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As equipas de Boris Johnson e Ursula von der Leyen terão de se entender até ao final de dezembro de 2020
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As equipas de Boris Johnson e Ursula von der Leyen terão de se entender até ao final de dezembro de 2020

PA Images via Getty Images

As equipas de Boris Johnson e Ursula von der Leyen terão de se entender até ao final de dezembro de 2020

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Chegou o Brexit. 6 respostas para entender o que muda — e o que ainda pode correr mal

Eurodeputados sem emprego, passaportes azuis e moedas comemorativas são as novidades. Mas, se as negociações falharem, pode mesmo vir aí uma saída sem acordo.

Foram três anos que mais pareceram 30. Deadlines riscados, reviravoltas de última hora, negociações noite dentro, discursos inflamados, moções de censura, demissões, eleições. No processo que o Reino Unido atravessou desde o referendo, em junho de 2016, até à concretização efetiva do Brexit, parece que passou uma vida. Mas a verdade é que o dia chegou e, nesta sexta-feira, os britânicos passarão a estar oficialmente fora da União Europeia (UE) que ajudaram a construir. Ao fim de 47 anos, é tempo de dizer bye bye.

Mas enganam-se os que pensam que isso significa o corte total e definitivo de todas as ligações à Europa. Neste dia 31 de janeiro, é dado o primeiro passo para atravessar a porta que foi aberta com o referendo — mas o caminho está longe de estar concluído. Ao longo de todo o ano de 2020, o governo de Boris Johnson e a Comissão Europeia de Ursula von der Leyen terão de negociar a nova relação futura que britânicos e europeus passarão a ter daqui para a frente. Uma negociação que promete ser ainda mais dura do que a inicial, sobre o Acordo de Saída.

Ao longo de todo o ano de 2020 não haverá qualquer alteração para quem quer viajar para o Reino Unido

NurPhoto via Getty Images

Porquê então esta sensação de alívio que atravessa todos aqueles que já não podiam ouvir mais falar em palavrões como backstop, emendas parlamentares e extensão do Artigo 50? Porque não há dúvidas de que o dia é histórico, ao tornar claro que este é um caminho agora sem retorno. E, com a maioria absoluta alcançada por Boris Johnson nas legislativas de dezembro passado, anteveem-se sessões mais calmas e previsíveis na Câmara dos Comuns.

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Mas isso não significa que tudo está bem quando acaba bem. O Reino Unido e a UE terão agora de negociar um acordo de livre comércio em tempo recorde, entender-se em temas delicados como a partilha de informações dos serviços de segurança e resolver definitivamente o problema da fronteira entre as Irlandas. Tudo isto em menos de um ano. Está confuso? Não há problema. Aqui estão algumas perguntas e respostas para ajudar a compreender o que aí vem nesta nova fase do relacionamento entre britânicos e europeus.

O que vai acontecer às 23h de sexta-feira, dia 31 de janeiro?

Quando os ponteiros do relógio marcarem exatamente as 23h no Reino Unido (e em Portugal), que correspondem à meia-noite em Bruxelas, o Reino Unido passa a estar, oficialmente, fora da UE. Isto significa que chega assim ao fim a novela de três anos e meio para efetivar o resultado eleitoral do referendo ao Brexit, realizado em junho de 2016. Na prática, a partir das 23h desta sexta-feira, o Reino Unido está fora e só pode regressar ao clube europeu se pedir para voltar a entrar.

Na prática, não haverá, porém, mudanças de maior. Porquê? Porque o Reino Unido e a UE aprovaram o chamado Acordo de Saída, depois de um ano de avanços e recuos em Westminster. Isto significa que se inicia agora um período de transição para aliviar o impacto da saída e negociar qual será a relação futura dos dois quando este período terminar, no final de 2020. Ou seja, apesar de sair formalmente e deixar de ter poder de decisão dentro da UE, os britânicos continuarão a estar dentro do mercado único e da união aduaneira europeus até ao final do ano.

Mas os eurodeputados britânicos não se despediram já esta quarta-feira?

É verdade. Isto porque, a partir desta sexta-feira, os britânicos deixam de ter poder de decisão dentro da União, por estarem oficialmente fora. Ou seja, em princípio não participarão em reuniões do Conselho da Europa (a não ser que devidamente autorizados pelos restantes membros em caso de exceção), não podem debater e votar no Parlamento Europeu e deixam de ter comissários europeus e juízes no Tribunal Europeu.

