Começaram a aparecer mais nos números diários da Covid-19 em Portugal ainda antes de ter começado o desconfinamento e transformaram-se rapidamente no alvo do apontar de responsabilidades pelo aumento que colocou o país entre os que mais novos casos têm por 100 mil habitantes na União Europeia.
A diretora-geral da saúde, Graça Freitas, passou o último mês a apelar aos jovens que cumpram as medidas de contenção. A ministra da Saúde, Marta Temido chegou a escolher uma linguagem alternativa para passar a mensagem no 5 Para a Meia-Noite: “Ir assim para rua mamar copos sem máscara, sem nada, não é boa ideia”.
Não foi assim que Ana Patrícia Silva, 29 anos, foi atingida pela Covid-19. Enfermeira num hospital privado em Valongo, foi infetada pelo novo coronavírus na linha da frente do combate ao SARS-CoV-2. Testou positivo a 4 de maio, o primeiro dia de desconfinamento em Portugal, e só veio a sair dos cuidados intensivos a 19 de maio, um dia depois da entrada na segunda fase de regresso à normalidade.
A faixa etária dos 20 aos 29 anos pode ter sido levada a relaxar os cuidados e a ter mais comportamentos de risco pela ideia de que a Covid-19 é uma doença relativamente benigna para os jovens, sem grandes complicações. Uma ideia que também nada tem a ver com o que aconteceu a esta enfermeira.
Enquanto grande parte do país saía à rua pela primeira vez em dois meses, Ana Patrícia passou essas duas semanas em coma. Não se lembra de nada. Deu entrada no Hospital de Santo António na primeira segunda-feira de maio, mas acordou no São João já o mês ia a meio. Perdeu a noção do espaço e do tempo. Por pouco não perdia a vida.
Na manhã do dia em fez o teste para a Covid-19, Ana Patrícia queixava-se apenas de tosse e falta de ar. Ao longo da tarde, no entanto, o estado dos pulmões deteriorou-se rapidamente. Mulher, jovem e sem patologias prévias que a colocassem num dos grupos de risco, além de um ligeiro excesso de peso, nada fazia prever que acordaria nos cuidados intensivos do São João após 15 dias em pré-falência pulmonar e cardíaca.
Líquido nos pulmões, coração em falência, trombos no sangue
A pneumonia grave é uma das consequências mais conhecidas nos quadros clínicos severos da Covid-19. O novo coronavírus infeta as células através de uns recetores — os ACE2 — que são mais abundantes na periferia do pulmão, onde ficam os alvéolos, isto é, bolsas elásticas que o sangue recebe o oxigénio para ser distribuído pelo organismo e fornecer energia ao corpo.
Nos casos em que o sistema imunitário não consegue fazer frente à infeção, os alvéolos enchem-se de um líquido que dificulta a oxigenação do sangue: “Nesses casos, é comum que as radiografias mostrem umas condensações, isto é, umas manchas mais claras onde o pulmão não está cheio de ar”, descreveu ao Observador o médico João Cardoso, diretor do serviço de pneumologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
não, não é nada como na gripe — nem mesmo quando o paciente é um jovem na casa dos 20 anos. De acordo com o médico, “quando há uma pneumonia grave de gripe, essas manchas esbranquiçadas aparecem mais nas zonas centrais e superiores da árvore taqueobrônquica”. No caso da Covid-19, elas aparecem na periferia dos pulmões. Todo o sistema de distribuição do oxigénio pelo organismo fica comprometido, correndo-se o risco de outras órgãos — sobretudo o coração e os rins, altamente irrigados — entrarem em falência.
O coração não é poupado nesta batalha. O músculo do coração também tem as enzimas que o SARS-CoV-2 utiliza para se introduzir nas células. Quando se ligam, o vírus provoca uma lesão miocárdica, mesmo nas pessoas que não têm doença cardíaca prévia. Quem já tem complicações, mesmo que mais ténues, terá uma probabilidade muito elevada de não sobreviver.
Regina Ribeiras, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, explicou ao Observador que os casos que necessitam de internamento são em que, por norma, uma subida gradual e ligeira nos níveis de troponina — uma substância envolvida na contração do coração e que entra em circulação quando o músculo cardíaco é danificado — ao longo de 10 dias.
Mais uma vez, é um fenómeno que, embora conhecido, não se assemelha ao provocado por bactérias ou pelo vírus da gripe. “A inflamação do miocárdio provocada por este vírus é bastante exuberante, a lesão é muito marcada e muito intensa“: “A generalidade das pessoas que precisa de internamento sofre realmente uma lesão cardíaca”, confirmou a médica.
