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A equipa do INEM que o transportou de Santa Apolónia para o Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, chamou-lhe “Salvador”. Talvez não venha a ser o seu nome definitivo, agora que está de boa saúde e o futuro pode passar pela adoção. Mas é apropriado para um bebé que foi salvo por um sem abrigo que o ouviu chorar dentro de um caixote do lixo, neste caso concreto um ecoponto amarelo destinado ao plástico, não muito longe da discoteca Lux. A Polícia Judiciária acredita que quem o deixou ali tinha intenção de o matar e investiga o caso como uma tentativa de homicídio.
Nos últimos dez anos, apesar de ainda não ter fornecido dados estatísticos, foram vários os casos de recém-nascidos mortos pelas próprias mães — que acabaram depois nas mãos da Polícia Judiciária. A maior parte dos casos consultados pelo Observador chegou ao conhecimento das autoridades através de hospitais que trataram mulheres que ali chegaram com hemorragias compatíveis com um parto recente, mas sem os bebés — e é por isso que, no caso de Salvador, ou seja qual vier a ser o seu nome, as autoridades estão a correr os hospitais à procura de possíveis casos destes.
Noutros casos, foram familiares ou amigos que, ao tomarem conhecimento do aparecimento de um recém-nascido, associaram esse facto a mulheres que suspeitavam estar grávidas, embora elas nunca o tenham assumido. Noutros ainda, só foram descobertos porque alguém encontrou os cadáveres dos recém-nascidos.
Marcelo Rebelo de Sousa encontra-se com sem-abrigo que descobriu bebé no lixo
Neste caso, o bebé estava vivo. Mas não sobreviveria muito mais tempo não fosse o acaso de ter sido descoberto e salvo, pois não estava agasalhado e foi encontrado já em hipotermia. Marcelo Rebelo de Sousa quis agradecer ao salvador do “Salvador”. Esta quinta-feira saiu diretamente do palco da Web Summit e no caminho parou no local onde o bebé foi encontrado. Chegou à fala com o sem-abrigo que o encontrou e falou longamente com ele, mesmo consciente de que estavam em direto em frente a câmaras da CMTV, perguntando-lhe pormenores da vida e do caso. Acabaria a apresentá-lo a empreendedores da conferência tecnológica, e a dizer-lhe obrigado, não colocando fora de hipótese vir a visitar o próprio bebé, agora internado na Maternidade Alfredo da Costa, e recomendando ao sem-abrigo que também o fosse ver.
À pergunta sobre o que pode motivar alguém a deixar o bebé no lixo, o Presidente respondeu: “O desespero”. O Observador consultou as sentenças e acórdãos referentes a outros cinco casos que tiveram como desfecho a morte dos bebés pelas próprias mães. Há um padrão na forma como esconderam a gravidez e o parto. E as razões invocadas são frequentemente o moralismo dos pais ou a vergonha por serem mães solteiras.
Entrou em trabalho de parto ao lado do marido, sem ele se aperceber
Beatriz e Paulo começaram a namorar em 2001. Ela acabaria por formar-se em Linguística, pela Universidade Nova de Lisboa, para depois trabalhar como explicadora de português e inglês — trabalho que chegou a acumular com o serviço num call center. Cinco anos depois do início do namoro, decidiram ir viver juntos para um apartamento na Rinchoa, em Sintra. Um ano mais tarde ela descobriu que estava grávida. Mas manteve-se em silêncio sobre o assunto.
Segundo o acórdão da Relação de Lisboa, Beatriz manteve sempre esta sua decisão em segredo e conseguiu sempre esconder do marido e da restante família essa gravidez. Não que não tivessem notado que estava a engordar e que a sua barriga estava cada vez maior, mas ela depressa se apressou a inventar um tumor no útero que teria de ser tratado com recurso a quimioterapia.
Em meados de novembro de 2007, no entanto, era final do dia quando Beatriz começou a sentir dores. Tomou um analgésico para as aliviar e deitou-se. Ainda adormeceu, ao lado do marido, mas pela meia-noite acordou com as contrações. Estava em trabalho de parto. Sem acordar o companheiro, deslocou-se à casa de banho, fechou a porta e percebeu que as águas tinham rebentado. Agachou-se na base do duche e o parto aconteceu. Eram 3h30.
