De máxima estabilidade, para o mínimo de estabilidade política possível. O primeiro pedido do PS para este domingo começou por ser em grande e acabou em demonstração desesperada de capacidade de diálogo e de variedade de posições internas que servem todo o tipo de acordos pós-eleitorais. António Costa sai destes dias de campanha com tudo em aberto. Não teve outro remédio depois de o pedido de maioria absoluta ter resultado num susto geral para a caravana socialista e as suas próprias expectativas. Nos últimos dias virou equilibrista na gestão das possibilidades para o futuro e acaba a campanha com as peças todas em jogo, do histórico representante da ala esquerda, Manuel Alegre, ao anti-geringonça recentemente regressado, Francisco Assis.
No início desta última semana de campanha, o presidente do Conselho Económico e Social — que tem o cargo em suspenso, por causa das eleições antecipadas — foi chamado pelo próprio líder socialista para participar no último comício da campanha, ao seu lado no Porto, como o próprio contou em entrevista à rádio Observador esta quarta-feira. Ele que foi o opositor mais audível no PS da “geringonça”, chegando mesmo a ser apupado num congresso, em 2016, quando a solução de governação engendrada por António Costa depois da derrota eleitoral de 2015.
Dois anos depois voltou a considerar a “solução má”, embora registasse logo a seguir, também num discurso num congresso, que “o primeiro-ministro é bom”. E desafiou-o nessa altura: “Imagino o primeiro-ministro que podes ser sem a geringonça”. António Costa conhece o histórico, a sua relação com Francisco Assis arrefeceu durante os anos da “geringonça”, mas voltou a aquecer mais recentemente, tendo mesmo indicado o socialista para presidir ao CES. No atual contexto de periclitante resultado eleitoral e praticamente certa necessidade de arranjos no dia 31 de janeiro, António Costa faz Assis voltar pela porta grande, no comício da última palavra antes do voto.
Ao Observador, Assis explicou a sua posição atual. “É preciso haver alguns entendimentos de fundo entre os dois grandes partidos nem que seja um governo minoritário”, afirmou quando questionado sobre as geometrias que possam vir a ser necessárias. Aproveitou mesmo a imagem do muro, que Costa costuma usar, mas com intenção diversa. Se o líder fala na sua capacidade de derrubar muros entre o PS e a restante esquerda, precisamente com a criação da “geringonça”, Assis prefere aplicar esse derrube a outro muro. “O muro que separou radicalmente o centro esquerda e o centro direita tem de ser derrubado”, afirmou na mesma entrevista.
Não podia estar mais no lado oposto ao de Manuel Alegre que a meio da campanha se congratulou com o mesmo derrube que Costa tem assinalado. Num artigo que assinou no jornal Público, o histórico socialista — que se junta à campanha esta quinta-feira, em Lisboa, elogiou a “geringonça” e o tal fim do “arco da governação” que “repôs direitos e rendimentos e, sobretudo, fez renascer a esperança”. Também deixou logo ali um sonoro aviso à necessidade de o PS se manter longe do PAN. Assis e Alegre são o símbolo dos dois PS que Costa tem de conciliar para chegar ao poder, se conseguir mais votos do que Rio na noite de domingo — e essa já é a fasquia nesta altura.
Mas onde está Costa no meio disto tudo? Precisamente no meio, que é onde, no atual quadro político, pode salvar-se. Pelo país que percorreu estas duas semanas durou pouco a mensagem do poder absoluto que em muito poucos dias deu logo lugar à governação com todos. Não havia plano B — e isso era assumido na cúpula socialista sem qualquer pudor — e, de repente, não existia outra coisa se não plano B.
Maioria absoluta na gaveta. Costa agora “chocalha” todos os partidos (menos o Chega)
O desejo oculto de o BE poder escorregar e isso provocar mudanças
No partido tudo está em cima da mesa para o dia seguinte. Se ganhar, Costa vai reunir-se “não só com Catarina Martins mas com todos, à exceção do Chega, com quem não há nada a falar”. A relação com o Bloco é de tensão nesta altura, com algum PS até a cruzar os dedos na expectativa que um resultado eleitoral negativo para o BE — que os socialistas têm a expectativa que possa ser muito castigado nas urnas pelo chumbo do Orçamento — possa resultar num tumulto interno. Afinal, não é só Catarina Martins que dá sinais de desejar uma mudança na liderança socialista, para um pedronunismo mais suave no diálogo com o seu partido, também na direção do PS há quem alimente um desejo semelhante, mas em relação à líder bloquista.
O que é certo é que a campanha socialista foi menos de ataques à esquerda do que se fazia prever no seu arranque. A referência quase nunca foi direta a nenhum dos líderes de PCP ou BE, mas antes ao conjunto dos partidos que chumbaram o Orçamento na Assembleia da República. A hostilidade foi muito suavizada nestes dias e, em Almada, António Costa chegou mesmo a dizer, no comício da noite da União Artística Piedense, que “o PS foi sempre o motor da concórdia nacional, o ponto de mobilização das diferentes forças” e “de novo é isso que temos fazer sem acrimónias e rancores”. O passado já lá vai?
Costa acena com bandeira branca à esquerda e fala em diálogo “sem rancores”
A aspereza com o PSD foi bem mais visível e correu todos os comícios, com intensidade crescente. Mas aí, a porta também nunca foi totalmente fechada e, nos últimos dias, não foi só Assis que veio falar publicamente na necessidade de PS e PSD se encontrarem. Também Augusto Santos Silva semeou a ideia da possibilidade de um “acordo de cavalheiros entre os maiores partidos” para agilizar a formação de Governo. Confrontado com o tema, esta quinta-feira ao final do dia, Costa chutou para canto, mas sem abater pontes. Mesmo depois de ter esticado ao máximo o ataque ao partido de Rio — que disse ter “passado para lá da linha” na aproximação ao Chega — também disse que dialoga “com todos”. E ainda que não foi o facto de ter tido acordos com a esquerda “que fez com que não dialogasse com o PSD em algumas matérias” no passado.
A ideia do “PS conciliador” e de Costa, o dialogante, são aposta do partido nesta fase final em que luta por mais um voto. Em Setúbal, Costa voltou a sublinhar a necessidade de uma “solução de estabilidade” e de “não ter qualquer condicionamento pela extrema-direita”. Para quem defende isso, Costa aconselha: “Só resta o PS ser claramente o primeiro” no próximo domingo. Para o dia seguinte, o socialista já tem as mãos em várias maçanetas — a imagem que tem usado para provar que é capaz de se entender com quem for preciso para governar.