Depois, surgem também os problemas de coagulação do sangue, uma complicação que atinge 20% a 40% dos pacientes nos cuidados intensivos e que pode escalar para embolias pulmonares, acidentes vasculares cerebrais ou enfartes do miocárdio. Nesses casos, “o sangue começa a gerar trombos ao longo do sistema vascular“, descreve Álvaro Beleza, diretor do Serviço de Imuno-Hematologia do Hospital de Santa Maria.
Isso acontece quando há uma agregação das plaquetas, as células responsáveis por estancar sangramentos em vasos sanguíneos lesionados. É o que tem sido observado nos casos mais agudos e terminais de pneumonia nesta pandemia quando o paciente entra numa falência generalizada dos órgãos, incluindo o fígado e os rins. “Há uma alteração das plaquetas e da resposta hepática. São quadros que acontecem frequentemente em doentes agudos de falência em cuidados intensivos”, explica o médico ao Observador.
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Há mais. Se a doença continuar a piorar, pode entrar-se numa numa situação de lesão cardíaca generalizada em que “dificilmente há recuperação”, descreve Regina Ribeiras: o corpo entra numa “tempestade de citocinas”, moléculas envolvidas na comunicação entre as células quando o organismo desencadeia uma resposta imune. Os níveis de troponina sobem em flecha de cinco em cinco dias. O coração, que já estava fragilizado à partida, deixa de ter capacidade para suportar o ritmo de trabalho que o organismo lhe exige. E entra em falência. Nesses casos, 85% dos pacientes acaba por morrer nos cuidados intensivos dos hospitais.
Patrícia não aguentava com o peso da própria cabeça e não sabia engolir
Ana Patrícia sobreviveu, mas a equipa médica que a acompanhou chegou mesmo a julgar que perderia a vida. “Tiveram de me ligar ao ventilador, mas não funcionou. Por isso, fui transferida para o Hospital de São João para ser encaminhada para a ECMO“.
“ECMO” é um acrónimo para Oxigenação por Membrana Extracorporal, uma técnica de suporte de vida utilizada em doentes críticos com falência cardíaca ou pulmonar quando todas as outras medidas não resultaram. A vantagem é que ajuda o doente a respirar, reduz o risco de lesão pulmonar, apoia o sistema circulatório e diminui as possibilidades de sequelas cardíacas. Por outro lado, pode também provocar hemorragias ou a entrada de bolhas de ar nos vasos sanguíneos, por exemplo.
Quando acordou, Ana Patrícia não conseguia falar: os médicos tinham-lhe feito uma abertura na traqueia por onde passava um tubo para ventilação mecânica — uma traqueostomia. “Algumas enfermeiras conseguiam ler-me os lábios e entender o que eu queria dizer. Pelo que os médicos e as pessoas mais próximas de mim dizem, foi mesmo muito grave. stive mais para lá do que para cá, como se costuma dizer. Houve períodos muito maus”, recorda a enfermeira.
Chorava quase todos os dias, confessa. Não podia receber visitas, nem sabia como estavam os pais e os irmãos. Só mais tarde soube, pela boca de enfermeiras mais velhas, que tanto a mãe como o irmão estavam infetados e que também eles tinham sido internados, mas que não tinham desenvolvido quadros clínicos tão graves e estavam a recuperar da doença.
Também ela havia de se curar da Covid-19, mas a luta adivinhava-se longa para a jovem de 29 anos. Quando teve alta da enfermaria do Santo António, hospital para onde voltou após o tratamento com a ECMO, Ana Patrícia já conseguia dar alguns passos e tomar banho sozinha. Mas precisou de acompanhamento no Centro de Reabilitação do Norte em três áreas: fisioterapia para a capacidade motora, terapia da fala e a terapia ocupacional.
Todos os dias Ana Patrícia ia até número 22 da Avenida Infante Sagres para combater as sequelas causadas pela passagem pelos cuidados intensivos à conta da Covid-19. “O ginásio da fisioterapia era todos os dias de manhã durante quatro horas, das 8h30 às 12h30. Perdi 10 quilos enquanto estive nos cuidados intensivos. Nos primeiros dias tinha de ser arrastada da cama para o cadeirão. Nos últimos dias estava melhor, mas as enfermeiras tinham de me ajudar a sentar porque a minha cabeça parecia que pesava muito”, descreve.
O tratamento com ventiladores com a ECMO também afetou a capacidade de fala e deglutição da enfermeira — daí a terapia da fala por que teve de passar no Centro de Reabilitação do Norte. Quanto à terapia ocupacional, a jovem explica que fazia exercícios para melhorar a destreza manual e a sensibilidade: “Era o que estava pior quando saí do hospital”, conta ao Observador.
