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Agência Çusa

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Cientistas estimam que calor provocou 47 mil mortes na Europa em 2023. Países estão mais bem preparados, mas o corpo humano "tem limites"

Estudo, que fala em 1.432 mortes por calor em Portugal, diz que mortalidade seria 80% superior na ausência de medidas introduzidas nas últimas duas décadas. População também está mais consciente.

As altas temperaturas na Europa provocaram a morte de mais de 47 mil pessoas só em 2023, o ano mais quente de que há registo até agora. Os números foram divulgados esta segunda-feira pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), que analisou dados de 35 países europeus, incluindo Portugal, onde morreram 1.432 pessoas. Os autores do estudo destacam, no entanto, que a população está cada vez mais consciente dos perigos da exposição prolongada ao calor. Notam também que há várias medidas em vigor que já estão a fazer a diferença, estimando que as mesmas temperaturas teriam provocado no início do século uma mortalidade 80% superior à registada em 2023, mas alertam que há limites ao que é possível fazer caso as temperaturas continuem a aumentar.

Perante as temperaturas elevadas que se fazem sentir no verão, os especialistas não se cansam de recordar à população os cuidados a ter, especialmente numa altura em que os termómetros vão marcando novos valores históricos. Só no mês passado o mundo bateu o recorde do dia mais quente alguma vez registado a 22 e 23 de julho. Além disso, é “cada vez mais provável” que 2024 supere os números de 2023 e se torne o ano mais quente de sempre, segundo avisou na semana passada o programa europeu Copernicus, lembrando os “efeitos devastadores das alterações climáticas”.

“Confrontado com o calor, o nosso organismo tenta reagir e encontrar um mecanismo de compensação, mas há limites“, sublinha o cardiologista Fausto Pinto. Em quatro perguntas e respostas explicamos como o corpo humano, que segundo alguns estudos é capaz de perceber diferenças de temperatura tão pequenas quanto 0,9°.C, reage às temperaturas elevadas, quais os maiores perigos da exposição prolongada e que medidas estão a ajudar a prevenir uma maior mortalidade.

Qual o impacto das temperaturas elevadas no corpo humano?

O corpo humano é regulado para manter uma temperatura corporal interna de cerca de 37.ºC. Quando os valores nos termómetros sobem, afetando o corpo humano, este sabe como deve reagir: os vasos sanguíneos dilatam, aumenta a sudação, a tensão arterial baixa, os batimentos cardíacos aumentam e os movimentos respiratórios também. Tudo isso é fruto do trabalho do chamado sistema homeostático, que é o responsável por garantir que tudo está em equilíbrio no nosso organismo para nos mantermos vivos. “São mecanismos de compensação, mas são transitórios”, começa por enquadrar o cardiologista Fausto Pinto em declarações ao Observador.

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epa11530754 Two tourists refresh themselves in a fountain in Cordoba, southern Spain, 06 August 2023. Spain is fully immersed in the characteristic 'canicula' or dog days period, between July 15 and August 15, with temperatures hovering around 40 degrees in many places and dry and sunny weather in practically the entire country.The 'canicula' is a very hot period of the year, with temperatures hovering in Spain around 40 degrees in many places.  EPA/SALAS

SALAS/EPA

O problema, explica o cardiologista, é que os mecanismos que são postos em prática para lidar com o calor exigem do corpo humano um “grande esforço”, particularmente se estiver em causa uma exposição prolongada. “O organismo tenta adaptar-se, mas não consegue durante muito tempo. É por isso que é importante evitar estes tipos de exposições mais prolongadas, quer a temperaturas muito altas, quer a temperaturas muito baixas”, acrescenta o médico.

[Já saiu o terceiro episódio de “Um Rei na Boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro e o segundo episódio]

Os sistemas que mais sofrem quando os termómetros sobem são o cardíaco e o respiratório, que estão interligados. “As alterações respiratórias potenciam as cardíacas e vice-versa”, já tinha dito uns meses ao Observador o pneumologista Agostinho Marques, vice-presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão. O desconforto ao respirar é um dos principais problemas e é transversal às diferentes camadas da população, já que “mesmo as pessoas completamente saudáveis perdem a eficiência na respiração”, refere. É que o excesso de calor, que provoca a perda de água e sais minerais, faz com que os próprios músculos necessários à respiração se tornem menos eficazes.

Quão sensível é o ser humano às mudanças de temperatura?

Há estudos que apontam que o ser humanos é mais sensível a mudanças de temperatura do que anteriormente se pensava. É mesmo capaz de perceber diferenças de temperatura tão pequenas quanto 0,9°.C com uma grande precisão, segundo um estudo publicado na revista Scientific Reports no final de dezembro do ano passado.

"Independentemente de estarmos ou não cientes disso, somos realmente sensíveis [ao calor] a nível biológico."
Laura Battistel, Universidade de Trento

Esta conclusão foi fruto de uma investigação em que foi pedido a vários voluntários para percorrer o espaço entre duas câmaras climatizadas, que tinham uma diferença máxima de dois graus Celsius. A resposta dos participantes foi surpreendentemente precisa, já que conseguiram detetar menos de um grau de mudança de temperatura. Em muitos casos relatavam estar perante uma diferença maior do que realmente estava em causa.

