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O juiz de instrução Ivo Rosa pronunciou Ricardo Salgado pela alegada prática de três crimes de abuso de confiança enquanto ex-líder informal do GES
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O juiz de instrução Ivo Rosa pronunciou Ricardo Salgado pela alegada prática de três crimes de abuso de confiança enquanto ex-líder informal do GES

O juiz de instrução Ivo Rosa pronunciou Ricardo Salgado pela alegada prática de três crimes de abuso de confiança enquanto ex-líder informal do GES

Como vai ser o primeiro julgamento (a sério) de Ricardo Salgado?

Deverá ser um julgamento rápido, mas já começa mal: a primeira sessão poderá ser adiada uma semana. Falta conhecer a contestação e as testemunhas da defesa. MP quer ouvir 12 pessoas.

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Depois de ter sido condenado por duas vezes em processos contra-ordenacionais movidos pelo Banco de Portugal, o ex-Dono Disto Tudo, como chegaram a chamar-lhe, vai ser finalmente julgado por um tribunal penal. Quase sete anos após o Banco Espírito Santo (BES) ter desaparecido.

Os crimes pelos quais responderá perante um coletivo do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa liderado pelo juiz Francisco Henriques têm precisamente a ver com com a gestão do Grupo Espírito Santo (GES), mas não deixam de ser uma gota de água no meio do oceano de alegadas irregularidades que o Ministério Público (MP) lhe imputa em diversos processos, como o caso Universo Espírito Santo, o caso EDP e as diversas matérias da Operação Marquês que ainda não transitaram em julgado.

Acusado por alegadamente ter corrompido um primeiro-ministro (José Sócrates), dois líderes da Portugal Telecom (Henrique Granadeiro e Zeinal Bava) — continuando ainda a ser investigado por suspeitas de corrupção de um ministro da Economia (Manuel Pinho) —, Salgado vai ser, afinal, julgado por alegada apropriação indevida de cerca de 10 milhões de euros que pertenceriam ao GES. Só e apenas por decisão do juiz Ivo Rosa. Mas este pode ser o primeiro de vários julgamentos penais que ainda o esperam.

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Um julgamento rápido?

Este é um dos quatro processos que o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal decidiu, a 9 de abril, separar dos autos da Operação Marquês e enviar para julgamento. São quatro pronúncias circunscritas que envolvem José Sócrates e Carlos Santos Silva, Ricardo Salgado, Armando Vara e João Perna, naquilo que chegou a ser apelidado publicamente como “Operação Ivo Rosa” — e que devem levar a julgamentos rápidos.

Porquê? Vejamos o caso da pronúncia de Ricardo Salgado. Envolve somente um arguido (o próprio Salgado), três crimes de abuso de confiança relacionados com a alegada apropriação indevida de cerca de 10 milhões de euros e a lista de testemunhas — uma das principais razões da demora dos julgamentos — deverá ser reduzida.

José Maria Riccardi, ex-administrador do BES Investimento e primo de Ricardo Salgado, é uma das testemunhas do Ministério Público no julgamento

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Para já, o juiz Francisco Henriques marcou sete sessões até ao dia 13 de julho — dois dias antes de se iniciarem as férias judiciais —, não sendo expectável que o julgamento esteja concluído até àquela data.

Em termos de testemunhas, sabe-se, para já, que o MP apresentou uma lista de 12 cidadãos a chamar, não tendo ainda a defesa apresentado a sua lista. Entre as testemunhas da acusação encontram-se figuras relevantes do BES e do GES durante o consulado de Ricardo Salgado, como José Maria Ricciardi (ex-líder do BES Investimento e primo de Ricardo Salgado), Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES e ex-braço direito de Salgado), Hélder Bataglia (ex-líder da ESCOM), Michel Canals (gestor financeiro de Salgado na Suíça) e Paulo Silva (inspetor tributário que coadjuvou o procurador Rosário Teixeira na Operação Marquês).