O eurodeputado eurocético Nigel Farage a abanar uma bandeira do Reino Unido na sua última sessão no Parlamento Europeu

dpa/picture alliance via Getty I

Foi por isso que, esta quarta-feira, assistimos às cenas de eurodeputados britânicos em lágrimas e outros, como Nigel Farage, exultantes. “São imagens importantes do ponto de vista simbólico”, aponta ao Observador Jill Rutter, investigadora do think tank UK in a Changing Europe, que trabalhou ao longo da vida em vários gabinetes governamentais como o do primeiro-ministro, o das Finanças e o do Ambiente. “Servem sobretudo para assinalar uma mudança política real e para marcar o início de uma nova era, com o Reino Unido fora das instituições europeias.”

Até porque, simbolicamente, não haverá cerimónia para retirar a bandeira britânica do Parlamento Europeu à meia-noite desta sexta-feira em Bruxelas. Como conta o Guardian, a bandeira será removida “sem cerimónia, em hora por confirmar”, e será depois guardada no museu Casa da História Europeia, em Bruxelas.

Em termos concretos, o que vai mudar para o cidadão comum?

“Para a maioria das pessoas e para a maioria das empresas, nada no imediato”, resume Jill Rutter.

Até ao final de 2020, a liberdade de circulação dentro da UE e do Reino Unido para cidadãos europeus e britânicos mantém-se, o que significa que todos podem continuar a entrar e a sair do Reino Unido. Os britânicos que vivem em países da UE podem continuar a usufruir de cuidados de saúde, pensões e outros benefícios sociais — e o mesmo se aplica aos europeus que vivam no Reino Unido. Não serão necessários vistos, nem controlos alfandegários, nem necessidade de obter documentação equivalente para cartas de condução.

A partir de meados de 2020, o Reino Unido passará a emitir apenas passaportes azuis

Getty Images

A face mais visível desta saída da UE estará precisamente na face de uma moeda britânica: a de 50 pence, que terá uma edição comemorativa com a data 31 de janeiro e a frase “paz, prosperidade e amizade com todas as nações”. E, para além disso, os passaportes britânicos irão gradualmente passar da cor de vinho que exibem atualmente, em linha com os restantes países da UE, para o antigo azul. Em meados de 2020, os novos passaportes a serem emitidos passam todos a ter essa cor.

O que será preciso negociar agora?

Com a saída a partir desta sexta-feira dia 31, tem início o período de transição que — caso não seja alargado, algo que o primeiro-ministro Boris Johnson se recusa para já a fazer — termina a 31 de dezembro de 2020. Assim sendo, no final do ano o Reino Unido deixa de fazer parte do mercado único de facto, quer tenha negociado alternativas, quer não tenha conseguido fazê-lo. Estamos, portanto, perante um possível cenário de no deal 2.0 se, até ao final do ano, britânicos e europeus não se entenderem sobre um novo acordo comercial e outras matérias de cooperação.

“Servem sobretudo para assinalar uma mudança política real e para marcar o início de uma nova era, com o Reino Unido fora das instituições europeias.”
Jill Rutter, do UK In a Changing Europe, sobre as imagens da despedida dos eurodeputados britânicos

“O mais importante agora é fazer as negociações avançarem. Elas só terão início, na prática, em março, quando o novo mandato da UE já estiver firme”, começa por avisar ao Observador Shanker Singham, diretor da unidade de comércio internacional do britânico Instituto de Assuntos Económicos e um conhecido analista pró-Brexit. “Podem esperar um Reino Unido que vai negociar de forma muito diferente nesta Fase 2 do que fez na Fase 1. Na Fase 2, tudo redundará no texto que estiver em cima da mesa, na forma de um abrangente Acordo de Livre Comércio, e naquilo que pode ser negociado aí. Até começar, não podemos saber de facto como é que isto vai correr ao longo do ano.”

Será precisar negociar todo um acordo comercial que definirá tarifas, quotas, regras sanitárias e alimentares e imposições ambientais. E, para além disso, o governo britânico terá de aprovar leis para regular de raiz a sua atividade em áreas como a agricultura, as pescas e a imigração daqui para a frente.

