Joana Fernandes, 18 anos, é uma entre muitos jovens que este domingo, pela primeira vez, irão sentir-se parte ativa da construção da democracia no nosso país, quando, com o seu voto, contribuírem para a eleição da Assembleia da República. Mas será que esta é uma data por que anseiam ou, pelo contrário, passa-lhes ao lado e pouca importância lhe atribuem?
Para perceber de que forma os jovens estão, ou não, envolvidos nestas eleições e no processo político em geral, o Observador tem vindo a ouvi-los ao longo dos últimos dias, numa iniciativa que culminou com a conferência “O meu primeiro voto – os jovens e a política em Portugal”, que decorreu a 26 de janeiro na escola de programação 42 Lisboa.
Além de Joana Fernandes, participaram também na conversa Maria José Brites, investigadora no Centro de Investigação em Comunicações Aplicadas, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT) da Universidade Lusófona e especialista em literacia para os media, Jorge Fernandes, cientista político e investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, e Pedro Raínho, editor adjunto de sociedade e coordenador de fact checks do Observador. No final do debate, moderado pelo jornalista Paulo Farinha, ficou bem claro que, para haver envolvimento dos jovens – não só na política, mas em todas as dimensões da participação cívica –, a educação é fundamental, o contexto familiar pode ser crucial e – muito importante – sentirem-se ouvidos também.
Participação dos mais novos e desinformação
Logo a abrir o debate, Joana Fernandes, estudante universitária do primeiro ano do curso de Antropologia, deixou clara a responsabilidade acrescida que sente por, no dia 30 de janeiro, ir finalmente depositar o seu voto na urna, ou não tivesse ela nascido e crescido numa família onde “a política sempre foi um tema recorrente à mesa”. E isto, como fomos percebendo ao longo da conversa, pode fazer toda a diferença. Mas será que esta eleitora de primeira viagem tem conseguido aceder às mensagens que os diversos partidos querem fazer passar para, assim, decidir o seu voto em consciência? “Penso que, através das redes sociais e dos meios de comunicação social, existe muita divulgação sobre o que está a acontecer nos debates, mas também do que cada partido defende e para que pessoas da minha idade, e não só, tenham consciência em quem vão votar e o possam fazer conscientemente”, respondeu. Ao mesmo tempo, revelou uma boa notícia no que toca à tão temida desinformação. É que apesar de reconhecer que “as fake news são bastante recorrentes”, considera que “temos maneira de entender se é verdadeiro ou não é, tentar perceber o que estamos a ler”.
Depois de elogiar o facto de o debate incluir a voz dos mais novos – “é muito importante, neste tipo de eventos e conferências, termos os jovens a participar também” – Maria José Brites, investigadora do CICANT, realçou que “as redes sociais têm o melhor e o pior de dois mundos”. Ou seja, por um lado, “permitem-nos aceder a informação muito direta, imediata e credível também, quando seguimos os meios de comunicação tradicionais”, por outro, a informação disponível “é muito vasta, muito difícil de verificar se é verdadeira ou não”.
Em relação a quem é mais facilmente apanhado nas malhas da desinformação, a investigadora referiu que “os idosos são uma população muito permeabilizada a estas notícias falsas”, mas também sublinhou que nem todos os jovens – apesar de nativos digitais, isto é, que nasceram após o advento das novas tecnologias de informação e comunicação – estão aptos a destrinçar o que é informação verdadeira da que não é. Tal dependerá de muitas variáveis, nomeadamente do nível educacional, influência da família e percurso que vão trilhando.
O problema não está só nas redes sociais
Apesar da tentação de apontar o dedo às redes sociais, a também especialista em literacia mediática e participação cívica dos jovens chamou a atenção para a importância de aquelas não serem diabolizadas. Até porque, como lembrou, a desinformação é veiculada de outras formas também.
O mesmo alerta foi deixado por Pedro Raínho, coordenador de Fact Checks do Observador, para quem a verificação de factos é parte crucial do trabalho diário. “Sejamos honestos. A própria classe política foi relativizando o rigor, alargando a rede da peneira e permitindo que, no seu discurso diário, passasse informação não muito rigorosa”, afirmou o jornalista, acrescentando que a insistência na verificação de factos, que se tem acentuado nos últimos tempos, “acontece porque nos apercebemos que houve uma multiplicação de fontes de informação não tão rigorosas assim”. Quanto à capacidade dos jovens para separarem o trigo do joio, face à informação com que se vão deparando, o jornalista alinhou com Maria José Brites, ou seja, não acredita que todos tenham “capacidade de desconstrução” dos conteúdos a que acedem ou que lhes fazem chegar através de diversos meios e plataformas.
