A economia portuguesa cresceu o dobro da zona euro em 2022 e vai crescer o triplo em 2023, projetou esta sexta-feira o Banco de Portugal. Apesar de uma quebra generalizada dos indicadores que compõem o Produto Interno Bruto (PIB) em relação às previsões feitas em junho, Mário Centeno garantiu que Portugal está neste momento com “crescimento baixo mas positivo” – escapando à recessão que já poderá estar em curso na zona euro – e no conjunto do próximo ano irá conseguir um crescimento de 1,5%, mais que o dobro do que estima a Comissão Europeia para o País. Porém, o Banco de Portugal admite um cenário mais adverso.
O governador do Banco de Portugal comentou, em conferência de imprensa, que “é sempre muito difícil comparar previsões” feitas por diferentes organismos – até porque trabalham com dados atualizados em datas diferentes (a previsão da Comissão Europeia, de 0,7%, foi divulgada a 11 de novembro, há mais de um mês). Porém, “há muitas coisas a acontecer na economia portuguesa que nos dão alguma garantia de que, do ponto de vista macroeconómico, esta estimativa é sustentável“, afirmou Mário Centeno.
“De acordo com os dados que temos disponíveis e com os nossos modelos, teremos níveis de crescimento muito baixos no princípio do ano. Não são crescimentos negativos, recessivos, mas são muito baixos”, começou por referir Centeno. Depois, há “uma melhoria na segunda metade do ano que, do lado das hipóteses, está muito ancorada a um alívio muito significativo, por exemplo, das restrições da oferta a nível global” – um cenário que se tornou mais realista com a recente mudança de política anti-Covid na China.
Além deste que tem sido um grande constrangimento nos últimos anos, Mário Centeno indicou, também, que no que diz respeito à guerra na Ucrânia a previsão do Banco de Portugal assume que o impacto económico da guerra irá reduzir-se na segunda metade do ano. “É verdade que Portugal tem beneficiado de um conjunto de fatores e teve um desenvolvimento interno que protege o País de alguns dos problemas, desde logo a posição geográfica“, afirmou o governador do Banco de Portugal, acrescentando: “não transportamos para a nossa projeção riscos e dificuldades que têm outros países mais próximos do conflito, mais afetados pela maior dependência energética [da Rússia] e outros fatores que Portugal não tem”.
Por outro lado, “o ciclo de subida de taxas de juro também há de terminar e, portanto, também deixamos de ter efeitos adicionais” por essa via, indicou Mário Centeno. Por outras palavras, o Banco de Portugal argumenta que parte do impacto sobre a economia advém do ajustamento rápido a um nível de taxas de juro mais elevadas – e, como é típico nestas situações, depois deste período de “ajuste”, a economia deverá ser menos penalizada pelas taxas de juro quando elas atingirem um nível mais estacionário e previsível.
Mário Centeno advogou, ainda, que nas últimas semanas surgiram “sinais que vêm da Alemanha, deste quarto trimestre, que são bastante melhores do que aqueles que constam da previsão do banco central da Alemanha”. Se esses sinais menos negativos se traduzirem em dados económicos mais positivos do que o Bundesbank ainda está a prever oficialmente, então Centeno dá a entender que a zona euro poderá crescer mais do que os 0,5% previstos pelo BCE na quinta-feira.
Quanto a Portugal, uma economia que está “em pleno emprego”, Centeno acredita que há razões para estar otimista. E algo que pode ser um fator decisivo em 2023 é saber se vão ser menores as “restrições empresariais” que se viveram em 2021 e 2022, designadamente na capacidade das empresas de conseguirem trabalhadores.
“Um setor onde isso é evidente é a hotelaria, em que 15% das camas disponíveis em Portugal estiveram fechadas este verão por não se conseguirem trabalhadores“, disse Mário Centeno. “Ou seja, se no próximo ano conseguirmos, com uma melhor preparação, abrir essas 15% de camas – que estão disponíveis, não é preciso sequer investimento”, pode vir daí um impulso importante para a economia portuguesa.
“A estimativa não incorpora esta informação mas, na verdade, há muitas coisas a acontecer na economia portuguesa que nos dão alguma garantia de que do ponto de vista macroeconómico esta estimativa é sustentável“, terminou Mário Centeno.
Consumo privado quase estagna em 2023, prevê Centeno
A nova projeção do Banco de Portugal, divulgada esta sexta-feira no Boletim Económico de Dezembro, é uma revisão em baixa face à última previsão de crescimento em 2023. Essa previsão era de 2,6%, mas foi feita em junho – pelo meio, o Banco de Portugal divulgou um boletim em outubro mas essa edição não costuma incluir previsões para o ano seguinte (por estar em apresentação o orçamento do Estado).
No boletim de outubro havia, porém, uma previsão de que em 2022 a economia crescesse 6,7% – afinal, terá sido mais uma décima, 6,8%, segundo o relatório divulgado pelo supervisor financeiro esta sexta-feira. É exatamente o dobro dos 3,4% de crescimento estimado quinta-feira pelo BCE para a economia da zona euro, para 2022.
