A Covid-19 causa perda de massa cinzenta em várias partes do cérebro, pode comprometer a memória olfativa a longo prazo e contribuir para desenvolver Alzheimer. Estas foram três das conclusões de um estudo científico realizado por especialistas da Universidade de Oxford (ainda não submetido ao processo de revisão pelos pares) e partilhado no portal medRxiv, que aponta mais duas possíveis sequelas da doença.
Os resultados mostram que é o hemisfério esquerdo do cérebro o mais afetado pela Covid-19, havendo uma “grande redução” de massa cinzenta (quer em termos de volume, quer em espessura) — principalmente no giro para-hipocampal, no córtex orbitofrontal e na ínsula, que pertencem ao sistema límbico, parte do cérebro onde costumam estar armazenadas as memórias do olfato, do paladar e também as recordações emocionais.
O estudo assinala também que os doentes que estiveram hospitalizados e aqueles que não necessitaram de cuidados médicos “mostram um padrão similar das regiões cerebrais olfativas e relacionadas à memória” após a Covid-19, o que significa que esta sequela afeta igualmente aqueles que desenvolveram quadros ligeiros da doença.
Para além de terem sido detetadas perdas na função olfativa e gustativa, a análise identificou “anormalidades consistentes” numa parte do cérebro “envolvida no apoio à memória de eventos, também conhecida como córtex perirrinal”. Isto pode causar problemas a estabelecer uma “ordem temporal” nos eventos da vida de uma pessoa, o que, combinado com as falhas no olfato, pode resultar num impacto significativo no “aspeto emocional da memória olfativa”.
Mas mais de que este impacto, o estudo realça que “a natureza límbica das regiões do sistema olfativo e sua proximidade física com o hipocampo em particular” pode levantar a “possibilidade de uma das consequências de longo prazo da infeção por SARS-CoV-2 ser a contribuição para a doença de Alzheimer ou outras formas de demência”. Os especialistas garantem, contudo, que este aspeto ainda precisa de ser investigado “com maior profundidade”.
O estudo científico contou com uma amostra de 782 participantes, 394 dos quais tiveram Covid-19 (15 destes estiveram hospitalizados). A equipa de especialistas comparou, com a ajuda da Biobank — a maior base de dados genéticos britânica –, imagens do cérebro (conseguidas através de ressonâncias magnéticas) de quem teve a doença e de quem não teve (o chamado grupo de controlo), para além de ter feito a comparação de fotografias daqueles que tiveram Covid-19 antes e depois da infeção.
As conclusões do estudo estão em linha com o que alguns especialistas já tinham vindo a defender, ou seja, que haverá consequências para o cérebro. Em janeiro, Isabel Luzeiro, presidente da Sociedade Portuguesa da Neurologia, alertou em declarações à rádio Observador que a Covid-19 parece ser o “vírus que mais atinge o cérebro”. Sobre as sequelas, a especialista apontava que pode existir uma “lentificação do cerébro”, “crises epilépticas” e também referiu que a SARS-CoV-2 pode levar a um “aumento de doenças neurodegenerativas”.
E este não é o primeiro estudo que aponta para sequelas no cérebro. No Brasil, uma equipa de investigadores concluiu que a Covid-19 pode promover alterações significativas na estrutura do córtex e levar à morte de neurónios, mesmo em pessoas que tenham sintomas leves e que não tenham necessitado de tratamento hospitalar.
Covid-19. Estudo brasileiro indica que vírus pode afetar cérebro e causar alterações
Os nossos dados suportam o modelo em que o SARS-CoV-2 atinge o cérebro, infeta astrócitos e desencadeia mudanças neuropatológicas que contribuem para as alterações estruturais e funcionais no cérebro de pacientes com Covid-19″, lê-se no texto.
Dores de cabeça, alterações do paladar e diminuição da concentração
Os pacientes com Covid-19 têm manifestado diversos sintomas ao nível neurológico. Ainda que o estudo agora tornado público não tenha sido ainda revisto pelos pares, Andreia Costa, neurologista do Hospital São João, explica ao Observador que os efeitos da Covid são, de facto “muitos vastos” e vão desde dificuldades de concentração a dores de cabeça.
As diferenças no paladar e no olfato são das queixas mais reportadas pelos doentes da neurologista, mas também “existem muitos sintomas pouco específicos em termos cognitivos”. “Muitos pacientes queixam-se de dificuldades na concentração, em manterem a atenção, em reterem eventos na memória, apresentam dificuldades no multitasking e também uma espécie de brain fog“, isto é, uma espécie de névoa que turva os pensamentos. “Estas alterações parecem perdurar no tempo”, frisa.
As dores de cabeça também fazem parte das sequelas e são “mais intensas e frequentes” nos pacientes que tiveram Covid. Andreia Costa sublinha ainda que se tem registado um aumento de doenças “neuropsiquiátricas“, como “ansiedade e depressão”, sendo que as pessoas que sofriam destas patologias têm mais probabilidade de virem a desenvolver quadros mais severos da doença no futuro. Nos doentes internados, tem-se registado o “stress pós-Unidades Cuidados Intensivos”, uma espécie de “stress pós-traumático”, que obriga a um tratamento mais aprofundado.
Muitos dos quadros clínicos de vários pacientes que tiveram Covid-19 não estão a evoluir positivamente, apesar do acompanhamento médico: “O que fazemos é com base no que sabemos, mas temos percebido que em alguns doentes os tratamentos não são suficientes”. Andreia Costa espera, no entanto, que com “o tempo” haja “mais informações sobre como se deve agir”.