Os primeiros problemas

Contudo, os primeiros problemas já começaram a surgir — e o julgamento ainda nem sequer começou. Além de ter tentado arguir a incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para este julgamento (requerimento que foi rejeitado pelo juiz Francisco Henriques) e a nulidade do despacho de pronúncia de Ivo Rosa (tal como já o tinha feito na Operação Marquês), a defesa de Salgado, a cargo dos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, ainda não apresentou a sua contestação à pronúncia e a lista de testemunhas. Objetivo? Protelar o início do julgamento.

Resultado: aquando da rejeição das nulidades invocadas pela defesa, o juiz Francisco Henriques ordenou por despacho de 31 de maio que a defesa apresentasse a sua contestação até 4 de junho — três dias antes do início do julgamento. Contudo, a lei permite aos advogados de Salgado que apenas apresentem a contestação (e a lista das suas testemunhas) até ao dia 9 de junho, mediante o pagamento de uma multa.

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Por isso mesmo, a dupla Proença de Carvalho/Squilacce solicitou ao juiz Francisco Henriques um adiamento da primeira sessão do julgamento para 14 de junho — data da terceira sessão prevista pelo tribunal.

Não tendo o juiz presidente despachado sobre o requerimento da defesa de Salgado até ao final de sexta-feira, e estando a sessão prevista para as 9h30 desta segunda-feira, dia 7 de junho, é provável que o magistrado emita o seu despacho logo no início da primeira sessão.

Apesar de ser mais provável o adiamento, o juiz Francisco Henriques também poderá iniciar o julgamento com a audição das testemunhas de acusação nos dias 7 e 8 de junho, deixando a defesa apresentar a contestação no dia 9 de junho. O que não deixaria de ser uma decisão polémica, mesmo para um magistrado que é conhecido por liderar as suas audiências de julgamento com ‘rédea curta’, o que já motivou uma repreensão do Conselho Superior da Magistratura, por ter mandado um advogado “queixar-se ao Totta”.

O caso

Os três crimes de abuso de confiança que o MP tinha imputado a Ricardo Salgado na acusação da Operação Marquês e que passaram no crivo exigente do juiz Ivo Rosa estão maioritariamente relacionados com a Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do GES, e envolvem um valor que ascende aos 10 milhões de euros.

O juiz de instrução deu como suficientemente indiciado que aquela sociedade offshore, que tinha várias contas bancárias no Banque Privée Espirito Santo, na Suíça, era “controlada pelo arguido Ricardo Salgado e utilizada pelo mesmo para movimentar fundos e realizar pagamentos sem que a sua origem, destino e justificação fosse revelada”.

Hélder Bataglia, ex-presidente da ESCOM, é testemunha da acusação e terá de explicar a transferência de 2,7 milhões de euros para Ricardo Salgado — montante que teve origem no BES Angola

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Num caso, Salgado terá utilizado a ES Enterprises para transferir cerca de 4 milhões de euros para a Savoices, uma outra empresa offshore da qual o ex-líder do BES era o beneficiário e que tinha conta noutro banco suíço.

Um segundo crime de abuso de confiança está relacionado com transferências que a ES Enterprises fez para Henrique Granadeiro, tendo o ex-líder da PT transferido depois mais cerca de 4 milhões de euros para uma conta no banco Lombard Odier aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Begolino, que pertence a Ricardo Salgado e à sua mulher Maria João Bastos.

Finalmente, há ainda cerca de 2 milhões e 750 mil euros que tiveram origem no Banco Espírito Santo (BES) Angola, passaram por uma conta do empresário Hélder Bataglia e acabaram na Savoices de Ricardo Salgado.

O que era o saco azul do GES?

Se esta última transferência tem uma origem clara no BES de Angola, então liderado por Álvaro Sobrinho, já as restantes tiveram origem na entidade obscura chamada ES Enterprises — que em 2007 mudou de nome para Enterprises Management Services.

