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Primeiro, a maior ofensiva israelita lançada sobre Cisjordânia nos últimos anos (em Jenin), e que provocou, até agora, pelos menos onze mortos, incluindo crianças.
Depois, um ataque no centro de Telavive, já reivindicado pelo Hamas, e que terá sido a resposta à ofensiva lançada por Israel em Jenin. O atropelamento, seguido de esfaqueamento, fez vários feridos.
Já não restam dúvidas de que está a crescer novamente a tensão entre Israel e Palestina. O Observador explica ao detalhe o que aconteceu nos últimos dois dias, numa altura em que a violência poderá “escalar”, nas palavras da professora Maria João Tomás, especialista em assuntos do Médio Oriente. Enquanto os EUA apoiam a incursão musculada de Israel na Cisjordânia, a União Europeia pede respeito pelo direito humanitário internacional.
O que se sabe do ataque em Telavive?
Um palestiniano, que conduzia um carro na zona nordeste de Telavive, atropelou e feriu várias pessoas esta terça-feira de manhã. Depois de abalroar quem andava na rua, o atacante saiu do carro e esfaqueou uma das vítimas no pescoço. Foi um civil, armado, que acabou por parar o atacante, alvejando mortalmente o atacante, avança o Jerusalem Post.
Os paramédicos chegaram rapidamente ao local para tratar os feridos, que foram depois transportados para o Centro Médico Rabin, em Petah Tikva, e o Hospital Ichilov, em Telavive. Três dos oito feridos estão em estado considerado grave, entre eles uma mulher de 46 anos. Um das vítimas em estado crítico sofreu várias lesões que exigiram uma intervenção multisistémica complexa, diz a imprensa israelita, adiantando que outro dos feridos graves está a ser operado a lesões sofridas no estômago e no ombro.
Um vídeo mostra o momento em que o atacante atinge as pessoas que circulavam no passeio e numa ciclovia junto a um centro comercial, dirigindo-se de seguida para um restaurante onde estavam várias pessoas.
תיעוד הפיגוע בתל אביב: דורס, יוצא דרך חלון הרכב ומתחיל במסע דקירות pic.twitter.com/hWehOrdkMJ
— כאן חדשות (@kann_news) July 4, 2023
A polícia local identificou já o atacante. Trata-se de um palestiniano, Abed al-Wahab Khalaila, na casa dos 20 anos, residente da região de Hebron, na Cisjordânia. Terá agido e sozinho e não tinha, ao contrário da informação veiculada inicialmente, autorização para entrar em Israel.
O governo israelita apressou-se a mostrar solidariedade com as vítimas do ataque. O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, considerado um nacionalista de extrema-direita, desejou uma “rápida recuperação aos feridos” e enviou “um caloroso abraço às famílias”, ao mesmo tempo que felicitou o “corajoso cidadão que neutralizou o terrorista, impediu a continuação do incidente e salvou vidas”, nota o Jerusalem Post. Ben-Gvir aproveitou o ataque para voltar a defender o direito ao porte de armas em Israel.
Ataque em Israel foi resposta à ofensiva israelita na Cisjordânia?
Tudo indica que sim. A polícia israelita está a tratar o caso como um ataque terrorista e o Hamas (milícia palestiniana, considerada terrorista por Israel) já reivindicou o ataque. O porta-voz do Hamas, Hazem Qassem, classificou o atropelamento, seguido de esfaqueamento, como um “ataque heroico aos crimes da ocupação contra o povo em Jenin”. O Hamas alerta ainda que esta foi apenas a primeira resposta à ofensiva que Israel lançou no norte da Cisjordânia, na noite desta segunda-feira. “A ocupação [Israel] pagará o preço por crimes contra Jenin”, disse Qassem.
Ofensiva em Jenin: operação antiterrorista ou massacre?
Na véspera da ação do ataque de Khalaila, as forças armadas israelitas tinha lançado uma ofensiva no campo de refugiados de Jenin, na zona norte da Cisjordânia ocupada. Pelo menos 11 palestinianos morreram (entre eles estão duas crianças) e mais de 100 ficaram feridos, 20 deles em estado grave, segundo o último balanço das autoridades palestinianas.