Paulo não se apercebeu de nada. Segundo explicou em tribunal, sofre de depressão e toma comprimidos fortes para dormir que lhe mantêm o sono pesado.
Logo após o bebé nascer, Beatriz ainda foi à cozinha buscar uma tesoura para cortar o cordão umbilical, depois à dispensa de onde trouxe sacos de plástico que colocou na cabeça da menina recém-nascida. Escondeu tudo dentro de mais sacos e colocou-os num armário do outro quarto da casa. Livrar-se-ia de tudo mais tarde.
A mulher voltou a deitar-se ao lado de Paulo, pensando que tudo estava prestes a terminar, mas começou a perder sangue. Desesperada acordou Paulo e pediu-lhe ajuda para a levar à casa de banho. Já sentada na sanita acabou por expelir a placenta, desmaiando de seguida. Aflito, Paulo, que pensou que as hemorragias se deviam ao tumor que Beatriz dizia ter, comunicou-lhe que iria chamar o INEM. Ela ainda tentou demovê-lo, mas acabaria por desmaiar novamente.
Beatriz foi levada para o Hospital Amadora-Sintra. Os bombeiros que a transportaram pensavam estar a levar uma mulher com hemorragias devido a um mioma, mas os médicos que a receberam depressa fizeram outro diagnóstico: tinha acabado de ser mãe. Perguntaram-lhe, então, onde estava a criança e ela respondeu que a tinha deixado num caixote do lixo perto de casa.
O hospital contactou de imediato a PJ que ainda foi ao apartamento do casal. As autoridades procuraram o bebé nos caixotes do lixo ali perto, mas nada encontraram. Em casa havia vestígios de sangue apenas. Pelas 20h00, três horas depois de a PJ ali ter estado, Paulo acabaria por encontrar o saco com o cadáver. Telefonou de imediato à GNR, que voltou a chamar a PJ ao local. A autópsia viria a concluir que a bebé não tinha qualquer malformação e que morreu por asfixia.
Na altura Beatriz e Paulo acabaram por se separar. Só mais tarde voltaram a viver juntos, ainda antes da sentença final do caso. Segundo ele, “apesar dos factos”, perdoou Beatriz por ser “uma pessoa que não tem mau instinto, se emociona quando vê uma criança e soube sempre estar presente para o ajudar nos seus problemas” apesar de “ele nem sempre ter conseguido ajudá-la nos dela”, lê-se no acórdão.
Durante a investigação ao caso ainda se suspeitou que este bebé fosse fruto de uma relação extraconjugal, mas tal nunca chegou a ficar provado. Beatriz acabou por assumir que nunca ponderou fazer um aborto e que chegou a pensar dar o bebé para adoção. Suspeita-se que até tenha ido a Espanha para o fazer, mas tarde demais.
Já em julgamento e depois de receber acompanhamento psicológico, Beatriz assumiu que àquela data ainda acordava todos os dias a pensar no que tinha feito, sentindo um “profundo desgosto e amargura”. Apesar de no momento não ter tido qualquer sentimento ou vontade de chorar. Essa culpa foi um dos argumento usados pelo Tribunal da Relação de Lisboa para lhe baixar a pena de cadeia aplicada pelo tribunal de primeira instância de 12 para 9 anos e três meses de prisão por homicídio e profanação de cadáver. Segundo os desembargadores, não ficou provado que Beatriz tivesse tido a intenção ou tivesse premeditado a morte do bebé mal ele nascesse.
Irmã descobriu saco com cadáver e avisou a polícia
No dia em que comprou o teste de gravidez numa farmácia do Montijo percebeu logo que estava grávida. E sabia quem era o pai: um homem casado com quem passara uma noite e cuja identidade nunca revelou a ninguém, nem à polícia. A barriga foi crescendo e apesar de Ana (nome fictício) usar roupas largas, os colegas de curso começaram a suspeitar do que se passava. Mas quando lhe perguntavam se estava grávida, ela dizia que não. Alegava que os problemas de tiroide lhe faziam inchar o útero. Depois foi criando novas versões inconsistentes para justificar o seu novo físico: ora tinha um tumor na barriga, ora a doença lhe criava bolsas de água naquela zona.
