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Hans Lucas/AFP via Getty Images

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Courbevoie. A cidade em choque com um crime antissemita que pode contribuir para o aumento da "cólera" eleitoral

A violação em grupo de menina judia chocou França. Judeus assustados agarram-se ao "mal menor" Macron. Muçulmanos sentem-se usados num combate político. Quem beneficia? Provavelmente a União Nacional.

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“Isto para nós é um choque. Não é frequente haver um crime destes numa cidade de 82 mil pessoas como esta.” O jovem peixeiro Kévin abana a cabeça em sinal de desânimo enquanto escama uma dourada para um cliente. É sábado e estamos no Marché Marceau, um dos vários mercados ao ar livre de Courbevoie, um subúrbio endinheirado de Paris onde há pouco mais de uma semana ocorreu um crime de contornos particularmente chocantes. “É assustador para o futuro, para as crianças, para todas as comunidades que estão a lutar para viver juntas. É terrível”, lamenta-se ao Observador o peixeiro, enquanto se despede do cliente aviado.

A banca de Kévin, no Marché Marceau, que se diz "em choque" com o crime

Cátia Bruno/Observador

O crime a que Kévin se refere aconteceu a 15 de junho, numa tarde de primavera de sábado. Axelle (nome fictício), uma menina de 12 anos de origem judaica, encontra-se com um amigo no parque da praça Henri Regnault. É um jardim calmo, a cinco minutos de sua casa, no meio de uma zona residencial agradável. Por volta das 5h da tarde, o amigo decide levá-la de volta até ao apartamento da família. Mas, pelo caminho, são intercetados por dois rapazes.

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Um deles é um conhecido da rapariga. Mais do que isso: de acordo com a investigação judicial, cujos detalhes têm saído na imprensa francesa, os dois manteriam uma espécie de namoro. Conheceram-se numa atividade extra-curricular de hóquei umas semanas antes e, desde então, têm trocado mensagens românticas no Instagram (“Amor da minha vida” e “jtm” — abreviatura de ‘je táime’ — eram frequentes). Até que, de há uns dias para cá, o rapaz (de origem portuguesa, cuja identidade não é conhecida e a quem damos o nome fictício de André), também de 12 anos, terminou a relação.

O jardim onde a vítima foi abordada é na praça Henry Regnault

Cátia Bruno/Observador

Quando fazem a emboscada a Axelle e ao amigo, André e o companheiro começam de imediato a insultar a menina e dizem-lhe para avisar a mãe de que não virá para casa tão cedo. Levam-na depois à força para o túnel que dá acesso ao parque de estacionamento Coupole-Regnault, mesmo à saída do jardim. Atravessam aquele pedaço debaixo de terra e saem do outro lado da praça. Arrastam-na até a um edifício abandonado ali mesmo ao pé — uma antiga creche, que ainda mantém desenhos de joaninhas no rodapé, mas que está completamente degradada por dentro. Mais de uma semana depois, não há ali qualquer sinal do que aconteceu dentro daquele prédio, a não ser, quando se espreita pelo vidro, uma cadeira derrubada no chão e um amontoado do que parecem ser papéis.

De regresso àquela tarde, quando os dois rapazes fizeram Axelle entrar à força na antiga creche: lá dentro, outro rapaz aguarda-os. Começa a tornar-se mais claro porque razão Axelle foi trazida para um lugar tão remoto (embora a poucos metros da sua própria casa). Segue-se aquilo que terá sido uma hora de tortura. André começa por lhe chamar “porca judia”. “Por que me mentiste?”, pergunta-lhe, por ter dito que era muçulmana se afinal era judia. Ela diz que tem medo, que já se sentiu discriminada na escola. Os três adolescentes (André de 12 anos e os outros de 13) dão início àquilo que a advogada da vítima definiu como “uma expedição punitiva”.

Axelle é agredida fisicamente. Puxam-lhe os cabelos. Obrigam-na a comer papel. Ameaçam queimá-la com um isqueiro. Tiram-lhe fotografias e filmam-na. André fica a observar enquanto os dois adolescentes de treze anos a violam, com penetração, de várias formas. Tudo enquanto a insultam por ter escondido o facto de ser judia. No final, ameaçam-na: deve regressar ao local no dia seguinte, com 200 euros. Caso contrário “algo de mal acontecerá à sua família”

Cátia Bruno/Observador

Axelle faz o contrário. Segue a pé para casa, onde chega por volta das 19h e conta tudo aos pais. Dois dias depois, os três rapazes são detidos. Apesar da origem portuguesa, os investigadores terão concluído que André se tinha convertido recentemente ao islamismo e que se pronunciava frequentemente contra Israel e a favor de Gaza nas suas redes sociais.

