Tlim, tlim.
– “Mira, llegaron 48, en cinco pateras”.
– “Onde? Onde?”
– “Cerca de Almería”.
– “Ahh”.
13h30. Hora de almoço no navio da Armada portuguesa Figueira da Foz ao largo de Málaga, hora de detenção de mais 48 imigrantes ilegais entre a costa de Granada e Almería. O general da Guardia Civil Antonio Barragán Gutiérrez recebe as atualizações por sms. Encolhe os ombros. “Son víctimas”, explica ao Observador.
A noite anterior fora dura. Tinham sido resgatados (os militares preferem usar este verbo ao deter) cerca de 300 imigrantes africanos a tentar passar o estreito de Gibraltar. O dia prometia também ser duro: o mar calmo deu coragem a mais 400 imigrantes que se aventuraram em barcos de borracha, muitos deles de improviso feitos com pneus (“pateras”, em espanhol) – em 36 horas, foram mais de 1.100 a tentar a sorte.
As condições do tempo ajudam. O estreito de Gibraltar é mais perigoso, mas o local mais concorrido por a distância até à costa de África ser menor. Os imigrantes fazem barcos com pneus ou vão em botes de borracha tentar alcançar terra espanhola. Não levam motores ligados nos barcos, arriscam-se por entre o tráfego mais intenso naquela zona, muitos vezes de noite, sem luz, ao sabor do vento.
“Só não gostam de arriscar com o vento levante”, diz o espanhol, chefe do Estado-Maior do Comando de Operações da direção adjunta Operativa da Guardia Civil. O vento levante faz mexer mais as águas onde o Atlântico se cruza com o Mediterrâneo e os imigrantes não sabem onde vão parar.
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Depois há os outros que se aventuram a passar o Mediterrâneo em distâncias maiores, até Málaga (saídos de Marrocos) ou até Almería (sobretudo saídos da Argélia). É lá que anda o navio português, ao serviço da agência europeia FRONTEX, numa missão de patrulha das fronteiras espanholas, que neste caso são também as fronteiras europeias.
Aflitos no mar
Depois de passarem a linha das águas de Marrocos ou da Argélia, se são avistados, muitos dos imigrantes saltam borda fora. Estes sabem que a Guardia Civil e o Sasemar (o instituto de socorro a náufragos de Espanha) têm de os resgatar e levar para solo espanhol. À luz da lei, nesse momento, não são ilegais, mas homens e mulheres aflitos no mar.
“Mentem. Não dizem como se chamam nem de onde vêm. Não têm papéis e se os têm queimam antes de serem apanhados”, conta ao Observador o general espanhol. O objetivo é só um: ficar em Espanha o mais tempo possível e não serem reconduzidos ao país natal. “Com o passar do tempo começam a ceder e a contar de onde são… ou a denunciar-se uns aos outros”, diz o militar. Mas muitos ficam nos centros temporários de imigrantes que estão espalhados ao longo da costa sul de Espanha. O fluxo do último mês já fez com que em Cádiz fosse montado um outro pavilhão para os acolher, antes de serem deportados para os países de origem: a maioria, de acordo com dados da FRONTEX, vem dos Camarões, Mali, Burkina Faso e de outros países subsarianos.
A maior parte destes imigrantes chega a Marrocos e à Argélia e “é enganada”, diz o general espanhol. Os marroquinos e argelinos são, muitas vezes em conjunto com espanhóis, quem lhes cobra por uma viagem que quase sempre tem destino traçado: o encontro com as autoridades espanholas. “É uma máfia”, desabafa.
Apesar de se contarem ainda na casa dos milhares (de janeiro a junho tinham sido mais de três mil), aqueles que caem nas malhas do tráfico humano são cada vez menos. Desde 2006 que a imigração clandestina tem descido, acreditam as autoridades, que muito seja à custa das operações da agência FRONTEX. De acordo com o general Antonio Barragán Gutiérrez, antes andavam na ordem dos trinta mil imigrantes ilegais por ano. No entanto, o mês de agosto e o bom tempo da última semana em Espanha provocou um pico da imigração ilegal, o que faz com que 2014 inverta o ciclo de decréscimo da imigração ilegal. Os espanhóis têm pressionado os países africanos. Marrocos cedeu e aceitou entrar esta semana na patrulha das águas e admitiu que há “disfunções” na chegada em massa de imigrantes no início desta semana.
