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Moradores da Cova da Moura estiveram à janela desde o momento em que Odair bateu com o carro até o seu corpo ser levado pela ambulância
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Moradores da Cova da Moura estiveram à janela desde o momento em que Odair bateu com o carro até o seu corpo ser levado pela ambulância

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Moradores da Cova da Moura estiveram à janela desde o momento em que Odair bateu com o carro até o seu corpo ser levado pela ambulância

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Cova da Moura. A história da morte de Odair contada por quem estava à janela

Moradores da Rua Principal da Cova da Moura acordaram com carro de Odair a embater noutro. Da janela, dizem ter assistido ao momento em que foi baleado por um agente da PSP. "Foi muito perto."

A manhã desta segunda-feira começou mais cedo do que o habitual para algumas das pessoas que vivem na Cova da Moura. Passavam poucos minutos das cinco e meia da manhã quando os moradores da Rua Principal acordaram com um barulho. “Percebi logo que um carro tinha batido aqui à porta e fui à janela ver o que se passava”, relatou ao Observador uma das moradoras do bairro, que não quis ser identificada.

Esta mulher não foi, no entanto, a única a levantar a persiana para espreitar, até porque não era a primeira vez que um carro embatia contra outros estacionados por ali. Apesar de a estrada ter dois sentidos naquele local, os carros parados de um e do outro lado da rua tornam-na demasiado estreita para a passagem a uma velocidade maior do que o habitual. “Já bateram no carro da minha filha, porque passam muito rápido. Pensei que era isso”, continua a contar a mesma moradora.

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Não era. Pelo menos, não era apenas isso. Não era só um episódio que acabaria com uma porta amolgada ou uma traseira destruída. Ao volante estava Odair Moniz, que embateu no carro estacionado mesmo à frente do local onde acabaria por ser baleado por um agente da PSP.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Alertados pelo estrondo e pelas vozes na rua, já à janela, alguns moradores começaram a tentar perceber o que estava a acontecer. Olharam para a direita e o carro de Odair Moniz — era seu e não roubado, como inicialmente chegou a ser avançado — e, a cerca de 30 metros do sítio onde se tinha dado o embate, o carro de Odair estava mesmo à frente do café Couqueirinho, onde se juntam habitualmente muitos moradores ao final do dia, depois do trabalho.

Logo atrás de Odair parou um carro da PSP, contou ao Observador outro dos moradores do bairro da Cova da Moura, que assistiu a tudo o que se seguiu a partir da janela da sua casa.

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Odair bateu num carro, parou 30 metros à frente e terá saído do carro com as mãos no ar

Odair Moniz terá saído do carro por volta das 5h40. O comunicado divulgado pela PSP esta segunda-feira é mais preciso: aponta as 5h43 como a hora dos acontecimentos que levaram à morte do homem que vivia no bairro do Zambujal. É das poucas informações que coincidem, quando se cruzam as versões dos moradores da Cova da Moura com a das autoridades.

“Saiu do carro com as mãos para cima. Não sei se o carro não andou mais por ter batido ou se parou porque quis”, relatou um dos homens que assistiu ao que aconteceu. “Ele só gritava ‘não me toquem, não me toquem, não me toquem’”, acrescentou. “E os polícias foram logo atrás dele.” Odair, que morava no bairro do Zambujal, a cerca de 1,5km dali, tinha descido a rua de carro e começou a voltar para trás, já a pé. Os testemunhos de quem assistiu àqueles momentos referem que o homem caminhava em passo normal, nunca em corrida.

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Nesse momento, relatam também os moradores, um dos agentes da PSP terá disparado dois tiros para o ar assim que sai do carro. Alguns dos moradores, com medo, esconderam-se. Outros, que ficaram para ver o que se seguia, garantem que ainda ouviram um terceiro tiro disparado também para o ar.

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Os três — Odair e os dois agentes da PSP — acabariam por parar praticamente à frente do carro contra o qual Odair tinha embatido, mas do outro lado da rua, junto a outro carro vermelho, estacionado mesmo ao lado do portão de uma das casas. O carro continua por ali, exatamente no mesmo local, quatro dias depois.

E aqui os testemunhos dos que assistiram a tudo divergem ligeiramente. Uns relatam que Odair terá ficado encurralado entre os dois agentes, à frente do carro. “Ele ficou entre o carro e o muro da casa, não conseguia mexer-se”, disse um dos moradores ao Observador. Já outra mulher, que estava também à janela, conta que, antes dos disparos, os dois polícias “encostaram-no ao carro e estavam em cima dele, numa confusão”. “Eles ainda se envolveram em confusão em cima do carro, mas o Odair tinha sempre as mãos para cima”, acrescentou.

“Encostaram-no ao carro e estavam em cima dele, numa confusão”. “Eles ainda se envolveram em confusão em cima do carro, mas o Odair tinha sempre as mãos para cima”, disse vizinha.

É neste momento que surge uma das dúvidas deste caso. O comunicado enviado pela PSP esta segunda-feira assegurava que Odair tentou agredir os dois agentes “com recurso a arma branca”, sugerindo que o homem de 43 anos tinha uma faca consigo e que terá utilizado essa faca para ameaçar os agentes. Os moradores, por outro lado, asseguram que não existia qualquer faca. “Ele não tinha nada na mão, ele tinha as mãos para cima, como é que ele conseguia usar a faca?”, questiona outra moradora do bairro ouvida pelo Observador.