Votómetro e apoio à reflexão política
Para decidir em quem votar no domingo, e embora já estivesse “enquadrada em ideias políticas”, Joana Fernandes pesquisou sobre o que os diversos partidos defendem e ainda assistiu aos debates, pelo que reconhece tratar-se de “uma decisão ponderada”. Mesmo assim, também decidiu responder às perguntas do Votómetro, a ferramenta interativa disponibilizada pelo Observador que, sem ser uma recomendação de voto, permite descobrir rapidamente com que partidos alguém sente maior afinidade ideológica nestas legislativas.
Coordenador científico do Votómetro, Jorge Fernandes salientou, no decurso do debate, que “não há qualquer evidência científica de que estas plataformas tenham influência na decisão de votar em qualquer um dos partidos”, servindo sobretudo para reunir informação sobre os diversos programas políticos. “Estamos inundados de informação e o que a plataforma pretende fazer é digerir essa informação e torná-la mais tratável e mais simples de coligir, de forma que não tenha custos cognitivos muito elevados para o cidadão”, explicou.
Questionado sobre as faixas etárias que mais utilizam aquela plataforma, o investigador convidado do Robert Schuman Centre for Advanced Studies, em Florença, Itália – de onde participava por via remota -, frisou que a plataforma não faz qualquer tipo de recolha de dados pessoais, porém, lembrou que “os jovens tendem a usar mais este tipo de plataformas, quanto mais não seja porque são uma das populações mais ativas na internet”.
Fraca participação política
Apoiado em dados de um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, a publicar em breve, Jorge Fernandes revelou que “os jovens portugueses são dos que menos participam politicamente na Europa” e a educação parece ser a principal responsável pelo fraco empenho. Nas suas palavras, “Portugal continua a sofrer de problemas de iliteracia em geral” e “isto depois paga-se”. “Os cidadãos, tendo menos educação formal, têm uma menor participação política e uma participação política menos informada”, sintetizou.
E será que a criação, nas escolas, de uma disciplina sobre educação para a política poderia ajudar a atenuar o problema? Joana Fernandes não duvida que sim, acreditando que a mesma poderia apoiar no processo de reflexão sobre a tendência de voto dos mais jovens, que assim deixariam de se limitar a seguir a influência da família: “Como sempre os familiares votaram, votam também, mas depois nem sabem o que é que esse partido defende ou o que é que votar nesse partido significa para eles.”
Maria José Brites corroborou a importância da referida disciplina, justificando com informação que a própria recolheu para a sua tese de doutoramento, que deu origem ao livro Jovens e culturas cívicas: por entre formas de consumo noticioso e de participação. As conclusões a que chegou – reforçadas por outras pesquisas qualitativas que tem vindo a realizar ao longo dos anos – dizem-lhe ainda que “as pessoas têm de encontrar espaços onde possam expressar as suas vozes”. Todavia, o que acontece é que “há este sentimento generalizado que os jovens têm de que a sua voz não se faz ouvir”.
A fazer eco desta perceção, Joana Fernandes elencou alguns temas que considera importantes – e que motivam mesmo debates com os amigos e colegas – mas aos quais “muitos partidos não dão a devida importância”, como a emergência climática e o ensino superior, nomeadamente o valor das propinas.
Constatando o claro desfasamento entre o que é relevante para este grupo específico e o que, de facto, os partidos políticos propõem, a investigadora do CICANT reiterou que “há alguma falta de diálogo entre os jovens e os atores políticos, entre os jovens e os adultos” e, tal facto, não ajuda à participação política dos mais novos. Afinal, “todos nos interessamos mais por aquilo em que nos sentimos integrados, implicados”, concluiu.
Este artigo faz parte de uma série sobre eleições, cultura democrática e participação dos jovens na política. A iniciativa é uma parceria entre o Observador e Ben & Jerry’s.