Três das mortes aconteceram durante os primeiros ataques, com recurso a drones. Cinco das vítimas mortais, todos jovens, eram membros da milícias Hamas e Jihad islâmica palestiniana. Fazem parte de uma nova geração de resistência à ocupação israelita da Cisjordânia. A Reuters escreve que ainda não é certo se os restantes cinco mortos — homens com idades compreendidas entre os 17 e os 23 — eram combatentes ou civis.
A operação militar de larga escala realizou-se por terra, mas também com recurso a meios aéreos, e foi concentrada no centro de comando da Brigada de Jenin, que reúne todas as milícias que combatem as tropas israelitas na Cisjordânia ocupada, entre elas o Hamas e Jihad islâmica palestiniana. Um porta-voz do exército israelita explicou que o centro era também utilizado como ponto de observação, coordenação e planeamento, depósito de armas e explosivos e esconderijo de outros membros das milícias envolvidos em ataques contras as forças israelitas nos últimos meses.
“Como parte de um extenso esforço antiterrorista na Judeia e Samaria [Cisjordânia], as forças de segurança atacaram um centro de operações, que servia como centro de comando operacional conjunto da Brigada Jenin no campo de refugiados de Jenin”, disse o mesmo porta-voz, admitindo que o local estava rodeado por instalações da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados palestinianos no Médio Oriente (UNRWA).
O objetivo de Israel é a apreensão de armas e a destruição “da mentalidade de refúgio seguro do acampamento, que se tornou um ninho de vespas”, nas palavras de um porta-voz do exército de Israel. No último ano e meio, cerca de 50 ataques contra israelitas terão sido cometidos por palestinianos de Jenin, o que terá motivado esta ofensiva. Ainda esta segunda-feira, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, classificou a zona de Jenin, onde o seu exército interveio, como um “ninho de terroristas” e garantiu que a operação estava a ser conduzida “com o mínimo de ferimentos” provocados em civis.
Video footage shows dozens of military vehicles entering Jenin refugee camp in the occupied West Bank as Israeli forces launched another major raid, killing several Palestinians ⤵️ pic.twitter.com/YPLF1FYq7u
— Al Jazeera English (@AJEnglish) July 3, 2023
Na sequência da ofensiva, que envolveu dezenas de tanques e ataques com mísseis, três mil palestinianos fugiram das suas casas no campo de refugiados de Jenin, tendo sido acolhidos em escolas e outros abrigos, segundo o vice-governador da cidade Jenin, Kamal Abu al-Roub. Assim que começaram os ataques, o diretor do Crescente Vermelho Palestiniano em Jenin disse à agência AFP que várias casas e locais tinham sido bombardeados.
Cerca de 120 pessoas foram detidas, muitas delas dentro de casa, pelas forças israelitas — que admitem que a operação pode durar vários dias. As forças israelitas permitiram que “todas as mulheres e crianças saíssem do campo por sua própria iniciativa”, esclareceu o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Daniel Hagari. Na tarde desta terça-feira, a operação ainda decorria, com as tropas israelitas a procurarem membros de grupos armados.
As forças israelitas, incomparavelmente melhor armadas e preparadas do que os membros das milícias palestinianas, enfrentaram, ainda assim, alguma resistência. Segundo a BBC, foram recebidas a tiro em muitos locais, tendo alguns civis sido apanhados no meio do fogo cruzado.
Uma parte do campo de refugiados, onde moram 18 mil pessoas, está agora sob ocupação israelita. Os militares cortaram as comunicações telefónicas e o fornecimento de eletricidade no campo, dificultando a recolha de informação sobre o que está a acontecer e impedindo o contacto com o exterior.
Enquanto Israel classifica a operação como “antiterrorista”, o primeiro-ministro palestiniano, Mohammed Shtayyeh, fala em “agressão” e promete uma resposta contra Israel. “Inocentes foram bombardeados. O nosso povo não vai ajoelhar-se e não irá render-se, e permaneceremos em confronto até que esta ocupação criminosa termine”, assegurou o chefe do governo palestiniano, citado pela BBC.
Nidal Obeidi, presidente da Câmara de Jenin, disse que o ataque foi “um verdadeiro massacre e uma tentativa de acabar com todos os aspetos da vida dentro da cidade e do acampamento”.
Já na tarde desta terça-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou “profunda preocupação” com os acontecimentos em Jenin. O porta-voz de Guterres afirmou que todas as operações militares devem ser conduzidas com total respeito pelo direito humanitário internacional.