Em 2023, o Banco de Portugal acredita que a economia portuguesa vai ser impulsionada pelo consumo público (à boleia da execução do Programa de Recuperação e Resiliência, ou PRR), que cresce 1,9% – ainda assim menos do que os 2,2% que se previam em junho. Espera-se, também, um contributo decisivo do investimento (formação bruta de capital fixo), que deverá crescer 2,9% em 2023 – também menos do que os 5% que se previam em junho.
Onde o Banco de Portugal também cortou significativamente as previsões para 2023, em comparação com junho, foi no consumo privado. O supervisor passou a prever uma quase estagnação do consumo privado no próximo ano: um aumento de apenas 0,2%, depois dos 5,9% de crescimento em 2022. Em junho antecipava-se um crescimento de 5,2% para 2022, caindo para 1,2% em 2023 – ou seja, em 2022 o consumo privado terá sido até melhor do que se previa mas a queda em 2023 será brusca.
Também as exportações vão dar um impulso menor do que se previa em junho, segundo o Banco de Portugal. O crescimento esperado em 2023 é de 4,3%, uma forte desaceleração em relação ao aumento de 17,7% em 2022 e também face à previsão de junho (que era de 5,8%).
“O crescimento será contido no primeiro semestre de 2023, num quadro de incerteza global, erosão do poder de compra, aperto das condições financeiras e enfraquecimento da procura externa”, diz o Banco de Portugal. “A partir da segunda metade de 2023, a atividade acelera, refletindo a expetativa de atenuação das tensões nos mercados energéticos, a recuperação gradual do rendimento real das famílias, uma maior absorção dos fundos europeus e a melhoria do enquadramento externo”, acrescenta o supervisor.
“Riscos descendentes para a atividade e ascendentes para a inflação”
No campo da inflação, o Banco de Portugal prevê um aumento de 5,8% nos preços em 2023, depois da inflação de 8,1% calculada para este ano. Com o Banco Central Europeu (BCE) a projetar uma inflação de 6,3% em 2023 (média ao longo do ano), também aqui o Banco de Portugal está a ser mais otimista acerca da forma como a subida dos preços vai evoluir no País.
Em junho, o supervisor financeiro previa uma inflação de 5,9% em 2022 e 2,7% em 2023, pelo que houve um agravamento muito significativo das projeções de subida dos preços. A expectativa é que em 2024 a inflação desça para 3,3% em 2024 e 2,1% em média durante 2025. “A incerteza em torno da projeção é elevada, com riscos descendentes para a atividade e ascendentes para a inflação“, reconhece o Banco de Portugal.
“É, de certo modo, um mito” haver famílias endividadas e com baixos rendimentos, diz Mário Centeno
“O principal risco decorre de repercussões mais adversas da invasão da Ucrânia, nomeadamente a possibilidade de interrupções no abastecimento de gás, levando a cortes na produção e novas subidas dos preços, bem como a uma redução da confiança”, afirma o supervisor, acrescentando que “existe, ainda, o risco de um crescimento mais forte dos salários e das margens de lucro das empresas” – sobretudo este último aspeto tem sido um “cavalo de batalha” de Mário Centeno nos últimos meses.
“A materialização destes riscos implicaria uma maior persistência das pressões inflacionistas, com impactos adversos sobre a atividade”, diz o Banco de Portugal, que voltou a sublinhar a importância de garantir que “os aumentos dos salários e das margens das empresas não geram pressões inflacionistas persistentes, com consequências negativas para a competitividade e a estabilidade macroeconómica”. “Devem evitar-se estímulos orçamentais generalizados“, salientou o relatório.
O cenário adverso admitido pelo Banco de Portugal, em que já haveria recessão
Tal como tem vindo a fazer, de forma centralizada, o staff de economistas do BCE, o Banco de Portugal também incluiu uma simulação de um “cenário mais adverso” para a economia interna e externa – um cenário em que, aí sim, a economia portuguesa enfrentaria em 2023 um ano de recessão económica.
Num cenário em que a guerra na Ucrânia se prolongasse, houvesse interrupções no fornecimento de energia à Europa e uma nova subida dos preços das matérias-primas, a par de uma redução da confiança dos agentes económicos, então o cenário central previsto pelo Banco de Portugal – um aumento de 1,5% no PIB em 2023 – estaria em risco.
A simulação do tal “cenário adverso” também inclui o risco de haver “aumentos mais pronunciados dos custos salariais e das margens das empresas em Portugal”, o que implicaria uma “maior persistência das pressões inflacionistas”. No final, o modelo apontou para um cenário em que a economia portuguesa derrapa para uma contração de 0,4% em 2023 (e mesmo em 2024 a retoma seria muito pouco robusta, com um crescimento de 0,3%).
Além de prever um desempenho muito mais negativo para a economia portuguesa, o cenário adverso admitido pelo Banco de Portugal coloca a inflação em 8% em 2023, praticamente igualando o valor de 2022. E mesmo em 2024 a subida dos preços estaria em 5,1%, duas vezes e meia o objetivo de médio prazo do BCE.
Por outro lado, se o cenário central do Banco de Portugal aponta para uma estabilização da taxa de desemprego nos 5,9% entre 2022 e 2025, nesse cenário adverso o impacto sobre os postos de trabalho seria bem mais gravoso: com a taxa de desemprego a subir gradualmente até 8% em 2025.