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MÁRIO CRUZ/LUSA

MÁRIO CRUZ/LUSA

Cinco perguntas para perceber o que se passa com os processos de Rendeiro

Nos próximos dias uma juíza ouve a mulher de João Rendeiro para saber do paradeiros das obras de arte desaparecidas e um juiz decide se o outro processo é definitivo.

O antigo banqueiro João Rendeiro está escondido em parte incerta e já informou as autoridades que não pretende regressar a Portugal, mas no país que deixou com três processos-crime pendentes o seu nome continua a suscitar na justiça requerimentos atrás de requerimentos.

Primeiro foi o processo que ditou o seu primeiro mandado de detenção a levar a Polícia Judiciária a bater à porta da casa de Rendeiro, uma vivenda de luxo na Quinta do Patino, em Alcabideche, onde ainda permanece a mulher do antigo banqueiro. Desta busca seguiu-se uma odisseia de requerimentos, dado o receio de poder ter desaparecido parte dos bens confiscados pelo Estado há quase uma década e que ajudariam a ressarcir os lesados do BES. Maria de Jesus Rendeiro terá que justificar até o final desta segunda-feira o que aconteceu a quinze das obras e na sexta-feira deverá apresentar-se presencialmente à juíza.

Mas há ainda outro processo, que se julgava findo e que acabou por suscitar um segundo mandado de detenção internacional, que também teve uma reviravolta. Neste caso foi a defesa do coarguido de Rendeiro, Paulo Guichard a suscitar ao Supremo Tribunal de Justiça uma apreciação sobre o caso na sequência da sua detenção. A decisão, que concluiu que o processo ainda não tinha transitado julgado, provocou mais uma requerimento por parte da defesa.

Confuso com tudo o que se está a passar com este caso? Então leias as próximas cinco respostas.

Afinal quantos mandados de detenção tem João Rendeiro?

Tem dois. O primeiro mandado relacionado com o chamado processo dos prémios, no qual João Rendeiro foi condenado em maio último a uma pena de 10 anos de prisão efetiva por fraude fiscal qualificada. Neste caso, João Rendeiro foi formalmente acusado em janeiro de 2016. Um ano depois, ele e os outros arguidos foram pronunciados por fraude fiscal qualificada. Em causa estiveram prémios na ordem dos 30 milhões de euros que os administradores terão atribuído a si próprios.

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O julgamento deste caso era para ter tido início em janeiro de 2020, mas acabou por ser adiado e começar em março. O acórdão seria lido em maio de 2021 com Rendeiro condenado a uma pena de dez anos em cúmulo jurídico pelos vários crimes. Pela complexidade do processo, o prazo para recorrer foi alargado.

O recurso de Guichard no processo em que Rendeiro foi condenado a dez anos de cadeia ainda nem entrou no Tribunal Constitucional

Desde a fase de inquérito deste caso, tanto Rendeiro como os restantes arguidos estavam em liberdade com termo de identidade e residência, a medida de coação menos grave. A 19 de julho, porém, o arguido informou o processo de que estaria na Costa Risca entre 15 de julho e 21 de agosto, podendo ser contactado através da representação consular. A 13 de setembro deu nota de nova ausência, desta vez para o Reino Unido, fornecendo como morada a da embaixada. Dez dias depois a juíza Tânia Loureiro Gomes notificou o arguido para em 48 goras dar a sua real morada e dizer onde se encontrava. Marcou também um dia para o ouvir presencialmente para eventualmente lhe aplicar uma medida de coação mais grave.

Mas a 29 de setembro, o arguido informava, através da sua advogada, e o mundo, através do seu blogue, de que não pretendia regressar a Portugal. Perante a informação, foram emitidos mandados de buscas com a colaboração da Europol e da Interpol.

Um dos mandados destina-se, assim, a cumprir a prisão preventiva que foi decretada pela juíza Tânia Loureiro Gomes por Rendeiro não ter comparecido no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no dia 1 de outubro para discutir a alteração da medida de coação.

Já o segundo mandado de captura foi emitido no chamado processo da falsificação da contabilidade. Neste caso foi o juiz Nuno Dias Costa quem decretou o trânsito em julgado dos autos e emitiu o mandado de captura para que Rendeiro fosse detido para cumprir a pena de prisão de cinco anos e oito meses.

