De fora, um problema para a IL. Segundo o próprio, a prova de que o partido é diferente dos outros. Aos 61 anos, João Cotrim Figueiredo fez contas à vida pessoal e política e decidiu colocar um ponto final na liderança da Iniciativa Liberal. Um adeus enquanto presidente liberal, mas não um adeus ao partido: vai manter-se como deputado na Assembleia da República e promete não desaparecer da vida do partido.
A surpresa, que os liberais admitem, é ainda maior por o contexto e o histórico não o fazer prever: João Cotrim Figueiredo é presidente da Iniciativa Liberal desde 2019 — um cargo que assumiu pouco tempo depois de ter sido eleito o primeiro deputado do partido — e em menos de dois anos a IL conquistou uma bancada parlamentar com oito deputados. Para muitos militantes, incluindo dirigentes, o futuro que se escrevia tinha, até este domingo, um protagonista — que a IL acaba de perder.
Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a Iniciativa Liberal.
Cotrim Figueiredo considera que “é nos bons momentos que se tomam as decisões difíceis e que estruturam os partidos” e fez questão de primar pela diferença ao provar que a IL é um partido distinto dos outros. Aos olhos do liberal, a decisão prova o “desapego ao poder” e não desistência. “Não há fuga nenhuma, pelo contrário.”
A notícia caiu como uma bomba na reunião da direção da Iniciativa Liberal. Apesar de João Cotrim Figueiredo ter sempre deixado claro internamente que aceitava candidatar-se à Assembleia da República, mas apenas ficaria por quatro anos, as circunstâncias alteraram-se depois de o partido ter tido um crescimento exponencial — que desde logo tinha retirado ao líder o peso de ser o único representante parlamentar e que o tinha enviado para a estrada, onde procurava a implementação dos liberais pelo país, nomeadamente através das rotas liberais.
Grande parte dos membros da direção do partido não fazia ideia do que se passaria este domingo na reunião onde João Cotrim Figueiredo anunciou a saída. Apesar de ter abordado alguns dos dirigentes nos últimos dias — até para medir o pulso a possíveis candidatos — o líder guardou segredo sobre quando e como ia anunciar a sua saída. A decisão solitária e unilateral remete para uma declaração que fez há vários meses no Observador:
Qual é a pessoa que mais ouve quando tem de tomar uma decisão política difícil?
Não é uma pessoa, é uma coisa — a minha almofada.
João Cotrim Figueiredo foi “assertivo” quando comunicou a saída, não deixou espaço para dúvidas e apenas anunciou o que já estava decidido — deixando uma nota clara: é uma decisão pessoal. Quem estava presente foi apanhado de surpresa e a não recandidatura é inesperada até para muitos dos mais próximos.
“Com 6% têm de olhar para nós como um partido que tem de estar no Governo”
Nessa mesma entrevista ao Observador, Cotrim admitia que nas tais conversas com a almofada — como um dos seus erros — podia ter “dado mais atenção a alguns aspetos organizativos internos do partido”. Ora, este domingo — na reunião de direção em que comunicou a saída –, fazia a ponte entre um problema interno e a necessidade de preparar o partido para os próximos embates eleitorais. Algumas disputas que, segundo o próprio Cotrim Figueiredo, podem não ser exatamente nas datas previstas.
A Iniciativa Liberal, desde que Carlos Guimarães Pinto deixou a liderança do partido, tem as Convenções desalinhadas: num ano elege-se a Comissão Executiva, no seguinte os restantes órgãos (o que se iria passar este ano). Este cenário há muito que levava os mais altos dirigentes a discutir o tema e era praticamente unânime que era preciso, em determinada altura, corrigir o erro.
João Cotrim Figueiredo fez contas à vida e, partindo de uma premissa clara de que não estaria disponível para ser candidato às eleições legislativas de 2026, olhou para o restante calendário nacional e tirou as conclusões: é preciso que a nova liderança prepare o próximo ciclo eleitoral, que começa em 2023 com as regionais da Madeira, e caso a IL não marcasse eleições internas de imediato, só o faria no final do ano que vem (já depois dessas primeiras eleições).
O presidente da IL lembra que se ficasse até às próximas legislativas estaria há sete anos à frente do partido e juntando os do seguinte mandato seriam 11, o que não considera normal para um partido liberal. E foi ainda mais longe: Cotrim Figueiredo considera que “dada a situação política atual e a rápida erosão do PS” é possível que haja eleições antecipadas e que seria uma “enorme irresponsabilidade não preparar o partido para essa eventualidade”.
Ouça aqui as declarações de João Cotrim Figueiredo à Rádio Observador depois do anúncio da saída.
