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O Governo está a preparar uma alteração legislativa que permite aos consumidores domésticos de gás natural regressarem à tarifa regulada. Na prática, esta mudança estende ao gás natural uma prática que já era possível na eletricidade e é, para já, a medida de mitigação dos aumentos anunciados por alguns comercializadores, como a EDP e a Galp, que podem ultrapassar os 150% — uma referência ao anúncio da EDP Comecial de subidas de 170% — a partir de outubro.
A tarifa regulada é mais barata do que o mercado liberalizado?
Sim. Desde o segundo trimestre deste ano que a escalada de preços do gás natural começou a chegar aos clientes domésticos do gás natural. O boletim de ofertas comerciais da Entidade Reguladora do Serviços Energéticos (ERSE) indica que desde abril que os preços propostos pelas comercializadoras eram mais caros que as tarifas reguladas. No boletim do terceiro trimestre, apenas a Goldenergy conseguia ter uma oferta mais barata do que a tarifa regulada, mas incluindo também o fornecimento de eletricidade e dentro de certas condições (por exemplo bi-horária).
As empresas também começaram a subir os preços cobrados aos seus clientes nos contratos já estabelecidos. A Galp, por exemplo, fez duas atualizações e prepara uma nova para outubro. A EDP Comercial manteve os preços durante um ano (desde outubro do ano passado), mas veio agora anunciar o tal aumento médio de 30 euros por mês a partir de outubro. Numa
De acordo com a indicação dada pelo ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, esta quarta-feira a tarifa regulada permite já um preço inferior ao que está a ser cobrado no mercado liberalizado. Mas a poupança será muito maior depois da anunciada revisão de preços no caso da EDP Comercial.
Aumento do gás. Famílias e pequenos negócios vão poder regressar à tarifa regulada mais barata
De acordo com a ERSE a fatura média no gás natural era da ordem dos 13 euros para um casal sem filhos no primeiro escalão de consumo, que irá subir 0,33 euros em outubro. Para a mesma tipologia de clientes, a EDP projeta um aumento de 18 euros. Para a fatura de um casal com dois filhos que esteja no segundo escalão de consumo, a fatura média de 24,11 euros sobe menos de um euro na tarifa regulada. Mas com os preços da EDP Comercial, a única empresa que revelou os valores da atualização, o aumento médio poderia chegar aos 30 euros. Ainda que os preços do contratos em vigor da EDP Comercial estejam atualmente mais baixos que a tarifa — porque não fora atualizados desde outubro de 2021 — o impacto dos aumentos anunciados irá colocar os valores muito acima do mercado regulado.
O que vai mudar no acesso dos clientes de gás natural a esta tarifa regulada?
No essencial, o Governo vai estender ao gás uma possibilidade legal que já existe na eletricidade desde 2018. Por proposta dos comunistas, a lei passou a permitir que os domésticos que tivessem abandonado a tarifa regulada para fazer um contrato com um comercializador pudessem voltar. O que antes não era possível.
Esta alteração legislativa rompeu com um dos compromissos assumidos por Portugal com a troika no memorando de assistência assinado em 2011, que vinculava o país a eliminar as tarifas reguladas até 2025, como previsto na diretiva europeia. A possibilidade existe para todos os clientes de baixa tensão no caso de não conseguirem obter a tarifa equiparada à regulada junto do seu comercializador.
No gás natural, o regresso à tarifa regulada estava limitado aos beneficiários da tarifa social, às entidades públicas com estatuto de utilidade pública e a todos os consumidores que não conseguissem obter ofertas no mercado livre ou cujo fornecedor interrompesse o serviço. Com a legislação que o Governo anunciou, a possibilidade de regresso à tarifa regulada no gás natural estende-se a todos os clientes de baixa tensão nacional, incluindo os 1,228 milhões de clientes residenciais e os 91366 pequenos negócios que estão no mercado liberalizado.
Mas este regresso está previsto apenas por um período de 12 meses e deverá entrar em vigor a partir de outubro. Até agora, apenas os consumidores abrangidos pela tarifa social para rendimentos mais baixos estavam autorizados a mudar para a tarifa regulada no caso do gás natural.
A medida do Governo é suficiente para “mitigar” os aumentos anunciados do gás?
O diploma anunciado vem criar uma margem legal que antes não existia no mercado do gás natural. Mas a sua eficácia vai depender sobretudo da proatividade dos consumidores. Caberá a eles tomarem a iniciativa de mudarem de contrato e, porventura, de comercializador de gás quando o decreto-lei estiver publicado.
