“Qualquer dia, nem espaço temos para lançar redes. Não me venham com tretas: pensam eles, lá a Lagarde, que somos todos parvos. Mas não somos“. A conversa dura 10 minutos e João Oliveira mal precisa de intervir. As bandeiras da CDU vão-se desenrolando frase a frase nas queixas de quem vive do mar e vai vendo o seu modo de vida sacrificado pela burocracia e pelas preocupações ambientais. Raimundo Pedro — não confundir com o secretário-geral comunista — trabalha o marisco há mais de 50 anos e nesta viagem de barco pela Ria Formosa, explica ao candidato da CDU às eleições europeias como as crescentes restrições o impedem de fazer aquilo que sabe.

O bom tempo convida aos mergulhos e na plataforma de saída dos barcos no porto de Olhão, o contraste é evidente. De um lado, famílias inteiras e grupos de jovens preparados para aproveitar a ponte do feriado com o fim-de-semana e passar o dia dentro de água. Do outro, um pequeno barco pronto para levar João Oliveira e a comitiva comunista a passar pelos viveiros de marisco em que é agora proibido trabalhar. A razão? Poluição da água, explica João Carlos Guerreiro de Jesus, membro do sindicato das pescas que segue também viagem, e que detém alguns dos viveiros em causa. “Pelo que sabemos, estão a ser feitos esforços para resolver o problema, mas estão a ser feitos esforços há 7 anos“, refere.

Ao longo destes últimos 7 anos, cerca de 140 viveiros foram interditados pelas autoridades nesta zona. Em alguns, estão envolvidas famílias inteiras, obrigadas agora a “andar aí por fora a trabalhar doutras maneiras, noutros sítios”, garante João Carlos. Nos últimos anos, já nem a manutenção dos terrenos é possível: “Nós fazíamos manutenção com os tratores, lavrar o terreno. Agora já nem isso, dizem que se ‘está interdito, está interdito’.” De acordo com o membro do sindicato, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera tem por hábito tirar amostras dos viveiros, quer seja da água, da areia ou dos mexilhões. O problema, explica, é que nunca surgem novidades dos resultados destes estudos.

“O que acontece na realidade é que interditam os terrenos, não fazem nada e daqui a amanhã, o terreno não é trabalhado, está tudo podre. Em alguns sítios há mesmo lama. O terreno tem de ser trabalhado. Eles interditam, mas eu não sei porquê”, conta Raimundo.

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O custo desta paragem é devastador para quem trabalha na indústria, e nem mesmo o levantamento das interdições pode resolver o problema. “Se um dia voltar a ser possível trabalhar, vão ser precisos uns milhares valentes para pôr aquilo como deve ser. E mesmo assim não sei se se vai conseguir”. De acordo com quem aqui trabalha, o abandono dos terrenos pode obrigar a um período de 2 ou 3 anos para restabelecer a atividade normal. A maioria não se pode dar a esse luxo.

“Para trabalhar um terreno e tirar a lama é preciso investir, e muito. Tive de comprar areia, comprei muita, gastei muito dinheiro e consegui fazer as coisas como deve ser. Contratámos até uma pessoa para ir pôr lá uma areia boa, quanto mais grossa melhor. Só para isso, pediram-me 500 euros para ter a licença”, relata Raimundo Pedro. “Em vez de facilitar para melhorar a qualidade dos terrenos, põem mais obstáculos”.

O trabalho deste pescador é difícil de encontrar no mercado atual: “Eu sou um mariscador e um viveirista”. O que é isto? Raimundo explica: “Sei mariscar, apanho as amêijoas fora do viveiro, para depois semear. Não compro amêijoas, as que eu apanho são as que semeio com o meu trabalho”. Na indústria, a maioria dos trabalhadores ou faz uma coisa ou faz a outra. João Oliveira está diante de um polivalente.

“Não somos técnicos, não somos biólogos, mas também não somos parvos”

Desde o início da campanha, a CDU tem-se batido por uma visão “responsável” das políticas ambientais. E ao longo da semana, esse ponto tem estado sempre presente nos discursos de João Oliveira. O candidato diz que é preciso encontrar um “equilíbrio” entre os problemas ambientais e os problemas económicos. Ou seja, arranjar maneira de promover políticas sustentáveis sem sacrificar algumas das profissões tradicionais que mais são prejudicadas pela necessidade de transição. Neste momento, diz o candidato, o setor ambiental está transformado num “negócio das grandes empresas, que vão desenvolvendo a sua atividade com as consequências que estão à vista e o sacrifício de mais de metade da frota pesqueira”.

Na ria Formosa, os problemas são claros: além da poluição da água, o Algarve sofre também de um problema de sobrepesca que tem obrigado a políticas mais restritivas para o setor. As medidas, logicamente, não convencem os pescadores.

Para Raimundo Pedro, a razão está noutro lado: no turismo. “Não somos técnicos, não somos biólogos, mas também não somos parvos. Há qualquer coisa que não bate certo”, desabafa. “Esta interdição há de ter outros interesses por trás”, comenta João Oliveira. “O turismo é o grande problema”, responde o pescador. “Querem fazer hotéis, eles que façam, mas não se menospreze os setores tradicionais da nossa terra. O marisqueio, as pescas, as conservas. Tem de haver um equilibrio”. No fim, um lamento: “A terra de Olhão era uma terra rica, agora está como está, um bocado mais pobre”.

Raimundo queixa-se ainda da exclusão dos trabalhadores nas alturas das decisões e da falta de vontade política de seguir outro caminho. João Oliveira ouve atentamente, sabendo que encontrou neste pequeno barco mais um exemplo do que tem repetido ao longo da campanha: para quase todos os problemas no país, há uma decisão tomada em Bruxelas que a explica. Neste caso, é a política comum das pescas, que pretende “garantir que as atividades da pesca e da aquicultura sejam ambientalmente sustentáveis a longo prazo”, a estar debaixo de fogo.

No final da visita, as conclusões são óbvias para o candidato da CDU às europeias: é preciso garantir no Parlamento Europeu uma política que garanta apoios “à pequena pesca artesanal e costeira”, para que a pesca ambientalmente sustentável possa ser apoiada do ponto de vista do desenvolvimento económico”.

Por agora, numa região em que a indústria é parte central da coesão económica e até social, quem vive das pescas, dos viveiros e do “marisqueio” — termo cunhado na ria Formosa — vai-se sentindo do outro lado da luta pela preservação do ambiente.