Tudo aponta, para já, para um crime de motivação claramente antissemita. Kévin, o peixeiro do Marché Marceau, diz que não consegue entender. “Sabe-se lá o que tinham no coração naquele momento…”, vai dizendo, de olhos fixos nas postas de pescada que corta agora. “O que se passou? O que pensaram em relação àquela menina? O que terá ela experienciado? Como terá vivido isto? Acho melhor perguntar a uma mulher. Deve ser terrível”, acrescenta, de olhos ainda baixos.

Macron, Bardella ou Mélenchon? “Todos os judeus razoáveis estão presos numa armadilha”

Na mesma rua onde o Marché Marceau se instala aos sábados, está uma das duas sinagogas de Courbevoie, cidade conhecida por ser um pólo empresarial dos subúrbios de Paris onde também existe uma mesquita e dois templos protestantes. Jean e Sarah estão a sair do edifício, onde foram assinalar este Shabbat, quando o Observador os encontra. Estão nervosos. Pedem para confirmar a identidade da jornalista com o cartão de imprensa. Mas acabam por aceitar falar, embora não queiram ser fotografados nem identificados pelo apelido — uma experiência semelhante à de muitos outros neste sábado, oficialmente “período de discrição” semelhante ao dia de reflexão português.

“A notícia da violação foi um grande trauma”, assume Jean, que usa uma discreta quipá (chapéu religioso usado pelos homens no judaísmo) cinzenta clara na cabeça. “Estamos ao lado de La Défense, um dos maiores centros financeiros de França, onde praticamente não há criminalidade.”

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Courbevoie é mesmo ao lado de La Défense, um dos maiores bairros financeiros de Paris

AFP via Getty Images

Mas o clima, garante Sarah — que traz um colorido tichel (lenço usado por algumas mulheres judias) de tom amarelo — já não era bom para os judeus em França, mesmo que em Coubervie. “Temos medo pelos nossos filhos”, diz, apontando para os dois rapazes com menos de dez anos que os acompanham. “Evitamos que usem a quipá, andamos meio que undercover. Não somos livres”, decreta. “Tudo ficou muito pior desde o 7 de Outubro [data do ataque do Hamas a Israel]. Todos os judeus lhe dirão o mesmo. Temos medo, estamos tristes. Sentimo-nos abandonados pelo governo.”

Os dados comprovam que têm razão para isso. França, o país europeu com a maior comunidade judaica de toda a Europa, tem assistido a um aumento enorme no número de atos antissemitas. Só no primeiro trimestre deste ano, o aumento terá sido de 300%, de acordo com o Conselho Representativo das Instituições Judias de França. E a tendência já vinha de trás: um estudo da empresa de sondagens Ifop, citado pelo Nouvel Obs, dá conta de que entre junho e setembro de 2023, nove em cada dez estudantes judeus dizia ter sido alvo de algum tipo de antissemitismo na escola.

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Cemitério judaico vandalizado em Quatzenheim, em 2019

AFP via Getty Images

O caso de Axelle fez o tema entrar na campanha eleitoral para estas legislativas (cuja primeira volta se realiza este domingo) com toda a força. O Presidente, Emmanuel Macron, denunciou o “flagelo do antissemitismo” e apelou ao Ministério da Educação que abra um “tempo de discussão” nas escolas sobre racismo e antissemitismo.

Não foi o único. Jordan Bardella, o candidato da União Nacional (UN) a primeiro-ministro, disse que “desde o 7 de Outubro que uma atmosfera de antissemitismo se espalhou e se desenvolveu no país e que tem de ser combatida”. A líder do partido, Marine Le Pen, foi mais longe ao ligar diretamente o processo de “estigmatização dos judeus pela esquerda através da exploração do conflito israelo-palestiniano” e dizendo que tal deve ser tido em conta “a 30 de junho e 7 de julho [data da segunda volta]”.