Agentes da PSP terão admitido que não foram ameaçados diretamente com uma arma branca em punho por Odair Moniz

Certo é que os relatos destas testemunhas seguem a linha da investigação da Polícia Judiciária, como foi revelado esta quarta-feira pela CNN e pela RTP. A PJ teve acesso às imagens de vigilância do bairro — a Amadora tem aumentado o número de câmaras espalhadas pelas ruas desde 2017 —, que, segundo as notícias dos últimos dias, mostram que não existiu qualquer ameaça com arma branca, confirmando apenas um confronto físico entre Odair e os dois agentes por este ter alegadamente resistido à detenção.

Confrontados, os dois agentes relataram aos inspetores da PJ responsáveis pela investigação que, afinal, não foram ameaçados com uma faca, ao contrário daquilo que consta nos autos e na versão dada pela PSP logo na manhã após o incidente. Questionada pelo Observador sobre a ameaça com recurso a faca e sobre a existência ou não de uma faca, a Direção Nacional da PSP remete para a versão inicial que está nos autos: “Cumpre-nos informar que a Polícia de Segurança Pública reitera o difundido no comunicado de 21 de outubro”.

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Ao Observador, a PSP explica que a informação de que dispõe é a que “está no auto de notícia e, neste, o agente relatou que foi atacado com uma faca e que se defendeu”. A investigação passou depois para a PJ e, a partir daí, diz a PSP, esta polícia ficou sem acesso a novas informações oficiais por parte do agente que baleou Odair.

A este respeito, o primeiro comunicado da PSP referia que, “na Rua Principal do referido bairro, quando os polícias procediam à abordagem do suspeito, o mesmo terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca, tendo um dos polícias, esgotados outros meios e esforços, recorrido à arma de fogo e atingido o suspeito, em circunstâncias a apurar em sede de inquérito criminal e disciplinar”.

O tiro “foi muito perto”

Os vizinhos continuavam à janela. E Odair e os dois agentes continuavam junto ao carro vermelho. “Foi tudo muito, muito, muito rápido. Ouvimos dois tiros. O polícia que tinha a arma na mão atirou nele”, contou um dos moradores. “Foi muito perto”, acrescentou, referindo-se à distância a que foi disparada a arma da PSP. “Um metro, foi muito perto”, repetiu, à medida que colocava à sua frente um amigo, para mostrar que estavam todos — Odair e os dois agentes — muito próximos quando aconteceram os disparos.

Odair Moniz caiu no chão depois de ser atingido pelos disparos. E o que aconteceu logo a seguir ficou registado em vídeos gravados pelos vizinhos que ali estavam e que mostram a conversa entre quem assistia àqueles momentos e um dos agentes:

— “Vê se ele está acordado”, disse um dos moradores.

— “Está, está. Está a respirar. Já chamámos a ambulância”, respondeu o agente.

— “Mas veja se foi na perna mesmo”, disse o morador

— “Não, parece que foi na barriga”, responde outro vizinho.

— “Eu acho que não, foi na perna”, acrescenta outro.

— “Estava muito próximo”, diz ainda outro.

Sem resposta dos agentes, ouve-se mais um pedido: “Veja se foi na barriga.” E ouve-se também, praticamente ao mesmo tempo, uma voz vinda do rádio de comunicações da PSP de um dos agentes, que dá uma ordem: “Vê se tem pulso.” Só nesse momento é que o polícia que segurava a arma tocou no pulso esquerdo de Odair e, logo a seguir, fez o mesmo no pescoço. Não se ouve a resposta.

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Os vizinhos continuaram a insistir, o agente levantou a camisola de Odair, olhou para cima, em direção às janelas onde estavam os moradores e, finalmente, deu outra resposta:

– Não, é da cintura para baixo. 

– Na virilha é preocupante.

– Eu sei, mas é da cintura para baixo.

O agente continuou a tentar perceber se Odair ainda tinha pulso e, antes da chegada da ambulância, juntam-se reforços desta polícia, incluindo membros da investigação criminal. Entre conversas, percebe-se que um dos agentes refere que “saiu do carro e tentou agredir os policiais”.

A bolsa foi retirada e o agente que anteriormente tinha visto o pulso de Odair, abriu-a, olhou para o seu interior durante algum tempo e mostrou o conteúdo à inspetora que estava no local.

As imagens — algumas circulam pelas redes sociais, outras foram obtidas pelo Observador — mostram ainda um dos elementos da polícia a mexer no telemóvel de um morador que estava a filmar o que estava a acontecer. “Apagaram tudo”, relatou um dos vizinhos. O Observador confrontou a PSP com esta questão (elementos da investigação criminal a apagar eventuais provas daquele momento?), mas não obteve qualquer resposta. Os vídeos que têm sido partilhados nas redes sociais mostram ainda um dos agentes a apontar para uma das janelas e a dizer que não pode filmar.

Segundo os moradores da Cova da Moura, que dizem ainda não ter sido interrogados pela Polícia Judiciária no âmbito da investigação, a ambulância chegou já depois das seis da manhã. “Foi às 6h18, vi as horas”, relatou uma das mulheres que falou com o Observador.

Quando chegou a assistência médica — e esta parte é também visível nas imagens —, Odair ainda tinha uma bolsa presa à cintura. Só vários minutos mais tarde, a bolsa foi retirada e o mesmo agente que, anteriormente, tinha verificado o pulso de Odair, abriu-a, olhou para o seu interior durante algum tempo e mostrou o conteúdo à inspetora que estava no local. Noutro dos vídeos, captado num outro momento, é possível ver um agente da PSP, agachado atrás de um carro estacionado ali perto, a remexer o conteúdo da bolsa.

Segundo a CNN, a arma branca referida pela PSP no comunicado divulgado na segunda-feira estaria dentro dessa bolsa, que Odair usava quando saiu, segundo os moradores, de uma festa que tinha decorrido ali mesmo, na Cova da Moura.

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