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Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
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Primeiro como clientes fiéis da Achilles, agora enquanto proprietários, mantendo a tradição mas sobretudo apontando ao futuro: "Queremos obviamente elevar a marca e vamos começar a fazê-lo, com o objetivo de chegar além fronteiras."

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Primeiro como clientes fiéis da Achilles, agora enquanto proprietários, mantendo a tradição mas sobretudo apontando ao futuro: "Queremos obviamente elevar a marca e vamos começar a fazê-lo, com o objetivo de chegar além fronteiras."

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Casa Achilles. “Nos últimos 20 anos tentei comprar a loja uma vez, duas vezes. À terceira, conseguimos”

Fundada em 1905, e depois de várias passagens de testemunho, os irmãos Estêvão e Astrid Azevedo lideram hoje a nova fase da histórica loja de ferragens que é um museu vivo de moldes com 500 anos.

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Não há chave-mestra para o dilema. O motivo de maior espanto num momento de estreia neste espaço? No interior, cada detalhe segreda uma história que entusiasma, cada presença de pó acumula anos de saber e cada recanto guarda uma surpresa infinita. “É difícil escolher só uma coisa. A primeira vez que entrei aqui toda a oficina me impressionou”, admite Astrid Azevedo, enquanto serpenteamos por mesas de trabalho de madeira, ferramentas e um sem fim de objetos de outras eras.

Depois de conhecer anteriores encarnações, a Casa Achillles, histórico reduto de ferragens em Lisboa, tem novos rostos ao leme. A Astrid junta-se o irmão Estêvão, a dupla que em março deste ano agarrou oficialmente os destinos da casa fundada em 1905, no Príncipe Real, e que mais de um século depois continua a atrair curiosos e descendentes de antigos frequentadores, que recorrem à loja especializada na fundição de metais. “Quem vem já era cliente da casa, lembra-se de vir quando era miúdo e de ver fazer as coisas.”

Entre puxadores e maçanetas, chaves e fechaduras, e ainda acabamento diverso de mobiliário, por aqui encontramos um pouco de tudo, com o detalhe a marcar o ritmo de passado, presente e, assim desejam, do futuro. “Nas peças, há coisas extraordinárias como os apoios das pernas, que passa também pelo trabalho de cinzelagem, de acabamento, o pormenor. Optamos por manter a tradição da cinzelagem manual. É isso que nos destaca. Implica mais tempo, mais trabalho, mas o resultado final é de boa qualidade. Quando se agarra vê-se o peso de cada peça”, mostra-nos a anfitriã, contando como em média cada trabalho demora quatro semanas, desenvolvido no norte do país, numa pequena fundição com uma equipa especializada. “Tem corrido bem.”

Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Dos dourados dos expositores que dão as boas vindas a quem entra ao espaço onde funcionou a oficina, onde quase tudo se mantém como dantes. A fundição é hoje assegurada no norte do país.

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Estêvão é formado em Restauro, Astrid em Restauro de Pintura. As ferragens acabaram por cruzar-se com o seu caminho porque as usavam em trabalhos. “Precisávamos sempre de alguma peça”, explica o primeiro, cuja relação com a Achilles começou em 1998, quando terminou o curso. “Quem trabalha na área percebe que esta casa tem três grandes vantagens. A quantidade de moldes que tem, a qualidade dos moldes – as peças tiradas através dos moldes perdem sempre alguma qualidade, e definição – e a outra grande referência é o acabamento. Estamos habituados a ver pouca oferta, com uma patine um bocado forçada. Sem querer menosprezar a concorrência, sempre adorei o acabamento da Casa Achilles. É o nosso segredo, conseguirmos pôr as peças de agora com a mesma patine de peças com 300 anos.”, distingue.