À esquerda, François Ruffin, candidato da Frente Popular ligado à França Insubmissa (FI) — mas em rota de colisão com o líder Jéan-Luc Mélenchon — também foi claro na condenação do ato “odioso”, revelador de um “machismo grosseiro que vê as mulheres como coisas e de um antissemitismo que vê o judaísmo como uma deficiência, uma afronta à honra”. Mélenchon, por seu turno, também condenou o ato, dizendo-se “horrorizado” com o crime.

"Votarei em Macron, mas é uma armadilha, todos os judeus razoáveis estão presos numa armadilha. Não posso votar na UN, porque enfim, tem a História que tem. E a França Insubmissa tem antissemitas. Portanto, apesar não concordar com a política social de Macron, ele é o mal menor.”
Jéan, judeu de Courbevoie

As reações da UN e da FI, contudo, não chegam para muitos judeus como Jean e Sarah. Não esquecem as origens da UN, cujas tiradas antissemitas do fundador Jean-Marie Le Pen eram claras (chegou a definir as câmaras de gás dos campos de concentração nazis como “um detalhe” da II Guerra Mundial). Mas também temem a posição de Mélenchon, que ainda há duas semanas afirmava que “o antissemitismo em França é residual e está ausente de quaisquer eventos populares” — não por acaso, em abril passado, chegou a ser criticado pelo próprio presidente da conferência de imãs de França, que acusou a França Insubmissa de criar um clima de divisão da sociedade, de “exacerbar as tensões nas comunidades e de aumentar o antissemitismo e o preconceito”.

“O jogo já estava lançado. Para muitos judeus, as eleições servirão de pouco”, resume Jean à porta da sinagoga da avenida Marceau. “Votarei em Macron, mas é uma armadilha, todos os judeus razoáveis estão presos numa armadilha. Não posso votar na UN, porque enfim, tem a História que tem”, diz, encolhendo os ombros. “E a França Insubmissa tem antissemitas. Portanto, apesar não concordar com a política social de Macron, ele é o mal menor.”

Sarah concorda. Mas não alimenta grandes esperanças de que o Renascença — neste momento atrás da UN e da Frente Popular nas sondagens — venha a formar o próximo governo. “Os franceses não estão felizes. Só querem castigar Macron.”

De Sarkozy e a erradicação da “racaille” a um Macron que gere França como uma empresa

Michelle também concorda. Esta professora de 60 anos (razão pela qual não quer dar a cara nem o apelido), é uma das clientes do mercado que se assustou quando o Presidente anunciou que ia convocar legislativas na sequência da pesada derrota para o partido de Le Pen nas eleições europeias. “Estava a ver na televisão com o meu marido e disse ‘Ele não vai dissolver a Assembleia, as Europeias são um voto de protesto…’ E uns segundos depois ele diz que vai. Isto muda tudo.”

Depois de encher o saco com quilos de morangos, maçãs, meloa e outras frutas, Michelle fala um pouco mais. Macronista convicta como a maioria dos habitantes de Courbevoie (nas presidenciais de 2022, o Presidente obteve ali quase 40% dos votos na primeira volta e quase 80% na segunda), tenta justificar o comportamento do chefe de Estado como “uma tentativa de fazer os franceses perceberem que o nosso país é um bom país e que não é preciso partir tudo com a extrema-direita. Ele espera que os franceses voltem a si. Eu também. Caso contrário…”, suspira.

Nem todos, contudo, pensam assim. F. Cagin, reformado, assume-se de imediato como um eleitor histórico do centro-direita: “UDF, UMP, agora os Republicanos, sempre votei neles. Votei em Sarkozy, em Giscard, duas vezes no Chirac e por aí fora”, começa por assumir. “O problema é que nós sempre estivemos no poder e não fizemos o que dissemos que íamos fazer. Sarkozy prometeu livrar-nos da racaille [escória], disse aquilo tudo. Mas não fez nada disso.

Este antigo empresário acha que isso ajuda a explicar a ascensão da extrema-direita agora: “Os políticos prometem fazer tudo e depois não fazem nada e as pessoas ficam dececionadas. Eu tenho a sorte de poder viver num círculo eleitoral onde posso votar no meu partido”, explica, referindo-se a Philippe Juvin, o candidato dos Republicanos que concorre naquela circunscrição graças a um acordo pré-eleitoral feito entre alguns membros do partido e o Renascença para dividir a zona de Hautes-Seines entre eles. “Por isso, para mim, não há problema. Mas entendo que parte do meu partido, como Éric Ciotti [líder que abriu um diferendo judicial interno por querer fazer uma aliança pré-eleitoral com Bardella] se queira juntar à UN.”