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O navio de patrulha oceânico Figueira da Foz – um dos dois navios construídos recentemente pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo para a Armada portuguesa – tem lá estado a ajudar os espanhóis a conter este fluxo. Ao todo, são 63 os elementos do navio (além dos 42 da guarnição do Figueira da Foz estão ainda a bordo elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, da Guardia Civil e militares de outros navios portugueses, de reforço).
A Marinha foi patrulhar as águas, incluída na missão ÍNDALO 2014, e fiscaliza a costa de Málaga desde o dia 1 de agosto, até ao final do mês. Mais de 500 horas de navegação para evitar a entrada de imigrantes ilegais no espaço europeu.
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Áreas com maior fluxo de imigração. Os pequenos círculos amarelos sinalizam as quatro operações onde o Figueira da Foz esteve envolvido
Em menos de 15 dia de missão, os portugueses participaram em quatro operações: uma por causa de tráfico de droga e três por causa de imigração ilegal. Não precisaram de recolher os imigrantes. Só o fazem se estes estiverem em perigo ou se a autoridades espanholas estiverem muito longe. Há um acordo com as autoridades espanholas: todas as pessoas que o navio português venha a recolher do mar, serão encaminhadas para os espanhóis.
“A nossa ação passa por detetar, identificar e encaminhar. Se existir perigo para as pessoas a bordo atuamos imediatamente”, explica o comandante do navio, o capitão-tenente Ricardo Guerreiro. Ainda não tiveram de recolher imigrantes, mas caso tenham de o fazer, mostraram ao ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, que estão preparados para isso. E até para o caso de aparecer um infetado com vírus do ébola. “Está assegurado que temos capacidade para isolar eventuais contaminados a bordo”, garante o comandante. Máscaras e desinfeção das mãos travam a propagação do vírus, diz o médico do navio, mas mesmo assim haverá cuidados redobrados.
O ministro da Defesa foi acompanhar um dia de missão. À falta de resgate de imigrantes ilegais, foi preparado um simulacro em alto-mar – como se tivessem sido recolhidos imigrantes da água, foi mostrado como lhes é dado alimentação e cuidados médicos -, para que o ministro saiba como tudo pode acontecer. “É uma missão difícil, que toca em redes com financiamentos muito fortes. É uma prioridade participar, em termos internacionais, em tudo o que diga respeito à segurança da Europa, mesmo durante este período difícil de acerto das contas públicas, não deixámos de estar presentes”, disse o governante quase no final da visita.
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Europa sob pressão
Este mês de agosto criou um pico para as autoridades espanholas, com grande pressão da imigração ilegal. De acordo com dados da FRONTEX , a agência europeia que controla as fronteiras externas da união, houve um aumento de janeiro a junho de imigração ilegal nas fronteiras terrestres e por mar para Espanha de 32%, cerca de 3.330 pessoas. Mais ainda na zona de Itália: quase oito mil pessoas, o que representa um aumento de 251%. No total das fronteiras europeias do Mar Mediterrâneo, foram encontradas 78.290 imigrantes ilegais. Um aumento de 506%.
A maior pressão destes países leva a uma “colaboração” de outros Estados-membros na patrulha. Enquanto o NRP Figueira da Foz anda no mar, no ar, este mês anda um avião finlandês. Essa interajuda, explica o diretor da divisão de operação do FRONTEX, Klaus Roesler, faz saltar à vista a importância destas operações: “Este navio demonstra um elemento importante no controlo das fronteiras: a prontidão para operações de busca e salvamento sempre no respeito pelos direitos fundamentais”.