Ana Patrícia só teve alta do Hospital de Santo António a 20 de junho, quase dois meses após ter testado positivo para a Covid-19. Ainda não voltou ao trabalho e daqui a duas semanas, quando o fizer, fará apenas pequenos turnos para perceber como é que o corpo reage ao regresso à normalidade. Ainda não fez exames que lhe permitam saber se ficou com sequelas em algum dos órgãos. Mas está esperançosa: “Tenho-me aguentado bem”.
Jovens dos 20 aos 29 são os que mais aumentaram em percentagem de casos
Os números falam por si. A faixa etária dos 40 aos 49 anos é a que detém um maior número do total de casos de Covid-19 em Portugal entre 24 de abril e 30 de junho, revelam os dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) publicados diariamente nos relatórios de situação.
No entanto, olhando para as percentagens diárias de infetados por cada faixa etária, confirma-se que a faixa etária dos 20 aos 29 anos é a que mais tem crescido de dia para dia: a 04 de maio, 11,65% dos indivíduos infetados pelo novo coronavírus até esse dia estavam na casa dos 20 anos, mas a 30 de junho já eram 14,58%.
Há outras faixas etárias cuja representação na totalidade de casos de Covid-19 continua a aumentar. Os infetados com entre 30 e 39 anos eram 14,1% dos infetados a 04 de maio, mas a 30 de junho já eram 15,95%. Muito abaixo, mas ainda assim com tendência crescente, estão as crianças e adolescentes. Na faixa etária dos zero aos nove anos, no mesmo período de tempo, a percentagem subiu de 1,67% para 2,92%. Nos infetados com entre 10 e 19 anos, a percentagem subiu de 3,02% para 4,09%.
O problema parece realmente concentrado nas faixas etárias mais jovens, uma vez que em todas as outras se verifica um decréscimo na percentagem de casos na totalidade de infetados pelo novo coronavírus. Os doentes com 50 a 59 anos passaram de 16,97% dos casos para 15,7% entre 04 de maio e 30 de junho. No mesmo espaço de tempo, os infetados com 60 a 69 anos passaram de 11,48% para 10,3%; os doentes com 70 a 79 anos desceram de 8,75% para 7,21%; e os infetados com 80 anos ou mais passaram de 15,67% da totalidade dos casos para 12,54%.
As taxas de crescimento verificadas entre 04 de maio e 30 de junho testemunham isso mesmo. A faixa etária das crianças até aos nove anos foi a que registou uma maior taxa de crescimento (mais 190%) entre o primeiro dia de desconfinamento e o último dia de junho, seguida do grupo dos 10 aos 19 anos (123,8%) e dos 20 aos 29 anos (106,7%). Todos os outros grupos registam taxas de crescimento abaixo dos 100%, com a faixa etária dos 80 ou mais anos com apenas 32,1% de taxa de crescimento.
No entanto, em números absolutos, a faixa etária dos 20 aos 29 anos continua a destacar-se. Nos 57 dias entre o primeiro dia de desconfinamento e 30 de junho, houve mais 3.173 jovens com 20 a 29 anos e mais 3.121 adultos com 30 a 39 anos infetados com o SARS-CoV-2. Todos as outras faixas etárias ficaram abaixo dos três mil novos casos, com o grupo dos 70-79 anos a registar 806 novos doentes — menos um que a segunda faixa etária com menos notificações, a dos zero aos nove anos.
Além disso, todas as faixas etárias até à dos adultos com 30-39 anos aumentaram a representação percentual no total de casos de Covid-19, enquanto as restantes viram essa percentagem decrescer. A faixa etária dos 20-29 anos foi aquela que viu a percentagem de infetados mais crescer: a 30 de junho tinha mais 2,94 pontos percentuais do que tinha a 4 de maio. A faixa etária que mais diminui foi a dos idosos com mais de 80 anos: menos 3,14 pontos percentuais que no início do desconfinamento.
As autoridades de saúde têm justificado estes números com os surtos verificados após a celebração de festas ilegais e ajuntamentos descuidados por parte dos jovens. Mas essa pode não ser a única raiz do problema, considera Gabriela Gomes, matemática especialista em epidemiologia e investigadora na Escola Superior de Medicina Tropical de Liverpool, no Reino Unido.
Num trabalho noticiado pelo Observador no início de maio, a cientista já havia defendido que, como há pessoas mais suscetíveis à doença do que outras, e tendo em conta que os indivíduos que ficam infetados são os mais suscetíveis, os que sobram são os mais resistentes.