Cartaz vandalizado de Éric Ciotti, o líder dos Republicanos em rutura com o partido por ter feito uma aliança pré-eleitoral com Bardella

Cátia Bruno/Observador

Os anos de François Hollande como Presidente, diz, pioraram tudo. E Macron não tem sido melhor, defende: “Ele é um empresário, um homem da finança. Mas a França não é um negócio. Quando eu dirigia uma equipa dizia ‘Vamos fazer assim e quem não fizer sai’. Mas despedir os franceses é impossível. França não é uma empresa do CAC 40 [índice francês semelhante ao PSI 20], há muitas sensibilidades.”

Cagin, italiano que emigrou para França há mais de 60 anos, não tem grandes dúvidas de que, este domingo, a vitória será da UN. “Temos uma extrema-esquerda completamente ideológica. E temos uma extrema-direita que começou com o senhor Le Pen, que achava os alemães muito fixes. Mas, durante a II Guerra Mundial, boa parte de França era a favor de Vichy. Temos isso, temos esse culto no passado.”

Ao mesmo tempo, aponta graves erros aos sucessivos governos por terem sido complacentes ao aplicar o princípio da laicidade: “Somos simples, aceitamos, mas a religião vem em segundo lugar. O problema com o Islão é que a sua religião vem em primeiro lugar.  Não é o resto. A religião está sempre à frente. Portanto, deveríamos estar a lutar contra isso há muito tempo. Procrastinámos com a burqa, procrastinámos com o véu…”

Por fim, dá um exemplo, lembrando a filha de um amigo argelino, que insiste em fazer as orações diárias em pleno local de trabalho, numa lavandaria — contra a indicação do pai, garante: “Sou católico. Faço o sinal da cruz, trago a cruz ao peito”, acrescenta, puxando o fio do pescoço para o mostrar. “Mas não faço isso, porque não preciso. Deus está em todo o lado.”

Como os políticos instrumentalizam casos como o de Axelle. E como “a cólera” pode vingar

Farah (nome fictício) é uma das poucas muçulmanas identificáveis pelo hijab e abaya negros que traz com quem o Observador se cruza em Courbevoie — e aceita conversar um pouco sobre o caso da violação de Axelle, a menina judia. “Isto não é normal, ainda para mais sendo uma menor, e muito menos aqui nesta cidade”, admite a jovem. A conversa tem lugar a praticamente dois passos da praça Henri Regnault, muito perto do lugar onde o crime terá ocorrido.

“Para mim, qualquer violador é um agressor. Não conheço a rapariga, mas para mim é irrelevante se é judia, branca, negra ou muçulmana. Não é não.” Quando questionada sobre se teme repercussões na sequência do caso para a sua comunidade, Farah começa a hesitar. É então que o pai se aproxima e dá o mote, sorrindo, mas com um tom assertivo: “Estou solidário com a vítima, mas não com os media. Exploraram o assunto propositadamente para a eleição”, decreta. Em concreto, diz, acredita que o crime só é descrito como antissemita “por os agressores serem muçulmanos”. “Ponto final”, acrescenta.

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A integração de muçulmanos tem sido uma questão que marca a política francesa há anos

Getty Images

Com mais dois dedos de conversa, acaba por suavizar o tom. “É claro que foi um choque. Também sou pai, se fizessem isto à minha filha…”, diz, com um gesto de cabeça em direção a Farah, que se despediu entretanto e segue caminho mais à frente. “Mas um crime horrendo está a ser usado para atacar toda uma diáspora”, lamenta-se.

A ideia de que os políticos se estão a aproveitar politicamente do caso não é exclusiva da comunidade muçulmana. O pai de Axelle, numa entrevista dada ao Le Parisien, também lamentou o facto: “É muito doloroso ver como o nosso ‘caso’ pode ser explorado por todos os partidos políticos. Preferimos manter-nos afastados desse tipo de pedidos”, afirmou, dando a entender que já terá havido contactos. “Só queremos alertar pais e filhos, independentemente da sua fé, para que este tipo de tragédia não se repita.”