Imagem do porto de Dover, que será um dos principais pontos de controlo alfandegário no país a partir de 2021

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Michel Barnier, o responsável máximo pelas negociações do lado europeu, já deixou um aviso sobre como Bruxelas não tenciona facilitar a vida aos britânicos: “A natureza precisa dos compromissos deve ser equivalente ao âmbito e profundidade da relação futura e da ligação económica das partes”.  Mas o que quer isto dizer? Shanker Singham tenta explicar: “A maioria das negociações comerciais e do próprio sistema de comércio global assumem que há regulações diferentes [em cada país] e isto traz fricção. O objetivo é, por isso, usar o reconhecimento, adequação e equivalência dos mecanismos regulatórios sempre que possível para baixar o nível de fricção e permitir ao comércio que flua.”

A posição da UE neste tema é clara: deseja o maior alinhamento regulatório possível às suas próprias regulações, argumentando que o acesso ao mercado europeu implica o respeito pelas regras europeias. “Ultimamente, a UE tem adotado uma linguagem de acesso ao mercado em troca de harmonização regulatória”, explica Singham. “É o chamado level-playing field [uma situação em que ambos os lados competem com as mesmas regras], o que significa que o Reino Unido não deve dar subsídios às suas indústrias nem baixar os seus padrões laborais e ambientais para conseguir vantagem comercial. Isto não deve ser problemático para o Reino Unido; aquilo que é complicado de acordar é o alinhamento das regulações em si.” Ou seja, o problema será definir o que se mantém totalmente igual ao praticado dentro do mercado europeu e o que se afasta das regras europeias, com Bruxelas a tentar oferecer tarifas zero em troca de alinhamento total.

“Nenhum dos lados controla o conteúdo da relação futura dos dois, portanto a responsabilidade de limitar os danos do divórcio pertence aos dois. Os europeus devem ter cuidado e estar atentos às desvantagens de adotar uma atitude demasiado legalista, particularmente em áreas onde o envolvimento britânico beneficia a União, como a segurança e a defesa.”
Steven Blockmans, professor da Universidade de Amesterdão

E mesmo os temas que não dizem respeito a questões de livre comércio podem levantar problemas. É o caso, por exemplo, das matérias de justiça e segurança. Um exemplo simples é apontado pela BBC: a Constituição alemã prevê apenas acordos de extradição com países da UE. Irá o país alterar o documento para ter uma exceção com o Reino Unido? E no que diz respeito, por exemplo, ao combate ao terrorismo: irão os britânicos partilhar as preciosas informações recolhidas pelos seus serviços de informação com os europeus?

Steven Blockmans, professor de Relações Externas da UE na Universidade de Amesterdão, é um dos que se preocupa com isso. “A saída do Reino Unido irá enfraquecer a UE”, afirma ao Observador. “Nenhum dos lados controla o conteúdo da relação futura dos dois, portanto a responsabilidade de limitar os danos do divórcio pertence aos dois. Os europeus devem ter cuidado e estar atentos às desvantagens de adotar uma atitude demasiado legalista, particularmente em áreas onde o envolvimento britânico beneficia a União, como a segurança e a defesa.”

E as dores de cabeça não se ficarão por aqui: “Temas como a gestão do comércio entre o Reino Unido e o canal da Irlanda do Norte ou as negociações sobre as pescas serão difíceis e não há dúvida de que a maior parte do tempo da negociação será gasto aí”, avisa Singham. Jill Rutter reforça: “Não há temas fáceis”, diz a académica. “As pescas, por exemplo, não são uma grande fatia da economia britânica, mas têm uma importância simbólica, porque as comunidades piscatórias sentem que ficaram a perder com a adesão europeia e o governo tem deixado claro que o Brexit irá beneficiá-las.”

Britânicos e europeus têm de se entender até quando?

Até 31 de dezembro de 2020, o que faz com que este seja um prazo muito, mas mesmo muito apertado. A título de exemplo, o acordo de livre comércio assinado entre o Canadá e a UE demorou seis anos desde que as negociações tiveram início até ser ratificado por todos. Agora, britânicos e europeus terão menos de um ano para se entenderem.

Até julho de 2020, os britânicos podem pedir uma extensão do prazo de negociação, que pode ser de um ou dois anos. No entanto, Boris Johnson já garantiu que não pretende fazê-lo, numa estratégia negocial para conseguir cedências. O primeiro-ministro britânico já tinha tentado o mesmo dizendo que o país iria sair da UE a 31 de outubro de 2019, com ou sem acordo. O Parlamento, contudo, obrigou-o a pedir um adiamento da data de saída e Boris Johnson — que tinha dito preferir morrer numa valeta a pedir uma extensão — acabou por fazê-lo.