Aumento da tensão pode levar a nova Intifada?
Aquela que é considerada já a maior operação militar no território ocupado desde a Segunda Intifada (que decorreu de 2000 a 2005, provocando 4.500 mortos nos dois lados), fez aumentar a tensão entre palestinianos e israelitas, numa altura em que o governo de Israel, uma coligação da direita moderada e da direita radical nacionalista, promete mais repressão contra os grupos armados palestinianos. Israel não exclui a hipótese de estender a operações, que começaram em Jenin, ao restante território da Cisjordânia, uma área bastante ‘esventrada’ por colonatos israelitas e onde se estima que vivam cerca de 2 milhões e 700 mil palestinianos.
Mas poderá a incursão das forças israelitas em Jenin resultar num levantamento em massa do povo palestiniano contra Israel, causando uma repressão violenta do Estado hebraico, como aconteceu no início do século? Ainda não é certo, embora estejamos ainda longe dos níveis de violência e mortes atingidos nos primeiros anos deste século. No entanto, a especialista em assuntos do Médio Oriente Maria João Tomás garante que a violência vai aumentar ainda mais. “Esta situação vai escalar em termos políticos e a nível de violência”, disse a especialista, em declarações à Rádio Observador.
Maria João Tomás explica que o aumento da tensão na Cisjordânia anterior à incursão em Jenin — que se tem traduzido em vários incidentes ao longo dos últimos meses — tem sido causado pelo aumento dos colonatos israelitas em território ocupado. “Os colonatos têm estado a aumentar, mesmo perante a condenação internacional”, sendo que “Nesses colonatos, Israel coloca judeus ultraortodoxos, bélicos, que entram em confronto com as populações locais”, realça.
“Para Netanyahu, esta escalada de violência aumenta-lhe a legitimidade no poder. É uma forma de tentar fazer esquecer a situação interna e reforçar a sua autoridade”, sublinha a especialista. A também professora de História da Universidade Autónoma de Lisboa lembra que Israel tem um “governo sionista, de extrema-direita, que tem como objetivo tornar Israel um Estado só para judeus e alargar as fronteiras de Israel para Cisjordânia, para a Faixa de Gaza e para a Jordânia”.
A violência da Cisjordânia está, para já, circunscrita a Jenin e Nablus, cerca de 40 quilómetros a sul. A Autoridade Palestiniana, que governa a Cisjordânia, é contra um regresso aos combates em grande escala.
No entanto, o Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, suspendeu a coordenação de segurança, que a Palestina mantinha com Israel — uma medida tomada sempre que existem ataques israelitas de larga escala contra áreas habitadas da Cisjordânia.
Recorde-se que houve um aumento de violência na Cisjordânia nos últimos meses. Sete palestinianos foram mortos numa incursão do exército israelita em Jenin há apenas duas semanas. A 21 de junho, dois militantes do Hamas mataram a tiro quatro israelitas perto do colonato de Eli. Noutro incidente, um palestiniano foi morto a tiro por colonos israelitas durante um tumulto em Turmusaya, também na Cisjordânia.
Segundo a contabilização da BBC, desde o início do ano mais de 140 palestinianos foram mortos por forças israelitas ou por colonos na Cisjordânia ocupada e Jerusalém Oriental, enquanto 24 israelitas foram mortos em ataques de palestinianos em Israel e na Cisjordânia. Eram todos civis, exceto um soldado em serviço e um membro das forças de segurança israelitas.
Como está a reagir a comunidade internacional à violência entre Israel e Palestina?
A Jordânia, um dos inimigos tradicionais de Israel e cujo rei admitiu já um possível confronto com o país vizinho, condenou a incursão em Jenin, referindo-se à operação como “uma clara violação do direito humanitário internacional”.
A mesma posição tem a União Europeia. O comissário europeu para Gestão de Crises e Ajuda Humanitária, Janusz Lenarčič, lembrou Israel de que o direito humanitário internacional deve ser respeitado, realçando que o uso da força em Jenin levou a perdas trágicas de vidas civis. Também o Egito condenou o “uso excessivo e indiscriminado da força” contra Jenin.
Em sentido contrário pronunciaram-se os EUA. “Apoiamos a segurança de Israel e o direito de defender seu povo contra o Hamas, a Jihad Islâmica Palestina e outros grupos terroristas”, reagiu o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, em comunicado.