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Marine Le Pen numa marcha contra um crime antissemita em 2018; Jean-Luc Mélenchon numa manifestação por um cessar-fogo em Gaza

AFP via Getty Images

Não é a primeira vez que casos de crimes violentos que abalam a sociedade francesa são aproveitados para fins políticos, em particular pela extrema-direita. Em plena campanha para as últimas europeias, por exemplo, Jordan Bardella comentou um esfaqueamento feito por um menor afegão a “uma política de migrações sem sentido que coloca os franceses em perigo”, lembra o Le Figaro. E é impossível ignorar exemplos do passado: em 2002, Paul Voise, de 72 anos, foi assaltado, espancado e teve a casa queimada por um grupo de Orléans. A ampla cobertura mediática do caso, dizem alguns, pode ter contribuído para que Jean-Marie Le Pen assegurasse a passagem à segunda volta das eleições.

“O legislador, seja qual for o seu lado, modifica as propostas com a ideia de ‘Nós entendemo-vos, reagimos de imediato’. As notícias tornam-se numa ferramenta para legitimar certa legislação”, analisou ao mesmo jornal Christophe André, jurista e professor da Universidade de Versalhes.

No coração de Courbevoie, no Marché Marceau, os eleitores têm dúvidas sobre se a violação de Axelle poderá ter impacto na votação — em particular num círculo eleitoral onde, nas legislativas de 2022, a candidata da UN não foi além dos 5% e nem sequer passou à segunda volta. Kévin, o peixeiro, diz que só este domingo “veremos se este caso influenciou a eleição”. Não quer revelar o seu sentido de voto, dizendo apenas que gostaria que os franceses “permanecessem sóbrios e longe dos extremos”. “Infelizmente”, acrescenta, “há raiva”. “Só que, como lhe digo, não há forma de saber para onde vai ser canalizada.”

“Não gostaria que a França Insubmissa se tornasse governo, mas… Prefiro a peste à cólera. Só que será provavelmente a cólera a ganhar.”
F. Cagni, eleitor de Courbevoie sobre Macron

A professora Michelle mantém a esperança de que a França do centro, agora representada por Macron, será capaz de manter os princípios da República francesa em que acredita: “Nas escolas, misturamos todos e esperamos que isto ajude os miúdos a lidarem com outras religiões. Somos todos franceses. Mas, é claro, pode haver crianças que vêm de famílias com problemas e que revelam comportamentos destes.” Diz que, até à última, quer acreditar que não haverá uma vitória da União Nacional. Mas, quase como se quisesse preparar-se, está já dois passos à frente a olhar para a próxima jogada: “Às vezes os políticos fazem muitas promessas, mas quando chegam ao poder percebem que não podem aplicar tudo o que disseram. Nós, franceses, temos uma expressão: ‘As promessas não vinculam aqueles que acreditam nelas’. Entende?

Já o católico Cagin, de origem italiana, reafirma claramente que votará no seu candidato dos Republicanos, mas tem noção de que não está a contribuir para uma solução de governo. Sobre qual o cenário que prefere, opta por uma metáfora: “Não gostaria que a França Insubmissa se tornasse governo, mas… Prefiro a peste à cólera. Só que será provavelmente a cólera a ganhar.

Quanto ao caso de Axelle, pais e advogados relatam que está profundamente traumatizada. Os três adolescentes suspeitos estão neste momento debaixo da asa da Justiça, tendo os dois mais velhos sido formalmente acusados por serem criminalmente responsáveis aos 13 anos. André, o ex-namorado que poderá ter instigado tudo, tem oficialmente estatuto de arguido e não de acusado quanto ao crime de violação, mas está acusado de agressão sexual em grupo, tentativa de extorsão, ameaça de morte e insultos com base na religião. Por ter 12 anos, está num reformatório e não no sistema penal como os alegados cúmplices.

Extremamente ativo nas redes sociais, tem estado em silêncio, possivelmente por causa dos ataques e ameaças de que tem sido alvo, como confirma o Libération. O último post que fez foi um dia depois daquela tarde em que levou Axelle para a creche abandonada de Courbevoie, quando ainda não tinha sido detido. Publicou um vídeo seu a caminhar pela rua, conta o Le Figaro, que teve acesso à conta. Na legenda, escreveu: “Perdi o desejo de me agarrar. Se as pessoas quiserem ir embora, vão, bye bye. A não ser ela.

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