É a maior intervenção de sempre para mitigar os aumentos do preço da energia, sublinhou esta quarta-feira o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro. Mas o cheque de 3.000 milhões de euros — dos quais metade têm financiamento público — tem como destinatários as empresas e não as famílias. Isto porque o Governo acredita — até porque tem mais informação sobre o tema dada pelo regulador — que as medidas já adotadas este ano vão permitir que o aumento do próximo ano seja “moderado”. Ou seja, que as tarifas reguladas da eletricidade em 2023 vão ter subidas “substancialmente inferiores à inflação”.

Para as empresas estão prometidas poupanças substanciais. Não em relação aos preços que pagam atualmente, mas em relação aos preços que pagariam em 2023, e que segundo as projeções do Governo poderiam ser o triplo do que custo de 2021 apenas na eletricidade. No gás natural, a previsão ainda é mais difícil por causa da volatilidade — mas as estimativas apresentadas admitem uma fatura três a seis vezes superior à que pagaram no ano passado. Estes apoios extraordinários foram, aliás, um dos fatores decisivos para obter o acordo de rendimentos com os parceiros sociais assinado este domingo. E são anunciados depois de mais um pacote de apoios aos custos das empresas sofridos este ano e que soube a pouco para muitos que lamentaram o peso das linhas de crédito face a financiamentos diretos.

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Quanto é que o Governo vai injetar no gás e na eletricidade?

Do bolo de três mil milhões de euros anunciado, dois terços — dois mil milhões de euros — têm como destino a eletricidade e um terço — mil milhões de euros — será canalizado para o gás natural, setor que pela primeira vez em quase dez anos vai ter uma intervenção política por causa dos efeitos da guerra da Ucrânia. A apresentação feita esta quarta-feira divide ao meio este pacote energético entre medidas políticas e medidas regulatórias, cada uma com uma dotação de 1.500 milhões de euros.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre este pacote de ajuda às empresas.

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De onde vem este dinheiro?

Segundo as explicações dadas pelo ministro Duarte Cordeiro, os fundos públicos vão financiar metade deste esforço. Mas na eletricidade, os 500 milhões de euros previstos resultam de receitas que no passado têm sido já dirigidas para o sistema — a receita da contribuição extraordinária sobre o setor, a (CESE) paga pelas grandes empresas e o resultado dos leilões de venda de licenças de carbono a indústrias poluentes e que são uma receita do Fundo Ambiental. Já no gás natural, Duarte Cordeiro anunciou uma transferência adicional, e inédita, de mil milhões de euros vindos do Orçamento do Estado de 2022 para o preço do gás pago pelas empresas.

Para a conta dos 3.000 milhões de euros, há ainda medidas de natureza regulatória de 1.500 milhões de “benefícios do sistema” elétrico, que o ministro não especificou com detalhe, referindo apenas os desvios nos contratos de aquisição de gás natural por parte da Turbogás. Esta empresa gere a única central a gás que tem um contrato de venda com uma remuneração previamente garantida (e abaixo do mercado) ao sistema elétrico nacional. Duarte Cordeiro remeteu para a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), esclarecimentos sobre esses benefícios e sobre a forma como o cheque de 2.000 milhões será distribuído por perfis de clientes.

Quem vai beneficiar e quanto vai beneficiar?

Este pacote destina-se exclusivamente a clientes empresariais, dos pequenos negócios aos grandes consumidores empresariais e às indústrias de consumo intensivo de energia. O Governo estima que o impacto deste direcionamento permita poupanças de 30% a 31% na fatura de eletricidade que teriam de suportar, com base em projeções para a evolução do preço na eletricidade. Esta projeção aponta para um preço médio de 258 euros por MW hora, o que compra com os 133,6 euros por MW hora no segundo trimestre de 2022 e representa um agravamento de 276% face a 2021.

No gás natural, a estimativa de poupança tem um intervalo mais amplo, porque a evolução das cotações é muito mais imprevisível, que oscila entre os 23% e os 42%. No primeiro cenário, o mais adverso, admite que o gás possa custar em 2023 cerca de 180 euros por MW hora, o que representaria uma subida de mais de 700% face a 2021. O segundo cenário admite uma cotação média de 100 euros por MW hora, mais 354% do que em 2021. Se a evolução da cotação média ficar abaixo destas previsões, a poupança das empresas será mais expressiva do que a agora anunciada.

Ainda no caso do gás natural, estes apoios ao preço só vão abranger 80% do consumo médio dos últimos anos para incentivar a poupança. Portugal comprometeu-se com a União Europeia a cortar 7% no consumo de gás em 2023.

Quando é que estas descidas vão estar operacionais?

Estas descidas na fatura serão concretizadas sobretudo através das tarifas de acesso aos sistemas de gás e eletricidade, cuja fixação é da responsabilidade da ERSE a quem cabe definir a divisão destes benefícios por perfil de clientes empresariais. E devem entrar em vigor em 2023. No caso das tarifas elétricas, a ERSE deverá indicar as baixas previstas quando apresentar as propostas de tarifas para o próximo ano daqui a uns dias. As tarifas anuais do gás natural entraram em vigor em outubro, mas o regulamento prevê revisões extraordinárias a cada trimestre.