“Independentemente de estarmos ou não cientes disso, somos realmente sensíveis a isso ao nível biológico“, explicou em junho deste ano Laura Battistel, uma das autoras do estudo, à National Geographic. A investigadora faz parte de uma equipa que espera compreender de forma pormenorizada como as pessoas vão sentir a mudança de um grau que seja.

Quais são os maiores perigos da exposição ao calor?

A exposição muito prolongada ao calor é muitas vezes descrita como “uma agressão para o organismo”, como se pode ler no site do Serviço Nacional de Saúde, que refere que pode provocar complicações graves para a saúde e, por vezes, “irreversíveis”. Os principais problemas, destaca, são a desidratação grave, cãibras, agravamento de doenças crónicas, esgotamento devido ao calor, insolação e, em caso extremo, a morte.

As recomendações da DGS para dias de temperaturas elevadas

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  • Procurar ambientes frescos e arejados;
  • Beber água ou sumos naturais com regularidade e mesmo que não tenha sede;
  • Evitar o consumo de bebidas quentes, alcoólicas, gaseificadas, com cafeína e ricas em açúcar;
  • Evitar a exposição direta ao sol nas horas de maior calor, nomeadamente entre as 11h e as 17h;
  • Aplicar protetor solar com fator 30 ou superior de 2 em 2 horas
  • Usar roupas leves, soltas e de cor clara e preferencialmente de algodão e utilizar chapéu e óculos de sol;
  • Evitar atividades que exijam grandes esforços físicos, como desporto e atividades no exterior;
  • Não permanecer dentro de viaturas estacionadas e expostas ao sol;
  • Fazer refeições leves e comer mais vezes ao dia;
  • Ter uma atenção especial face aos grupos de pessoas mais vulneráveis ao calor.

Os grupos com maior risco são já bem conhecidos: as crianças e os idosos. O estudo publicado pelo ISGlobal na segunda-feira é apenas mais uma prova disso, apontando que quem tem mais de 80 anos corre um risco oito vezes superior ao de pessoas em outras faixas etárias. Pessoas com doenças crónicas — nomeadamente cardiovasculares ou pulmonares — são também mais vulneráveis. “Se houver algum tipo de patologia subjacente, isso pode contribuir para as pessoas poderem desenvolver quadros de insuficiência cardíaca, de angina de peito, ataques cardíacos, AVC”, enumera Fausto Pinto.

Que medidas estão a ser eficazes para lidar com as altas temperaturas?

O estudo publicado pelo ISGlobal destaca que o número de mortes registadas em 2023 — que fica abaixo das mais de 60 mil mortes relacionadas com calor que se estimaram no ano anterior — teria sido 80% superior sem as medidas introduzidas nas últimas duas décadas para ajudar a população a adaptar-se ao aumento das temperaturas. Sem elas, acredita-se, teriam morrido 85.00o pessoas. No caso de pessoas com mais de 80 anos, o número de mortes teria duplicado — em vez de 1.102 podia chegar às 2.200.

Calor causou mais de 47 mil mortos na Europa em 2023. Em Portugal, morreram 1432 pessoas

“Os nossos resultados mostram que houve processos de adaptação social face às elevadas temperaturas durante este século que reduziram drasticamente a vulnerabilidade associada ao calor e a carga de mortalidade dos verões recentes, especialmente entre os idosos”, sublinhou Elisa Gallo, a autora principal do estudo, citada em comunicado.

A investigadora mencionou, por exemplo, as melhorias no comportamento individual das pessoas face ao calor. “Há uma adaptação que tem a ver com o comportamento da população. Durante a onda de calor de 2003 as pessoas não estavam adaptadas, não sabiam como se comportar. Agora estamos muito mais acostumados com esses níveis e sabemos o que fazer”, apontou.

"É preciso ter em conta que os limites inerentes à fisiologia humana e à estrutura social vão impor um limite ao potencial de adaptação futura."
Joan Ballester Claramunt, European Research Council

Elisa Gallo destacou também a importância de medidas de saúde pública, como os planos de prevenção implementados após o verão recorde de 2003. “Há melhorias nos procedimentos sanitários, no isolamento dos pisos, há sistemas de alerta [que foram criados a partir de 2003], uma melhoria no planeamento urbano e nos espaços verdes, que limitam o efeito de ilha de calor que se cria dentro das cidades”, indicou.

Ainda assim, a equipa lembra que há limites para o que é possível fazer caso as temperaturas continuem a aumentar. “É preciso ter em conta que os limites inerentes à fisiologia humana e à estrutura social vão impor um limite ao potencial de adaptação futura”, sublinhou Joan Ballester Claramunt, do European Research Council.

“Há uma necessidade urgente de implementar estratégias que visem reduzir ainda mais a carga de mortalidade dos próximos verões mais quentes, assim como assegurar uma monitorização mais abrangente dos impactos das mudanças climáticas nas populações vulneráveis”, acrescentou.

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