“O partido não pode ser apanhado desprevenido e ter uma liderança que no meu caso não se podia prolongar além de 2026, por uma questão de idade e de disponibilidade minha, e tenho de deixar o partido preparado para estas batalhas e isso faz-se deixando que uma liderança mais enérgica, mais combativa, mais popular tome posse a tempo de se preparar e de ganhar experiência e notoriedade para esta batalha”, disse ao Observador já depois de ser anunciada a decisão.
A saída que era falada nos bastidores, mas que a ala Cotrim negava reiteradamente
Apesar de a não-recandidatura ser uma surpresa para a grande maioria das pessoas (dentro e fora do partido), nas últimas semanas já tinham surgido rumores — de vários setores liberais — sobre uma possível saída do atual presidente e até quem seriam os possíveis sucessores. A direção de Cotrim e o seu inner circle sempre negou esse rumor — que agora se confirma.
Em declarações públicas as respostas também foram sempre nesse sentido. Ao Observador, Rui Rocha, que agora é candidato à liderança da IL, assegurou no programa Vichyssoise que “João Cotrim Figueiredo fez parte do trajeto até aqui e deve fazer parte do trajeto futuro da IL –, apesar de ter sublinhado que havia “várias figuras” no partido num processo de crescimento, exemplificando com Rodrigo Saraiva, Joana Cordeiro ou Patrícia Gilvaz.
Já Carla Castro, em entrevista ao Observador durante as recentes jornadas do partido, quando questionada sobre se Cotrim Figueiredo deveria estar na liderança até às próximas legislativas, foi perentória: “Não vejo por que não há-de estar.” A deputada deixou claro que não alimenta a ambição de se candidatar (“de todo”) e reiterou que a “questão não se coloca”.
Sucessão. Uma candidatura, uma carta fora do baralho e uma incógnita
Tanto Rui Rocha, como Carla Castro — que defenderam a continuidade de Cotrim em duas entrevistas recentes ao Observador — estão agora, em níveis diferentes, na linha de possíveis sucessores de Cotrim Figueiredo. Pouco depois de se tornar pública a decisão do ainda presidente da IL, o deputado eleito por Braga anunciou no Facebook aquela que é a primeira candidatura à presidência da IL, com o mote “Liberalismo para Todos”. O anúncio sugere que houve alguma premeditação e até combinação prévia com o líder cessante, que saiu em sua defesa.
Rui Rocha estabeleceu “dois objetivos fundamentais: continuar o atual sucesso da IL e popularizar o liberalismo pelo país, afirmando as ideias e os valores liberais com convicção e humildade para transformar Portugal num país mais próspero, mais justo e mais livre”.
A oposição será outro dos focos do deputado liberal, com promessas de que será “feroz e combativa ao modelo de desenvolvimento falhado que o PS implementa no país”. Mas Rui Rocha deixa a garantia de que continuará a contar com nomes como Carlos Guimarães Pinto, ex-presidente da IL, e também com o líder liberal que vai deixar o partido, notando que se tratou de “duas lideranças que impulsionaram o partido para um crescimento notável e consolidado”.
Carlos Guimarães Pinto, um dos nomes mais falados para a sucessão de João Cotrim Figueiredo, até por já ter sido presidente do partido, apressou-se a colocar-se de fora da corrida. “Manterei a posição de afastamento da vida interna do partido que assumi desde que deixei a presidência, não integrando, subscrevendo ou apoiando qualquer lista apresentada aos órgãos do partido”, realçou o deputado liberal.
“Apesar da perda tremenda, a Iniciativa Liberal nunca foi um partido de uma pessoa só. É um partido de ideias, de estrutura e de competência que transformou dois desconhecidos em presidentes de sucesso e construiu um candidato presidencial em poucos meses. A pessoa que sucederá ao João será certamente recebida com as mesmas desconfianças com que eu, o João ou o Mayan fomos recebidos e, estou convicto, terá o mesmo sucesso a prazo”, sublinhou.
Ao Observador diz ainda que “a IL vai eleger o 4.º presidente na altura em que celebrar o 5º aniversário”, o que mostra que “é um partido de ideias com uma estrutura forte que não depende de nenhum indivíduo, algo que nenhum outro partido com esta idade pode dizer”.
Já Carla Castro, que se mantém em silêncio, é um dos nomes mais falados para suceder a Cotrim Figueiredo. Fontes ouvidas pelo Observador acreditam que está a preparar algo que conte com o apoio de deputados — ainda que a maioria comece a alinhar-se ao lado de Rui Rocha —, mas também de autarcas e de outros dirigentes.