Se as famílias ficam de fora, vão enfrentar maiores aumentos de preço?

Apesar de não serem contempladas por este cheque adicional, os clientes residenciais de eletricidade beneficiaram já este ano e em 2021 (para as tarifas de 2022) de outras medidas que, acredita o Governo, os deixa blindados contra aumentos expressivos.

“Estamos a dirigir os apoios para as empresas no pressuposto de que os consumidores domésticos estão protegidos. Procuramos sempre, em primeiro lugar, proteger os clientes domésticos”, afirmou Duarte Cordeiro que admitiu revisitar a distribuição dos milhões, caso alguma razão “obrigue a revisitar o tema”. E realçou que, de forma indireta, as famílias também vão beneficiar porque o custo de produzir o leite, o pão e outros produtos vai ser mais baixo por causa desta intervenção.

No caso do gás natural, já estão em vigor os novos preços da tarifa regulada, que subiram 3,9% em outubro. Estas tarifas são anuais, ainda que possam ser revistas a cada trimestre. Na eletricidade, o regulador vai anunciar no dia 15 de outubro (que calha num sábado, pelo que é provável que a data deslize para segunda-feira) qual vai ser a proposta de evolução das tarifas reguladas para 2023. E pelas conversas já tidas com a ERSE, o Governo acredita que as tarifas para as famílias vão subir “substancialmente abaixo da inflação”.

E quem não está na tarifa regulada da eletricidade?

Mas estes aumentos “moderados” só estão acessíveis a quem está na tarifa regulada, cerca de um quinto dos consumidores domésticos. Os clientes que estão no mercado liberalizado — a maioria — não tem esta garantia. “São opções das famílias”, referiu o ministro, destacando contudo, tal como o Governo já fez para o gás natural, que estes clientes têm a possibilidade de transitarem para a tarifa regulada da eletricidade. Duarte Cordeiro considerou ainda que os comercializadores do mercado liberalizado também são influenciados pela tarifa regulada (até para não perderem clientes) e podem ajustar a oferta à sua estratégia comercial. Ainda que reconheça que estão mais limitados porque têm de suportar os custos mais altos da compra da energia no mercado grossista.

Que aumentos têm sentido as empresas?

De acordo com os dados revelados esta quarta-feira, e que comparam o segundo trimestre de 2022 com o mesmo período de 2021, os preços da eletricidade pagos pelas empresas subiram entre os 3% para os pequenos negócios que estão na baixa tensão especial e os 94% para os grandes clientes industriais que se encontram na alta e muito alta tensão. Para as empresas na média tensão, o aumento foi de 22%.

Aumentos nos preços da eletricidade para empresas em 2022

O cenário é muito mais dramático no gás natural. Os grandes clientes sofreram aumento médios (para o mesmo período temporal) de 145% e que chegam aos 212% para empresas menores.

Ainda que a eletricidade seja muito influenciada pelo preço do gás, há outras formas de produção de energia que permitem preços finais mais baixos. Além de que o mecanismo ibérico introduziu um travão ao preço do gás usado para a produção de energia elétrica que está a limitar o efeito dessa ligação. Esse limite ao preço só se aplica ao gás usado pelas centrais de ciclo combinado e não ao resto da indústria.

Aumentos do preço de gás para as empresas em 2022

Porque é o Governo foi buscar mil milhões ao OE para o gás?

A diferença entre a eletricidade e o gás ainda é mais evidente quando comparamos as projeções de preço nos dois mercados para 2023. Na eletricidade, a previsão do Executivo admite um aumento do custo global com a aquisição de energia de 4.800 milhões, o que corresponde a uma subida de 282% face a 2021, quase o triplo. Já a projeção para o gás natural vai desde um agravamento de 354% do custo face a 2021 até a uma subida de 717% (seis vezes mais) num cenário mais adverso. Esta dimensão ajuda a perceber porque é o Executivo decidiu ir buscar 1.000 milhões ao Orçamento de 2022 — que graças ao impacto da inflação nas receitas fiscais tem folga para tal — para injetar nas tarifas do gás natural para 2023.

Por outro lado, o Governo e o regulador tem outros mecanismos que usaram no passado para travar os preços da eletricidade que não estão disponíveis para o gás, nomeadamente os tais benefícios do próprio sistema. Estão nesta situação os contratos com a maioria das centrais eólicas que vendem a sua energia ao sistema com uma margem de rentabilidade pré-definida e que pressupõe um custo muito inferior ao atual preço de mercado. Este sobreganho foi usado pelo regulador para baixar de forma extraordinária as tarifas elétricas em julho.

Há ainda outra motivação. As ajudas de Estado permitidas pela Comissão Europeia às empresas mais expostas ao custo do gás têm-se mostrado insuficientes e morosas face às necessidades. Ao mexer nas tarifas reguladas de acesso, o Governo acredita que não precisa da autorização de Bruxelas porque não se trata de uma ajuda a uma empresa ou empresas, em detrimento de outras, mas sim uma medida de apoio geral que está prevista no regulamento europeu.