Desconfiada, uma colega que sempre quis engravidar e nunca conseguiu chegou a tentar ajudá-la. Disse-lhe que podia comprar-lhe as coisas que faziam falta ao bebé e que quando ele nascesse podia eventualmente adotá-lo. Mas Ana nunca assumiu estar grávida, descreve o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa consultado pelo Observador.
Uma semana antes do dia de Páscoa daquele ano de 2009, Ana avisou então as colegas de que iria ausentar-se para uma consulta. E na noite de 8 de abril, começou a sentir as dores do parto. Manteve-se sempre no seu quarto para que a família não se apercebesse. Até ao momento em que as contrações a obrigaram a ir à casa de banho. Foi aí que, segundo o acórdão do Tribunal da Relação, o bebé nasceu. E Ana apertou-o pelo pescoço até que “desfalecesse”. Depois enrolou-o numa toalha e enfiou-o dentro de um saco de plástico que levou para o quarto e deixou junto à cómoda.
Nos dias seguintes ainda foi contactada por uma colega. Contou-lhe que estava a descansar depois de um tratamento que lhe iria resolver o problema de saúde que lhe provocara o “inchaço” na barriga.
Mas o segredo durou apenas mais 50 dias, quando a irmã de Ana entrou no quarto dela por causa do cheiro e encontrou o saco com o cadáver do bebé. Terá sido ela quem alertou as autoridades. Ana acabou condenada, depois de uma série de recursos, a 11 de outubro de 2012, a uma pena de seis anos pelo crime de homicídio.
Nos recursos enviados pela sua defesa para os tribunais superiores (Relação de Lisboa e Supremo) é traçado o seu percurso. Tinha 18 anos quando deixou a escola para ir trabalhar e terá sido por essa altura que a mãe morreu com um AVC. O pai chegou a suspeitar que estaria grávida mas mandou-a resolver “o problema”, caso contrário, terá ameaçado, expulsava-a de casa. Ana sentia “medo e vergonha” e por isso nunca contou nada a ninguém.
Os advogados de Ana ainda pediram ao tribunal que respondesse pelo crime de infanticídio e não por homicídio — o que à luz da lei permite uma pena entre um e cinco anos, desde que se perceba que o crime ocorreu sob a influência perturbadora do parto. E lembraram que enquanto decorreu o processo-crime Ana voltou a engravidar, tendo tido uma menina de quem agora cuidava e que precisava dela.
Para o Ministério Público, no entanto, desde o momento em que Ana alertou as colegas de curso para a sua ausência “formulou o propósito de se desfazer do recém nascido, matando-o após o seu nascimento”. E o facto de ter guardado o saco com o cadáver no seu quarto, onde raramente alguém entrava, mostrou que não queria ser descoberta. A falta de “amor” que a levou a cometer um crime, na perspetiva da acusação, fez com que a arguida devesse responder por um crime de homicídio qualificado e profanação de cadáver e ser condenada a uma pena superior a 15 anos de cadeia. Mas os tribunais superiores entenderam que não houve premeditação do crime e condenaram-na a uma pena de menos de metade: seis anos de prisão.
Professora matou recém nascido na casa de banho da escola onde dava aulas
O caso é de 2011, mas sete anos depois e volvidos dois julgamentos continua por resolver, porque a cada vez que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça houve ordem para repetir. A última decisão destas é de 2018, mas um ano depois ainda não há data para recomeçar o julgamento pela terceira vez. No banco dos réus, uma professora com agora 47 anos, que durante nove meses escondeu a gravidez de todos. No dia em que entrou em trabalho de parto estava na escola primária, na zona de Aveiro, onde dava aulas, e refugiou-se na casa de banho sem que alguém desse conta. Foi ali que cortou o cordão umbilical ao recém nascido que acabava de dar à luz, para depois o matar por asfixia com um saco de plástico.