As condições de regresso à tarifa regulada ainda não são totalmente conhecidas mas, segundo o ministro do Ambiente, vão abranger cerca de 1,5 milhões de consumidores (na verdade neste universo já existiam 227 mil clientes na tarifa regulada) entre famílias e pequenos negócios com consumos até 10 mil metros cúbicos por ano. Outro efeito que o anúncio do Governo poderá ter é o de suavizar aumentos por parte das comercializadoras de forma a segurar estes clientes.
Quem vai fornecer a tarifa regulada do gás?
No caso da eletricidade, o diploma prevê que as comercializadoras do mercado liberalizado possam incluir na sua oferta uma tarifa equiparada à regulada, mas na prática quase nenhum o faz. Apenas a oferece uma tarifa equiparada à regulada na eletricidade. A maioria dos consumidores da tarifa regulada da eletricidade são fornecidos pelo Serviço Universal, um operador exclusivo para este mercado que é detido pela EDP.
No caso do gás natural, há vários comercializadores de último recurso que têm uma lógica regional organizada em função das distribuidoras de gás natural. A maioria destas tarifas é atualmente abastecida pela Gás Natural CUR (comercializador de último recurso detido pela Galp), mas também há a um operador ligado à EDP (na região do Porto) e outros mais pequenos em Trás-os-Montes (Sonorgás) e Ribatejo (Tagusgás).
Porque é que a tarifa regulada está mais baixa?
O abastecimento dos clientes que estão na tarifa regulada é assegurado através do contrato de longo prazo do tipo take or pay (que obrigam a pagar mesmo que o gás não seja usado) celebrado entre a Galp Energia e a Nigéria. Este contrato que se iniciou no final dos anos de 1990, tendo sido renovado em 2020 por dez anos, tem regras de atualização de preços que permitem amortecer grandes oscilações e assegurar uma maior estabilidade. Atualmente, estes preços são muito inferiores aos contratos que os comercializadores conseguem obter nos mercados grossistas ou mesmo em contratos bilaterais de menor prazo.
De acordo com Duarte Cordeiro, o gás contratado para a tarifa regulada é suficiente para abastecer todos os 1,5 milhões de clientes que podem regressar a ela e que representam 7% do consumo total de gás e 12% das quantidades abrangidas pelos contratos com a Nigéria.
Mas a tarifa regulada não subiu já várias vezes?
Sim. As tarifas reguladas do gás natural são fixadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos para um ano e estão em vigor de outubro a outubro. Mas este ano, logo em abril foi aplicado um aumento extraordinário de 3% para acomodar a escalada do preço internacional do gás. Em julho houve outro aumento trimestral de 3,3% e a partir de outubro, na revisão das tarifas para o próximo ano, o preço para os clientes de baixa pressão (domésticos) vai saltar mais 3,9%.
Feitas as contas, a partir de outubro os clientes da tarifa regulada vão pagar 8,2% face à tarifa do ano anterior 2021/22, antes das revisões extraordinárias que já refletiram uma parte desse acréscimo. Ainda assim, será um preço inferior em cerca de metade ao aumento de mais de 150% anunciado pela EDP Comercial para os seus clientes a partir de outubro e que pode ser seguido por outros comercializadores.
Preços do gás natural para famílias no mercado regulado sobem 3,3% esta quinta-feira
Quando é que se pode mudar para a tarifa regulada?
No caso do gás natural vai ter de esperar pela publicação da legislação anunciada esta quinta-feira e que será um decreto-lei do Governo. A expectativa manifestada pelo secretário de Estado, João Galamba, é a de que o diploma esteja em vigor até outubro. Mas não é nesta altura claro se o diploma não exigirá também desenvolvimentos regulatórios e instruções do regulador para os comercializadores que podem levar mais tempo, pelo que poderão existir clientes que vão ser confrontados com os tais aumentos de 30 euros por mês, pelo menos durante um mês.
Apesar de admitir que estava já a preparar esta medida, que aliás já tinha sido pedida por vários partidos e pela associação de defesa do consumidor Deco, o Governo admitiu que antecipou o anúncio quando a EDP Comercial, a empresa com mais clientes de gás — 650 mil num universo de 1,3 milhões de consumidores do mercado liberalizado — revelou os aumentos previstos para outubro.
E o que acontece a quem tem gás e eletricidade na mesma fatura e contrato?