E é este segundo processo que a defesa quer que seja considerado não definitivo?

Sim. Trata-se do processo 7447/08.2TDLSB, que é precisamente sobre a falsificação de faturação do BPP para ocultar os seus prejuízos. A primeira decisão data de 15 de outubro de 2018, que condenou João Rendeiro e o seu braço direito Paulo Guichard a uma pena suspensa. Esta decisão foi depois alterada pela Relação, motivando o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça — que em janeiro deste ano de 2021 decidiu que a pena única de prisão por cinco anos e 8 meses aplicada a Rendeiro, por falsidade informática e falsificação de documentos, se mostrava “justa, adequada e proporcional, sendo, por isso, de manter”. Já quanto a Guichard, condenado a quatro anos e oito meses pela Relação, os juízes do Supremo entenderam que esta pena não lhe permitia recorrer para um tribunal superior.

João Rendeiro condenado a 5 anos e 8 meses de prisão efetiva

Em julho a defesa de Guichard recorria então para o Tribunal Constitucional, alegando que o seu cliente tinha sido condenado duplamente pelo mesmo: uma vez por via do processo contraordenacional, outra pelo penal. Quase dois meses depois, a 13 de setembro, a defesa de Rendeiro fazia chegar ao Constitucional um requerimento a lembrar que um recurso interposto por um interessado aproveita aos restantes e tem efeito suspensivo, “pedindo a extensão do mesmo efeito ao ora requerente”.

Mas, 18 de setembro era certificado o trânsito em julgado da decisão do Supremo, ou seja, o acórdão tornava-se definitivo. Por isso, logo após Rendeiro ter sido alvo de um mandado de detenção europeu e internacional por ter comunicado a outro processo que não pretendia regressar a Portugal, foi-lhe emitido um segundo mandado em seu nome à ordem deste processo.

Perante a possibilidade de ser considerado o segundo fugitivo do processo, a defesa de Paulo Guichard — que informou o tribunal que estava no Brasil — disse que o arguido regressaria a Portugal e que estava disponível para entregar o seu passaporte mal chegasse.

“Perante o enorme abalo social provocado pela fuga do arguido João Rendeiro (ex-presidente do BPP) e as suspeições públicas que de imediato se fizeram sentir sobre o risco de ser o próximo arguido deste processo a subtrair-se à ação da Justiça, é intenção do arguido Paulo Guichard passar novamente a residir em Portugal”, lia-se n requerimento.

No entanto, Guichard seria detido ao chegar ao aeroporto do Porto. O advogado Nuno Brandão interpôs um pedido de habeas corpus, considerando a detenção ilegal explicando que o seu recurso para o Constitucional ainda não tinha sido apreciado, logo a decisão da sua pena não era definitiva e não podia ser preso por isso. O Supremo Tribunal deu-lhe razão e Guichard foi libertado.

A defesa de Rendeiro aproveitando a decisão decidiu então enviar um requerimento ao processo para que Rendeiro gozasse das mesmas condições do seu número 2 no BPP. Perante o pedido, o Ministério Público considerou haver dúvidas e sugeriu ao juiz que pedisse ao Tribunal da Relação de Lisboa uma posição. Até agora o juiz ainda não se pronunciou sobre esta questão. Se decidir enviar o caso para o tribunal superior, não há um prazo previsto na lei para este tribunal se pronunciar, no entanto, fontes ouvidas pelo Observador não consideram a questão complexa.

O recurso de Guichard também ainda não subiu para o Constitucional. Ao que o Observador apurou ainda está a decorrer o prazo para o Ministério Público e o assistente no processo, neste caso o BPP, se pronunciarem. E não existe na lei um prazo legal para, depois, o Constitucional se pronunciar. Por isso o caso ainda está longe de se tornar definitivo.

Então Rendeiro continua a ser fugitivo mesmo que o Tribunal da Relação decida revogar o mandado de detenção?