Após o crime, a suspeita enfiou o saco com o cadáver do bebé na bagageira do carro, que só viria a ser descoberto pela namorada do irmão dois dias depois. A mulher tinha ido ao carro da cunhada buscar umas cadeiras de bebé quando fez o terrível achado. Ligou imediatamente ao namorado, que é polícia, e foi ele que denunciou o caso às autoridades.
O processo que envolve esta professora já chegou duas vezes ao Supremo Tribunal de Justiça, depois de condenações efetivas por homicídio e profanação de cadáver, mas os juízes que se debruçaram sobre ele mandaram sempre repetir o julgamento: era preciso saber as verdadeiras motivações do crime para perceber se estavam perante um crime de homicídio ou de infanticídio (recorde-se: o infanticídio é punível com pena mais baixa, entre um e cinco anos, só aplicável a mães que tenham tirado a vida aos seus filhos ou durante a gravidez ou logo após o parto, porque estavam verdadeiramente perturbadas).
Durante os julgamentos os psiquiatras que avaliaram a arguida não detetaram quaisquer sintomas de psicose puerperal (perturbação mental que pode ocorrer após o parto). Os especialistas que a avaliaram disseram mesmo que este episódio era uma “novidade” no quadro psicológico da arguida. Já a obstetra do hospital de Aveiro que a viu no hospital depois do parto contou em tribunal que a confrontou com o facto de ter tido aparentemente um parto antes. “Fiz várias vezes a pergunta onde estava o bebé, mas ela negou sempre. A única coisa que chamou a atenção foi uma certa apatia e um diálogo pouco emotivo”, disse a clínica, segundo os jornais que na altura noticiaram o caso.
A professora foi condenada a 13 anos de cadeia pelo tribunal de primeira instância, e o tribunal da Relação do Porto reduziu a pena para nove. Mas o Supremo Tribunal entendeu nos dois recursos de cada um dos julgamentos que “importava, portanto, saber não apenas se, em face dos novos factos apurados, o grau de culpa justificava ou não a qualificação do homicídio, mas também se a morte do recém-nascido tinha ocorrido sob a influência perturbadora do parto, o que justificava a condenação pela prática de um crime de infanticídio”. E mandou que se repetisse. O terceiro, no entanto, ainda não tem data marcada.
Depois do crime, a professora deixou de dar aulas e ficou em casa a tomar conta dos outros filhos.
Mulher teve o filho no quarto onde dormia com as irmãs. Jovens encontraram cadáver meses mais tarde
Eram 4h00 da manhã quando Mónica (nome fictício) começou a sentir contrações. O parto, percebeu, estaria para breve. Mas, como dormia no quarto com duas irmãs menores de idade, de quem tinha escondido a gravidez graças a uma cinta abdominal que tinha comprado, não encontrou outra alternativa senão aguentar as dores. O dia seguinte era domingo e, pelas 9h00 da manhã, as duas irmãs levantaram-se para ir à missa. Mónica, de 22 anos, viu ali uma janela de oportunidade para fazer o parto sem que ninguém percebesse. Apenas a mãe, com um cancro em fase terminal e acamada no quarto ao lado, estava em casa.
Foi no quarto onde as três dormiam, debaixo da cama de Mónica, que as irmãs viriam a encontrar, no final de março de 2010 — quase três meses depois do parto — um cadáver de um bebé: enrolado numa manta, dentro de uma caixa onde ela guardava calçado. A Polícia Judiciária foi chamada e o corpo foi removido e autopsiado pelo Gabinete Médico-Legal de Vila Real. A autópsia revelou que a criança tinha nascido viva e que tinha morrido por asfixia, detalha o acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
O cenário encontrado pelas irmãs e, depois, pelas autoridades, viria a ser explicado integralmente por Mónica. A mãe da criança confessou todos os crimes e as razões que a levaram a cometê-los. Explicou que queria esconder a gravidez, especialmente da mãe, porque os seus pais eram muito religiosos, conservadores e críticos face a relações sexuais fora do casamento. Mónica não queria “desiludir” a mãe — em especial, numa “fase final da sua vida” — que sofreria um “desgosto” se soubesse que a sua filha, solteira e não tendo sequer um namorado, tinha engravidado e tido uma filha.