Não há informação sobre as condições do processo de mudança, mas o cenário mais provável é que esses clientes tenham de renovar/renegociar também os contratos de eletricidade, uma vez que contrataram uma oferta dual que passará a ser apenas de um produto. E, neste contexto, vão regressar a uma situação que existia no passado antes do mercado liberalizado: um fornecedor e uma fatura para o gás e outro fornecedor e outra fatura para a eletricidade. Sabemos que o aumento anunciado pela EDP Comercial afetava cerca de 650 mil clientes, sendo que uma boa parte terão oferta dual.
Se cliente não tiver fidelização, a mudança de comercializador de último recurso não tem custos, diz a ERSE numa resposta ao Observador. No entanto, o regulador admite que se a fidelização existir, então os eventuais custos dependem do que estiver escrito no contrato e do tempo que falta para terminar a fidelização. Nada impede que o comercializador aceite a rescisão do contrato sem custos
Uma eventual renovação das condições contratuais acontecerá num contexto de alta de preços também na eletricidade em que novos contratos estão sujeitos a pagar os custos do mecanismo ibérico de travão dos preços no mercado grossista. O ministro do Ambiente sublinhou que os consumidores podem também regressar à tarifa regulada na eletricidade se não encontrarem ofertas a preço inferior e voltou a criticar as declarações do presidente da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, que “induziram em erro os portugueses” ao promoverem a ideia de um aumento generalizado de 40%, atribuível ao mecanismo ibérico introduzido para limitar o preço do gás natural que, segundo Duarte Cordeiro, permitiu uma redução média dos preços grossistas de eletricidade em 17% face ao que se verificaria sem esse teto.
O que vai acontecer ao mercado liberalizado?
Depende de quanto tempo estiver em vigor este regresso à tarifa regulada — para já é aprovado por um ano — da evolução dos preços, mas também da forma como as comercializadoras se vão adaptar às novas condições de mercado e se têm interesse em manter estes clientes no gás. O sinal dado pelo Governo representa um retrocesso na dinâmica do mercado liberalizado que já estava a perder gás desde o ano passado, com a saída ou insolvência de várias comercializadoras, incapazes de suportar os custos da compra de eletricidade e gás aos preços contratados com os seus clientes.
Segundo o site do regulador, existiam 17 comercializadores de gás natural para clientes domésticos no mercado liberalizado de gás. Mas o grosso dos clientes estava concentrado em três empresas: a EDP, com cerca de metade, a Galp, com 23,4%, e a Goldenergy, com 11,8%. O mercado liberalizado tinha 1,324 milhões de clientes em março, dos quais 93% são clientes residenciais. Os segmentos de famílias e pequenos negócios representam apenas juntos pouco mais de 10% do consumo, pelo que o grande negócio está no fornecimento das empresas.
As medidas políticas ou regulatórias para proteger as tarifas reguladas, sobretudo na componente de energia — as que baixam as tarifas de acesso ou uso do sistema beneficiam todos os operadores — são em regra penalizadoras para as empresas que estão no negócio de venda de energia porque não conseguem fazer ofertas competitivas. A possibilidade de voltar à tarifa regulada da eletricidade ainda não resultou num regresso massivo de clientes porque as comercializadoras ainda conseguem ter algumas ofertas mais atrativas, também porque o Governo tomou mais pedidas para evitar aumentos no mercado elétrico (até em sintonia com Espanha com a criação do teto ao gás natural).
No gás natural, a maioria dos clientes já paga mais no liberalizado e vai ser confrontado com preços muito mais altos do que os disponíveis na tarifa regulada, o que é um estímulo mais forte a mudar. E já que mudam no gás podem aproveitar a boleia e voltar também para a tarifa regulada na eletricidade. Neste cenário, o rombo no mercado liberalizado será maior.
Que outras medidas foram anunciadas?
Vai ser relançado o apoio de 10 euros financiados pelo Fundo Ambiental à compra de gás de garrafa ou botija (GPL) por parte de famílias de menores rendimentos. A medida “bilha solidária” foi anunciada em abril, mas teve pouca adesão. O Governo diz que a medida ficará mais acessível com o envolvimento das freguesias e dos balcões dos CTT e com a extensão do período de vigência até ao final do ano. Há dois meses foi fixado um preço máximo para todos os clientes de gás de garrafa, uma medida que abrange dois milhões de consumidores. Questionado sobre a descida do IVA no gás natural, como outros países têm feito, Duarte Cordeiro admitiu que poderia haver mais medidas, mas considerou que a reabertura da tarifa regulada no gás natural já permite ter um impacto direto no preço.
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