O Observador sabe que a lista B (na qual Nuno Simões de Melo será o candidato ao Conselho Nacional) está a ponderar nomes para os outros órgãos e que aguarda também pela decisão de Carla Castro, podendo optar por apoiar a deputada liberal — sendo esta uma decisão que poderá ou não agradar à própria.
A liberal que chegou a levantar a sala da Convenção da IL (só ao nível de Cotrim Figueiredo) parece estar desalinhada com a linha mais forte do partido, encabeçada pelo presidente e que deverá apoiar Rui Rocha praticamente em uníssono, e o Observador sabe que está descontente com várias questões internas, o que a pode levar a entrar na corrida.
Rodrigo Saraiva, fundador do partido e líder da bancada parlamentar da IL, é também um nome inevitável no partido. Até ao momento em silêncio, a proximidade e sintonia com João Cotrim Figueiredo tem sido um marco e dificilmente se distanciará da decisão do líder liberal, nomeadamente por já ter dito por várias vezes que o foco neste momento está no Parlamento. O apoio a Rui Rocha será a possibilidade mais provável.
Um bilhete dourado ou um bilhete de senador?
Depois de uma saída inesperada, olhar para o futuro torna-se inevitável. João Cotrim Figueiredo tornou-se uma figura incontornável dentro da IL e com relevância no cenário político português, o que lhe pode abrir portas para outros voos.
No ciclo eleitoral que se avizinha, e que levou o próprio a abdicar, há duas possibilidades para o presidente da IL: a Europa e Belém. O primeiro, visto por muitos como um bilhete de ouro, poderia ser uma forma de o liberal levar o partido ao Parlamento Europeu pela primeira vez — um feito já assinado a nível nacional.
Apesar de o plano não poder ser totalmente excluído antes de 2024, fontes próximas do ainda líder dizem ao Observador que este não será o projeto certo para Cotrim Figueiredo.
Por outro lado, a corrida à Presidência é diferente. A Iniciativa Liberal é um partido novo, levou Tiago Mayan Gonçalves a candidatar-se às eleições Presidenciais com um resultado positivo, mas poder contar com João Cotrim Figueiredo (mais velho, após ter conquistado notoriedade nacional) podia ser uma mais-valia para o partido e um trunfo no bolso para o espaço não-socialista que tem já vários potenciais candidatos, mas nenhum que represente verdadeiramente os liberais.
Os desafios da IL d.C. (depois de Cotrim): os problemas internos e as sondagens
A saída de Cotrim acontece num cenário político que junta duas variáveis (uma interna e uma externa) que não são favoráveis à Iniciativa Liberal. Apesar de o presidente do partido ter sido considerado o líder partidário com melhor avaliação e o único em terreno positivo no mês de outubro, a IL surgia com dificuldades em manter resultados consistentes desde que Luís Montenegro foi eleito líder do PSD.
Arranque tímido nas sondagens não preocupa núcleo duro de Montenegro. “Sem dramas”
A média dos liberais situa-se nos 6,80%, acima do resultado eleitoral que permitiu uma subida de um para oito deputados, mas teve descidas consideráveis nos últimos meses, com o estudo mais alarmante a colocar o partido nos 3%. Nos estudos da Intercampus para a CMTV é possível ver a evolução: 6,90% (junho); 8,50% (julho, um pico que coincide com a quebra do PSD); 7,10% (agosto); e 5,20% (em setembro).
Numa das entrevistas que deu após o anúncio da saída, Cotrim Figueiredo sublinhou que “a IL tem muito pouco espaço mediático” e serviu-se a si próprio como “um dos motivos” para essa situação, frisando não estar “disponível para fazer determinado tipo de política mais popular que possa captar atenção mediática”.
Por outro lado, a IL tem-se deparado com uma linha liberal-conservadora que está a tentar ganhar espaço dentro do partido, numa altura em que o partido enfrenta um aumento da contestação interna e da divisão entre quem exige novas respostas e quem prefere dar espaço à atual liderança.
Nuno Simões de Melo, um dos rostos que surge como oposição à equipa liderada por João Cotrim Figueiredo e que vai apresentar uma lista ao Conselho Nacional, admite que gostaria de ver “o conservadorismo liberal como a tendência dominante na IL” e que esta “corrente fosse considerada” dentro do partido — sendo que estes críticos têm apontado Carla Castro como uma boa possibilidade.
Na última Convenção da Iniciativa Liberal, em que a oposição interna começou a ganhar mais voz, Simões de Melo subscreveu as moções de Miguel Ferreira da Silva — que acusou o partido de ser de “nicho” em vez de criar uma alternativa — e de Catarina Maia — que, apesar de fazer parte da Comissão Executiva, assinou uma das moções mais polémicas e divisoras do partido e que pode ser uma das figuras de destaque na reformulação do partido.