Mónica, a trabalhar desde os 18 anos num restaurante na zona de Cinfães, começou a viver sozinha, numa casa arrendada, para ficar perto do local de trabalho. Passou também a “sair à noite com os amigos, ir a festas, divertir-se e ter relacionamentos, sem que os pais soubessem” — até porque, a saber, não aprovariam “tal tipo de comportamentos”, como explica o acórdão da Relação do Porto. Na sequência de um desses relacionamentos, descobriu que estava grávida em abril de 2009.
Embora vivesse sozinha desde os 18 anos, Mónica passava as férias e folgas na casa da sua família — como aconteceu naquele domingo. Por isso, ao perceber que ia entrar em trabalho de parto no quarto, Mónica aproveitou o facto de a família se ausentar para ir à igreja e decidiu ter a filha ali, no quarto ao lado daquele onde a mãe se encontrava acamada, sem que ninguém se apercebesse.
Só que as irmãs regressaram da missa às 10h30. Encontraram Mónica ainda deitada. O bebé ainda não tinha nascido e, por isso, a futura mãe pediu aos seus familiares que não a incomodassem durante todo o dia, dizendo-lhes que estava enjoada e com dores e que não iria conseguir fazer-lhes o almoço ou sequer almoçar. Mónica fechou, depois, à chave a porta do quarto para garantir que ninguém entrava.
Ao princípio da tarde, as dores intensificaram-se. Rebentaram-lhe as águas e Mónica entrou em trabalho de parto, em cima da sua cama. Embora nunca tivesse sido acompanhada por um médico, a bebé, do sexo feminino, nasceu sem qualquer tipo de malformações. Assim que nasceu, Mónica cortou o cordão umbilical da filha e decidiu matá-la por se sentir “extremamente ansiosa”, “sob grande tensão, “perdida” e por não querer “acima de tudo” desiludir a mãe, assim considera o acórdão da Relação do Porto.
Mónica sufocou a recém-nascida “com as mãos e com recurso a outros objetos” e enrolou-a com a manta em cima da qual tinha feito o parto. Depois, pegou na filha já cadáver e colocou-a numa caixa que tinha debaixo da sua cama com calçado.
A mulher acabou por ser condenada por um crime de homicídio e outro de profanação de cadáver a seis anos e seis meses de prisão. A arguida recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, numa tentativa de ser condenada pelo crime de infanticídio — punível por penas até cinco anos de prisão — e não de homicídio. Os juízes entenderam que os factos praticados não configuram um crime de infanticídio uma vez que não se deu como provado que Mónica tenha matado a sua filha sobre a influência perturbadora do parto. “Não se pode falar em desespero quando o agente escolhe a solução errada”, aponta o acórdão, adiantando que foi Mónica que “criou a situação geradora do estado de afecto em que ficou”.
A mãe de Mónica nunca chegou a saber que a filha tinha engravidado e tido um parto no quarto ao lado do seu: morreu no dia 3 de março daquele ano, cerca de duas semanas antes de o corpo da sua neta ter sido encontrado.
No julgamento pelo homicídio do filho, a arguida admitiu ter matado outros dois
Na manhã a seguir ao parto, a própria Luísa (nome fictício) telefonou à colega de trabalho Joana a garantir-lhe que o bebé já tinha nascido e que estava bem. Mas Joana desconfiou que fosse verdade. Até porque Luísa tinha negado, ao longo de vários meses, estar grávida. Chegou mesmo a dizer que o “inchaço” se devia a “quistos” que lhe “dilatavam” a barriga, lê-se no acórdão do Supremo Tribunal. Só o admitiu quando Joana, ao lembrar-lhe que “sabia bem o que era estar grávida”, a ameaçou que a levaria ao médico “nem que fosse amarrada”.