Tal como o Observador revelou ao longo de diversos trabalhos de investigação desde 2016, a ES Enterprises é uma sociedade offshore criada em 1993 pelos cinco ramos da família Espírito Santo nas Ilhas Virgens Britânicas. Tendo os Espírito Santo regressado a Portugal em 1989 (após um exílio que se iniciou com as nacionalizações de 1975), a família criou a ES Enterprises para pagar os salários dos membros dos ramos que trabalhavam nas entidades internacionais do GES.

Os documentos do ‘saco azul’ do GES: 20 milhões a mais de 50 altos funcionários

Mais tarde, a ES Enterprises passou a ser utilizada para pagar prémios e salários não só aos membros da família Espírito Santo mas também a administradores e a diretores do BES e de outras empresas nacionais dominadas pelo Espírito Santo. Tal como o Observador noticiou em janeiro de 2018, após analisar mais de 56 mil documentos, mais de 50 altos funcionários do GES terão sido remunerados pela ES Enterprises. Entre eles estão nomes como Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES), Isabel Almeida (ex-diretora do BES), Miguel Frasquilho (ex-diretor do BES e atual chairman da TAP), Juan Villalonga Navarro (ex-presidente da Telefónica), Pedro Pereira Gonçalves (ex-diretor do BES e ex-secretário de Estado da Economia do Governo Passos Coelho), Patrick Monteiro de Barros (ex-accionista do BES e do GES) e também Fernando Costa Freire (ex-adjunto do primeiro-ministro Durão Barroso)

O saco azul do GES também terá alegadamente servido para pagar alegadas ‘luvas’ a José Sócrates (através do seu alegado testa-de-ferro, Carlos Santos Silva), Henrique Granadeiro e Zeinal Bava — matéria que o juiz Ivo Rosa classificou como infundada —, mas também a Manuel Pinho.

A ES Enterprises também terá servido para pagar salários a altos funcionários do BES que implementaram um alegado esquema de financiamento fraudulento do GES — que está na origem do caso Universo Espírito Santo e que levou o MP a imputar vários crimes de corrupção ativa no setor privado a Salgado — e terá sido financiada a dado momento pelos clientes do próprio BES.

E Salgado pode vir a ser julgado novamente?

Sim, pode. Em primeiro lugar, porque a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa ainda não transitou em julgado. O MP anunciou que necessitava de 120 dias para recorrer de tal decisão, prazo que foi aceite pelo magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal, e irá solicitar a intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa para que todos crimes de corrupção ativa imputados a Ricardo Salgado sejam alvo de uma pronúncia para julgamento.

Em coerência com essa decisão, o MP decidiu lutar contra apenas uma das quatro pronúncias decididas por Ivo Rosa: precisamente a que coloca Carlos Santos Silva como alegado corruptor ativo de José Sócrates, tendo pedido a nulidade da mesma. Assim, o procurador apresentou a 20 de abril um requerimento em que pede a nulidade dessa pronúncia, alegando que o juiz fez uma alteração substancial dos factos — e até classifica a tese do juiz como “insustentável em julgamento” devido a uma “desajeitada alteração de detalhes”.

MP diz que tese de Ivo Rosa é “insustentável em julgamento” e defende nulidade da decisão instrutória sobre Sócrates e Carlos Santos Silva

Já no que diz respeito à pronúncia de Ricardo Salgado por três crimes de abuso de confiança, o procurador Rosário Teixeira decidiu não contestar. Até porque os factos são exatamente os mesmos que o MP imputou na acusação. Mas, enfatize-se, são factos diferentes e autónomos dos crimes de corrupção ativa que foram imputados ao ex-líder do BES na acusação da Operação Marquês.

Resumindo e concluindo: se a Relação de Lisboa der razão ao MP e pronunciar Ricardo Salgado por alegadamente ter corrompido José Sócrates, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, então o ex-líder do BES será julgado uma segunda vez por factos diferentes e autónomos da Operação Marquês.

Já para não falar do caso Universo Espírito Santo — cuja fase de instrução criminal vai começar em setembro — e do caso EDP — cuja acusação poderá ser dada até ao final do ano.

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