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O esmero segue a fórmula do anterior proprietário, António Lucas, que chegado a este ano, e depois de mais de duas décadas à frente da Achilles, queria reformar-se e vender a casa, com a incerteza a rondar esta porta, à qual o atual responsável já havia batido algumas vezes, então com pouco sucesso. “Posso dizer que nos últimos 20 anos tentei comprar a loja uma vez, há dez anos, tentei duas, há cinco, também não consegui, e agora à terceira conseguimos arranjar um parceiro que entrou connosco. Comprámos não só o negócio como a marca e o imóvel. É um bocado de loucos mas achámos que o negócio tinha potencial.”

A atual fase de transição explica que muito boa gente com quem fale pense que este pequeno oásis das ferragens esteja fechado, o que não acontece. Para além do testemunho passado de pais para filhos, mantém no leque de clientes os arquitetos, os decoradores, os antiquários, e ainda restauradores. Acrescente-se a míriade de novos moradores, entretanto chegados do estrangeiro, que investiram em Lisboa e procuram peças originais para os projetos de remodelação. Seja qual for o destino final, o objetivo é sempre o mesmo: encontrar ferragens como eram feitas há 200 ou 300 anos, e que habitualmente encontramos “em grandes casas e palacetes” país fora.

Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Moldes em madeira e pilhas de recibos e demais papelada com décadas permanecem na cave, também conhecida como sala de arrumos.

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Não só a Achilles continua em funções como os planos para a nova vida da casa passam por ir além dessa vertente museulógica que a sala do fundo transmite ou por uma procura estritamente em solo nacional. “As coisas são diferentes. Não comprámos a casa Achilles para continuar a trabalhar um bocadinho como uma loja local, do bairro. Queremos obviamente elevar a marca e vamos começar a fazê-lo, com o objetivo de chegar além fronteiras. Queremos manter a oficina como está, com alguma organização, claro, e catalogar pelo menos as peças com mais procura.”, enquadra Estêvão.

500 anos de história em ferragens e mais de um século de portas abertas

“Ferragens de estilo”, lê-se ainda na idosa e resistente placa à porta do número 194, no cimo da Rua de São Marçal. Foi aqui que em 1905 Achilles Santos Frias, maçon e amante da cultura, fundaria a terceira e última das suas casas de ferragens em Lisboa, com muitos dos célebres e vetustos moldes adquiridos originalmente em França, e que acabaram por escapar à fundição. O negócio haveria de seguir para as mãos do sobrinho do fundador, que se manteve em atividade até aos 94 anos.

No final de noventas, com a ameaça de fecho no horizonte, o então cliente António Lucas, que se estreara na fábrica de mobiliário do pai, na zona de Gondomar, e que se entretanto se especializara nas ferragens, fica com a loja, travando o fim pré-anunciado da Achilles, que atualmente ostenta a distinção de Loja com História e é uma resistente na reprodução por molde em liga de cobre.

Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Estêvão e um segundo parceiro conseguiram, por fim, comprar a marca e a loja, onde a irmã Astrid é a anfitriã de serviço.

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“Penso que o senhor António passou um pouco pelo nosso processo. Éramos clientes, não queríamos que isto acabasse. Acabou por achar que o meu irmão era a pessoa certa para dar continuidade à casa. Também tínhamos essa vontade. Seria uma pena mais uma loja com História fechar”, recorda Astrid, que conheceu a Achilles no verão passado, com a curiosidade a adiantar-se mesmo àquela que viria a ser a etapa seguinte na loja. “Temos aqui muitos, muitos anos de ferragens, uma arte que se tem vindo a perder. Não conhecia esta área e fiquei curiosa quando o meu irmão me falou desta loja. Sugeri vir para aqui aprender, ainda nem tínhamos pegado nisto”.