Luísa acabou por confessar a gravidez, mas revelou-lhe também que “não queria o bebé”, por ser mãe solteira e não ter namorado e que, por isso, o ia dar para adoção. Joana ficou preocupada e foi sempre tentando saber se a colega estava a ser acompanhada por um obstetra — o que Luísa sempre lhe garantiu. Mais: a futura mãe disse-lhe que “até já tinha encontrado um casal na cidade da Guarda disponível para ficar com o bebé”.
Quando recebeu a chamada de Luísa naquela manhã a dizer-lhe que já tinha tido o filho, Joana ligou para o hospital. De lá, informaram o contrário: de facto, Luísa estava internada naquele hospital, mas com queixas de hemorragias e sem qualquer bebé. As suspeitas da amiga tornaram-se as do hospital. Os médicos procuraram então perceber se Luísa tinha tido um parto — o que se confirmou. E o hospital depressa contactou a Polícia Judiciária para saber afinal onde estava o bebé.
A médica que assistiu Luísa, ao perceber que esta tinha tido um filho, viu-se obrigada a confrontá-la. A mãe acabou por admitir, de forma “calma” e “indiferente”, que tinha feito um parto, e que os seus pais, que se encontravam em casa, não tinham ouvido o bebé chorar, porque ela “tinha logo embrulhado a criança bem embrulhadinha”.
O bebé tinha sido deitado ao lixo. No dia 31 de agosto de 2012, por volta das 4h00 da madrugada, Luísa sofreu uma hemorragia e, poucas horas depois, começou a sentir fortes dores abdominais. Não pensou que estivesse a entrar em trabalho de parto até porque estava grávida apenas de sete meses. Tomou um medicamento para aliviar as dores. Mas nada fez efeito.
As horas foram passando e às 15h00 do mesmo dia sentiu contrações muito fortes, tendo-lhe rebentado as águas. Para que nenhum familiar se apercebesse do que se estava a passar, manteve-se no seu quarto, onde entrou em trabalho de parto. O bebé, do sexo masculino, nasceu sem malformações e com cerca de 3 kg. Luísa, apesar de ter percebido que o filho estava vivo, até porque chorou, “embrulhou-o” na toalha que tinha colocado na cama. Depois, enrolou-o integralmente numa camisola de malha — o que acabou por sufocá-lo — e colocou-o dentro de um saco de plástico. De seguida, arrumou tudo dentro do armário do seu quarto, com intuito de se livrar do cadáver mais tarde.
Luísa, a mais nova de duas irmãs, explicou aos investigadores que, quando soube que estava grávida, decidiu não o revelar a ninguém “por ser solteira” e não ter “sequer uma relação de namoro assumida com ninguém”. A mulher adiantou que tinha medo de “desiludir os pais e ser apontada como galdéria, por residir num meio pequeno”.
Quando ainda estudava, Luísa já tinha tido uma filha, de um homem dez anos mais velho do que ela, divorciado e dono de uma carpintaria localizada ao lado da escola. Após o nascimento da filha, ambos foram viver juntos, mas acabaram por terminar a relação, conflituosa, quatro anos mais tarde. O poder paternal foi atribuído ao pai e Luísa, que voltou a viver com os pais, apenas ficava com a filha aos fins-de-semana.
A mulher acabou por ser condenada por um crime de homicídio e um crime de profanação de cadáver a dez anos e quatro meses de prisão. No primeiro julgamento, houve uma surpresa. A mulher confessou que tinha matado outros dois filhos: um em abril de 2009 e outro em agosto de 2010. A defesa, argumentando que a intenção de Luísa era dar o bebé para adoção, recorreu da decisão e o Tribunal da Relação de Coimbra mandou repetir o julgamento.
O novo julgamento começou em dezembro de 2015. A juíza manteve a sentença de dez anos e 4 meses de prisão: deu como provados todos os factos já confirmados em 2014, considerando que ficou claro que Luísa “nunca teve intenção” de dar o filho para adoção.
(*Artigo corrigido no caso da professora que ainda aguarda a repetição do julgamento no Tribunal de Aveiro)