Marcelo Rebelo de Sousa está meio a dormitar — a pensar num documento que tinha de escrever — quando recebe uma chamada do chefe da Casa Civil três minutos depois do sismo. São 5h14. Pouco antes, Fernando Frutuoso de Melo, que faz a ponte entre o governo e Belém, tinha sido alertado pelo primeiro-ministro em funções, Paulo Rangel. Depois disso, Rangel e Marcelo falam ao telefone ainda sem saber a dimensão dos estragos e o primeiro-ministro em exercício começa a fazer contactos com o Ministério da Administração Interna, que tutela a Proteção Civil.
Ao mesmo tempo, o secretário de Estado da Proteção Civil, Paulo Simões Ribeiro, está a acordar com o abalo. Sem tempo para grande ação, num espaço de dois minutos recebe a primeira chamada da ministra Margarida Blasco, que já estava em contacto com Rangel.
É o ministro de Estado e do Negócios Estrangeiros que assume a gestão do governo neste período em que Luís Montenegro está de férias — e, nos 25 minutos seguintes, faz várias chamadas com a Proteção Civil. O primeiro-ministro de facto, Luís Montenegro, é informado pouco depois e vai-se mantendo a par ao longo da madrugada — há uma diferença horária de quatro horas para o sítio onde está, no Brasil.
O Governo percebe pelas primeiras chamadas que não há danos materiais nem humanos. É feita uma ronda por comandos operacionais e todos respondem da mesma forma: nada a registar. Perto das 5h47 há uma primeira réplica, mas tem menos intensidade, o que baixa também o grau de preocupação de Marcelo Rebelo de Sousa: no sismo de 1969, comparativo que o Presidente tinha em mente, as réplicas foram fortes. Neste caso não são, o que é um bom sinal.
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Perto das 6h00 da manhã, Rangel e Marcelo fazem mais três telefonemas entre eles, durante os quais combinam como serão os próximos passos e as primeiras comunicações no topo da hierarquia do Estado. Fica decidido pelas 6h20 que o Governo vai emitir a primeira comunicação. Nos minutos seguintes chega às redações um comunicado do Executivo que dá conta do que está a ser feito:
Na sequência do sismo ocorrido esta madrugada, que, segundo o IPMA, teve a dimensão 5.3 na escala de Richter, com epicentro ao largo da costa de Portugal continental a cerca de 60km de Sines, o Governo tem estado em coordenação estreita com todos os serviços relevantes na matéria. Não há registo de danos pessoais ou materiais até ao momento. Apelamos à população para que mantenha a serenidade e siga as recomendações da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. A informação será atualizada ao longo da manhã, designadamente pelo IPMA e pela Proteção Civil.”
Marcelo e Montenegro só falaram à tarde
Ao mesmo tempo, o Governo informa que Paulo Rangel, “na qualidade de primeiro-ministro em funções, visitará a Autoridade Nacional da Proteção Civil pelas 9h00”. Fica decidido que será a Proteção Civil, às 8h00, a fazer a primeira conferência de imprensa para dar um sinal de confiança entre a população e as forças de socorro. É mais importante, acredita o Governo, os portugueses estabelecerem uma relação com aquelas forças.
Às 7h00, a Presidência da República faz a primeira comunicação e informa que, após o briefing da Proteção Civil, vai encontrar-se às 10h00, no Palácio de Belém, com Paulo Rangel. Entretanto, Marcelo Rebelo de Sousa vai começando a falar para rádios e televisões para transmitir serenidade. O Presidente da República vai mantendo como ponto de contacto Paulo Rangel — e só durante a tarde faz o primeiro telefonema a Luís Montenegro, que regressa terça-feira à noite do Brasil.