Se é para o futuro que os novos responsáveis apontam, toda a oficina respira outros tempos, testemunhando a passagem dos anteriores donos. Por aqui cristalizararam-se os escritos na pedra das robustas paredes (entre contas e desatualizados números de telefone de clientes e serviços), os frascos de vidro carregados de décadas, as latas coloridas do começo do século passado, os imponentes móveis que se enchem de mais peças. “Todos os dias descobrimos coisas novas. Abrimos uma gaveta e encontramos uma peça que não vimos. Temos milhares de moldes de chaves, de puxadores. Conseguimos conciliar peças, somos versáteis. Há sempre clientes com pedidos diferentes. Costumo dizer que tudo o que é possível fundir, faz-se”, garante Astrid Azevedo, rejeitando que a rotina consiga acomodar-se facilmente – não confundir com os aspectos que se mantêm inalterados, a bem dos processos que deram fama a este destino. “Há uma coisa que mantemos, que é a fundição em caixa de areia, que acaba por ser a mesma há muitos anos. Hoje as caixas são maiores. A fundição era feita aqui. Temos algumas máquinas ainda que provavelmente estão a trabalhar ainda mas aqui fazia-se tudo. Mantivemos as ferramentas, os tornos, há aqui muita coisa usada originalmente pelos fundidores.”

Dobradiças, águias e ainda as linhas modernas

É um balanço que alguns arriscam mas poucos, ou nenhuns, conseguirão fixar: o número certo de moldes acumulados ao longo de todas estas décadas. “Nunca ninguém contou o número de peças total, mas são seguramente algumas dezenas de milhar.”, confirma Estêvão, que não hesita em eleger uma das descobertas que despertou especial carinho. “Isto é uma das peças a que achei piada. Não é exatamente o símbolo do Benfica mas é uma águia de asas abertas e tem a frase et pluribus unum.”

Aterrando em segurança no andar de baixo (e por favor cuidado com a cabeça ao descer, já que o acesso é impróprio para estaturas altas) a sala de arrumos abre caminho para mais encontros inesperados, como os moldes feitos em madeira. “Já não são feitos hoje. Tinha que haver um entalhador e sei bem o trabalho que dá. Temos ainda centenas de livros de faturas e recibos do princípio do século ainda por organizar”, confirma o conjunto de papéis empilhados num dos recantos.

Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR Reportagem na Casa Achilles, uma histórica loja de ferragens na zona do Príncipe Real. Lisboa, 12 de Julho de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Latas do começo de século, bibelôs variados, autocolantes e até paredes cravejadas de números úteis, espelhando a rotina de outros tempos.

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Se é impossível precisar a totalidade de peças, há pelo menos uma certeza: algumas delas podem gabar-se de ter cinco séculos de antiguidade. E se em muitos casos já são feitas de novo, também por aqui se responde aos pedidos de réplicas. “Depois há o tal segredo da Casa Achilles, a patine que damos. Imagine que há uma peça que está mais oxidada com o tempo, há uma que se parte e o cliente que a patine seja igual à que já existe nessa peça de mobiliário”, explica Astrid, sobre essa capacidade de aceleração do tempo da ferragem, qual filtro que de forma meticulosa assegura um desfecho vintage.

Apesar da procura ser variada, as ferragens do mobiliário tradicional português, D. José ou D Maria, garantem maior popularidade. “São peças que ainda temos bastantes em Portugal e há alguma preocupação com isso.”, aponta Estêvão, ciente de que falamos neste caso num nicho de mercado, sobretudo quando o assunto são os modelos mais clássicos quando a tendência em voga grita minimalismo e simplicidade. Uma evolução natural de que a Achilles pretende fazer parte. “Estamos a tratar de ter algumas linhas de ferragens modernas feitas com a mesma qualidade, assinadas por alguns dos melhores arquitetos portugueses. Tanto queremos a dobradiça que dura séculos como linhas mais atuais”.

Se a oficina é um viveiro instagramável e verdadeiro íman de cliques, é o showroom logo à entrada que oferece um retrato das criações mais desejadas. Os puxadores para contexto doméstico lideram as buscas e os preços conseguem aliciar diferentes carteiras. “Depende muito do trabalho. Infelizmente houve uma subida grande da matéria-prima”.  Um puxador pode alcançar os 275 euros e uma rosácea para adornar o canto de uma moldura não ir além dos 8 euros, razão para não ficar à porta, mais que não seja porque há conchas-abatjours, velhos candeeiros e formões à espera de ouvir mais um “uau” na sala dos fundos, a palavra mais repetida por quem chega.

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