Sim. Porque continua sem estar cumprida a ordem da juíza Tânia Loureiro Gomes. Significa que se tiver fugido para algum país que tenha acordo de extradição com Portugal, poderá ser detido e entregue a Portugal. No entanto as autoridades suspeitam que esteja num paraíso fiscal , como o Belize, onde até tinha algumas contas, ou num qualquer outro sem acordo. Ainda assim, segundo Joaquim Pereira, diretor da Unidade de Cooperação Internacional da Polícia Judiciária, não está impune.

“Portugal pode estar durante 50 anos sem ter uma relação muito próxima a este nível, por exemplo, com o Belize, mas de repente ter essa necessidade e tentar uma aproximação. E pode, havendo depois uma equiparação mínima de legislação e de princípios, como o princípio da reciprocidade e a prestação de certo tipo de garantias, ser perfeitamente possível concretizar-se.”

Extradições atingiram já o total de 2020. “É cada vez mais difícil fugir sem ser apanhado”

E mesmo quando a extradição não é possível, há sempre outros mecanismos, como a transferência do processo ou da condenação para cumprimento no país onde está o condenado. Estas transferências, diz, também dependem do nível de relações diplomáticas que os Estados têm.

Mesmo que o Tribunal entenda que um dos mandados de detenção de que Rendeiro é alvo deve ser regovado, ele continua com outro pendente. 

Porque é que a mulher de Rendeiro agora tem que ir a tribunal?

Depois de perceber que João Rendeiro dificilmente regressaria a Portugal, a juíza Tânia Loureiro Gomes  decidiu mandar a PJ ir à casa do arguido na Quinta do Patino, em Alcabideche, para perceber se as 124 obras que ali tinham sido apreendidas dez anos antes (embora entregues à sua mulher como fiel depositária) ali permaneciam. O documento entregue pela PJ à juíza, porém, dava conta de que 15 das obras listadas não estavam no local e que duas teriam sido falsificadas.

Num segundo processo de Rendeiro, a sua mulher terá que explicar à juíza onde estão as 15 obras desaparecidas. Defesa vai alegar que lista inicial tinha erros.

Maria Jesus Rendeiro ficou como fiel depositária das obras sendo informada de que não poderia “transportar, alienar, onerar a qualquer título os referidos objetos” sob pena de incorrer nos crimes de descaminho e desobediência. E é nesses crimes que agora Maria de Jesus Rendeiro incorre. O tribunal ainda deu alguns dias à mulher para localizar as obras, a defesa pediu mais tempo e tem agora até ao final desta segunda-feira para dizer onde estão. Ao que o Observador apurou junto de fonte próxima do processo, grande parte dessas obras nunca vão ser localizadas. E, em sua defesa, Maria Rendeiro vai apontar o dedo ao levantamento feito à data pela Polícia Judiciária, que não terá sido preciso e poderá ter erros.

Descaminho. Mulher de Rendeiro pode ser processada por ter retirado obras de arte de casa

Além de clarificar onde estão as obras, a juíza determinou ainda que fosse levantada uma certidão para o Ministério Público abrir um processo pelo crime de descaminho e notificou a mulher do banqueiro para comparecer esta sexta-feira no tribunal para prestar esclarecimentos adicionais. Até agora, a Procuradoria Geral da República ainda não confirmou se o processo de descaminho foi aberto e se, eventualmente, Maria de Jesus Rendeiro foi constituída arguida. A audiência de sexta-feira será fundamental.

Além destes dois processos, há mais algum processo pendente?

Sim, há um terceiro processo, cuja acusação contra três arguidos (Rendeiro, Guichard, e Salvador Fezas Vital) foi proferida em 8 de julho de 2020 pelo crime de burla qualificada. O julgamento terminou em novembro e o acórdão foi lido quase um ano depois, por motivos de agenda e por causa da pandemia. Neste processo Guichard foi condenado a três anos de prisão, Rendeiro a três anos e seis meses e e Fezas Vital a dois anos e meio. Todos eles foram obrigados a pagar 225 mil euros, por danos patrimoniais ao assistente Júlio Francisco Magalhães e 10 mil euros por danos não patrimoniais. Rendeiro ainda não foi notificado desta decisão. Ainda corre o prazo para os recursos.

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