Michel Barnier continuará a ser o rosto responsável pelas negociações do lado de Bruxelas

POOL/AFP via Getty Images

E por que razão é este período tão curto? “Esta foi a data proposta inicialmente pela UE a Theresa May, só que ela tencionava sair em março, o que daria 21 meses para negociar. Agora só temos metade desse tempo”, resume Jill Rutter. “Mas o primeiro-ministro acredita que a UE só irá ceder se vir que há um deadline muito rígido no horizonte — e é provavelmente por isso que tem excluído pedir uma extensão. Ele pode vir a mudar de ideias, mas a UE não pode estar a contar com isso.”

É por essa razão que, preveem os especialistas, o mais certo é ambas as partes usarem este curto período de negociação para alcançar um acordo “o mais despido possível”. Na prática, britânicos e europeus deverão acertar o mínimo dos mínimos e depois deixar para o futuro outros acertos. Mas isso traz consigo muita incerteza e possíveis complicações para os dois lados.

E se britânicos e europeus falharem o prazo? O que pode acontecer?

O equivalente a uma saída do Reino Unido sem acordo, ou seja,um no deal.

Caso o país passe a funcionar apenas com base nas regras internacionais da Organização Mundial do Comércio, sem acordos pré-estabelecidos com outros países, as consequências económicas serão imprevisíveis. A doutrina divide-se entre os economistas que preveem uma catástrofe e os que consideram o país resiliente o suficiente para não só sobreviver como florescer daí para a frente.

Mais complexas ainda são as consequências que vão para lá da economia, como a da situação na Irlanda do Norte. Sem um acordo, a Irlanda do Norte passa a ter uma fronteira rígida com a República da Irlanda, o que coloca em causa o Acordo de Paz de Sexta-Feira Santa. Isso poderia levar a que o Reino Unido fosse desafiado no Tribunal Europeu de Justiça, como aponta o Institute for Government. E não só: com um passado marcado pela violência, a Irlanda do Norte poderia regressar à instabilidade.

Na Irlanda do Norte, os muros continuam erguidos: “Ninguém aqui está limpo”

Até mesmo em caso de acordo, a situação já é suficientemente tensa, como provam as recentes declarações do unionista Winston Irvine à Sky News: “Se houver algum tipo de enfraquecimento da posição constitucional da Irlanda do Norte dentro do contexto do Reino Unido [comparadas com as de Inglaterra, Escócia e País de Gales], temo que assistiremos a um possível protesto político de larga escala. E nesse contexto há sempre potencial para que isso derrape para algo mais sério.”

“Não há dúvidas de que há muitos assuntos por resolver na Irlanda do Norte”, declara ao Observador Jill Rutter. “O protocolo [que está em cima da mesa] uniu todos os partidos políticos da Irlanda do Norte, que estão contra ele. Seria bom se fosse encontrada uma forma de fazer isto resultar, para que não fosse tão grave como eles temem.”

A juntar-se a tudo isto, o Reino Unido terá ainda em mãos a questão escocesa. A região, que votou em massa contra o Brexit, tem tentado trazer o tema da independência para a luz da ribalta uma vez mais. Mas esse é um assunto que deverá ser pouco influenciado pelo que será negociado ao longo deste ano com Bruxelas pouco influencia.

A questão da fronteira entre as Irlandas promete continuar a ser uma dor de cabeça nesta fase das negociações

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Avizinha-se, por isso, um ano difícil para os britânicos. Mas não se pense que os europeus podem respirar de alívio. Por um lado, necessitam da ajuda do Reino Unido em tópicos como a segurança. Por outro, a perceção pública deste processo pode ser chave para a comunidade europeia. “Este não é o momento para a húbris. O Brexit deve servir de aviso sobre o que aconteceu quando os cidadãos veem a UE como distante, desresponsabilizada e desligada. O verdadeiro teste para a UE chegará quando vier uma nova recessão — que irá chegar — e os governos nacionais voltarem a usar a União como bode expiatório”, avisa Steven Blockmans.

“As vozes dos cidadãos e da sociedade civil têm de ser ouvidas, a alto e bom som. Caso contrário, essas vozes podem começar a pedir aos seus governos que ‘recuperem o controlo’”, diz o professor. Um piscar de olho ao slogan vencedor do referendo do Brexit, take back control, que os britânicos esperam agora por em prática.

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