esquerda. O que quero é que o PSD não ceda ao discurso de esquerda. Essa clarificação é importante, foi importante que Rui Rio já ter dito que é contra um Bloco Central.
Então concorda com Rui Rio?
Esse entendimento deve prosseguir-se. O problema é diferente. É que este PS não está disponível para isto. Acha que António Costa vai fazer na próxima legislatura o contrário do que fez nesta? António Costa não enlouqueceu. António Costa é contra – porque votou isso e apresentou isso como diretiva no Parlamento –, por exemplo, que uma Misericórdia possa gerir um hospital. É contra. Acha que é agora, no próximo mandato, que ele vai reverter aquilo que foi a sua política?
Rui Rio corre o risco de ficar a falar sozinho?
António Costa acabou com a avaliação de professores e com a avaliação obrigatória dos alunos. Acha que no próximo mandato o PSD vai obrigar António Costa a fazer exatamente o contrário daquilo que está a fazer? Não vai. Não é realista. Qual foi a resposta que António Costa deu a Rui Rio? Que estava acompanhado e bem acompanhado com o PCP e com o BE. Essa era a oportunidade para dizer a António Costa: “Se a sua viagem é com o PCP e com o BE, boa viagem. Nós somos outra alternativa. Estamos aqui ao lado e fazemos uma coisa diferente.”
Sai do Parlamento para fazer o seu caminho de oposição interna, para não dizerem que estava a minar o grupo parlamentar?
Saio do Parlamento respeitando muito o mandato que sempre me confiou o povo. Porque fui sempre eleito, nunca tive um cargo por nomeação, quer do ponto de vista das funções autárquicas quer parlamentares. Creio que os meus eleitores compreendem que, depois de 16 anos ininterruptos de atividade parlamentar multifacetada – já fiz de quase tudo no Parlamento –, depois de ter sido líder parlamentar durante seis anos, coisa que nunca aconteceu no PSD desde o 25 de abril (nunca ninguém esteve tempo, seguido ou intervalado, na direção política da bancada), depois de ter dado esse contributo de forma tão intensa, sou um homem igual aos outros.
[Reveja no vídeo a transmissão integral do Carpool em direto com Luís Montenegro]
Vai fazer o quê?
Estamos na política, mas temos, como qualquer pessoa, outros interesses. Tenho uma profissão, também quero exercê-la, quero ter tempo para exercê-la de forma mais intensa. Tenho uma família. Tenho um filho com 12 anos e outro com 16 e ambos nasceram e cresceram com o pai a passar parte da semana fora de casa. Sei que eles sentem essa falta e eu também sinto e também tenho direito a poder ter um período de maior vivência familiar, que faz falta à vida de cada um de nós. Eu quero ser feliz. Fui muito feliz enquanto parlamentar mas tenho outras coisas que gosto de fazer e quero fazê-las. Ainda por cima tenho um privilégio, sou um homem privilegiado nesse aspeto, porque pude sempre fazer aquilo que quis e de que gosto de fazer. E gosto de fazer combate político e tenho agora a oportunidade de fazê-lo noutra condição, na comunicação social, com intervenção muito periódica e não me faltarão ocasiões para poder ajudar a construir a força do PSD junto da sociedade. Portanto, não sinto que a minha intervenção parlamentar pudesse ser determinante durante os próximos tempos. Terei ocasião na mesma de dialogar com a sociedade e terei ocasião de mostrar tudo o que são as minhas razões de aproximação e convergência com a linha política do PSD. Mal seria se assim não fosse. Nunca votei nunca votei noutro partido que não fosse o PSD. Nem quero, não tenciono fazê-lo nunca.
Votará em Rui Rio.
Votarei em Rui Rio convictamente. O que não quer dizer que não possa, aqui ou acolá, deixar uma nota como observação relativamente a uma decisão com a qual possa não estar inteiramente de acordo. Faz parte da dinâmica, mas isso faria quer estivesse no Parlamento quer não estivesse.
Conhecendo o grupo parlamentar e conhecendo Fernando Negrão, acha que ele vai ter condições para gerir o grupo? De quanto é que um líder parlamentar precisa para se sentir legitimado? 50% mais um é pouco?
É curioso, eu entrei no Parlamento no dia em que o Fernando Negrão entrou. Fomos eleitos pela primeira vez na mesma legislatura. Conheço-o muito bem, estive sempre muito ligado à sua ação parlamentar porque fomos ambos coordenadores da primeira comissão, fomos ambos vice-presidentes com o acompanhamento dessa comissão. Ele tem uma intervenção parlamentar muito ligada às questões da Justiça, da Administração Interna, dos Direitos Fundamentais e essa foi também uma área na qual eu estive muito tempo. Conheço-o muito bem, conheço a sua capacidade, a sua competência e tenho a certeza de que o grupo parlamentar lhe vai reconhecer isso mesmo na próxima semana e lhe vai dar a confiança para exercer o seu mandato. Não quero aqui dizer se vai ser mais um ou menos um voto nem acho que essa comparação se deva fazer. Esta eleição é feita depois de uma eleição interna, interrompendo um mandato da liderança parlamentar anterior e não vale a pena esconder que há alguns fatores de perturbação e Fernando Negrão terá de se adaptar e ultrapassá-los rapidamente. Mas tem todas as condições, é uma pessoa prestigiada, competente e estou seguro que dentro do espírito que presidiu a esta alteração, que é haver condições de colaboração e cooperação entre a direção do partido e a direção parlamentar – que é uma condição óbvia da afirmação de um partido – que Fernando Negrão, tendo sido público que merece uma confiança maior do que aquela que merecia Hugo Soares, fará agora o seu trabalho.
Gostou da equipa que Rui Rio escolheu?
Não quero fulanizar nenhuma das escolhas. De uma forma geral, tratam-se de pessoas qualificadas e de pessoas que têm todas as condições para poder ajudar o presidente do partido, Rui Rio, a cumprir a sua missão. Isto é mais ou menos como quem forma governos, sobretudo a direção permanente do partido. É da exclusiva responsabilidade do presidente fazer essas escolhas. A escolha tem muito a ver com as necessidades de trabalho que estão idealizadas na cabeça do líder. E ele escolheu aqueles que seguramente pensa que possam ser os seus melhores ajudantes.
Quem promete um banho de ética podia ter na sua equipa mais próxima Salvador Malheiro e Elina Fraga?
Não quero fazer nenhuma consideração pessoal sobre nenhum deles, ainda para mais no dia em que vão ser empossados. Quero desejar a todos as maiores felicidades e a maior sorte, que possam fazer um bom trabalho. As condições de partida são simultaneamente complexas mas também desafiantes e que podem gerar entusiasmo. O PSD foi sempre um partido que se conseguiu erguer dos momentos difíceis e este não é um momento fácil, é um momento em que estamos na oposição, apesar de sermos o maior grupo parlamentar. Creio que a clarificação que houve, a frontalidade com que interviemos — e dei esse exemplo no Congresso — pode ser o sustentáculo do caminho que entusiasme também o país, que é isso que pretendemos.