Em resposta enviada ao Observador, Gabriela Gomes considera que “há dois fatores determinantes” a justificar os números da Covid-19 em Portugal neste momento. “Um é o facto das pessoas consideradas de alto risco — neste caso, as com idade mais avançada — se exporem menos, assim reduzindo a sua probabilidade de serem infetadas”, começa por dizer a matemática.
Outro fator, prossegue ela, tem a ver com o próprio desconfinamento: “As pessoas de menor risco estão a voltar às suas rotinas de trabalho. Estas pessoas serão predominante saudáveis e em muitos casos confirmados positivos até sem sintomas”. “Com este padrão não será surpreendente que haja mais infeções confirmadas em gente mais jovem enquanto que a mortalidade continue a incidir nos mais velhos”, interpreta Gabriela Gomes.
Covid-19 “é uma espécie de roleta russa”, até para os jovens
Mas há motivos para preocupação? Estatisticamente, o doente mais frequente das formas mais graves de Covid-19 é do sexo masculino, tem mais de 60 anos e já sofre de alguma patologia cardiovascular. ste é “o perfil típico, mas não é exclusivo”, avisa Roberto Roncón, coordenador do Centro de Referência de ECMO do Centro Hospitalar Universitário de São João, ao Observador.
tanto não é exclusivo que há cada vez mais jovens com Covid-19 a necessitar de internamento: 34% dos internados no Hospital de Santa Maria em Lisboa têm menos de 35 anos e muitos deles não tinham qualquer doença que os colocasse num grupo de maior risco. O Observador solicitou à Direção-Geral da Saúde os dados referentes à evolução do número de internados e em cuidados intensivos por faixa etária, mas ainda não obteve resposta.
Mas numa entrevista à Rádio Observador em junho, Maria João Brito, diretora da Unidade de Infeciologia do Hospital Dona Estefânia, já tinha avisado: “A juventude é uma altura da nossa vida em que achamos que nada nos acontece. Nós somos invencíveis, nós somos imortais. Temos esta sensação de poder perante a vida e de que os problemas são sempre para os outros“.
Os jovens não são “invencíveis” e alguns já estiveram em “risco de vida” devido à Covid-19
Depois, há questões comportamentais: os jovens gostam de estar em grupo. Por isso, “criam-se duas condições ótimas para que os jovens passem a ser visto como inconsequentes em relação à Covid-19”: “Há o risco de se infetarem e há o risco de se infetarem e poderem infetar os outros, pessoas de que gostam. Eles não são invencíveis, são pessoas suscetíveis. Menos do que os adultos, mas isto pode acontecer a qualquer pessoa, a qualquer jovem, mesmo que seja saudável”, alerta a infecciologista.
Maria João Brito admite que o Hospital Dona Estefânia acompanhou casos de jovens até aos 18 anos que “estiveram bastante doentes, algumas passaram nos cuidados intensivos, algumas estiveram mesmo em risco de vida e eram pessoas saudáveis“. É “uma espécie de roleta russa”, compara a médica: “Não podemos pensar que só vai atacar os idosos ou a quem já tem comorbilidades. Não, pode acontecer a qualquer um”.
Roberto Roncón também acompanhou casos de jovens em risco de vida nos cuidados intensivos quando o Norte era a região do país mais preocupante durante a pandemia. Questionado sobre o que justifica casos como o de Ana Patrícia, jovem e saudável que chegou a estar entre a vida e a morte, o médico explica que “ainda ninguém sabe”.
Há teorias em cima da mesa. “Uma das hipóteses tem a ver com a virulência da estirpe do vírus, mas o que nós observamos é que essa explicação não é totalmente convincente porque já tivemos duas pessoas com a mesma estirpe e na mesma faixa etária que desenvolve quadros muito diferentes”, conta Roberto Roncón.
Outra possibilidade está relacionada com a carga viral: “Se eu contactar com uma grande carga vírica, a probabilidade de eu desenvolver uma doença grave é maior. Isto tem a ver com a exposição”. Mas a explicação mais convincente diz respeito à interação entre o vírus e o sistema imunitário.
Segundo o médico do Hospital de São João, “muitas vezes é a resposta que o sistema imunitário desenvolve que determina o quadro clínico“: “Existem uma série de moléculas que podem reconhecer mais ou menos o vírus e ativar mais ou menos o sistema imunitário. le protege-nos contra a infeção, mas é tão potente que, se for ativada de forma desregulada, ele próprio vai induzir lesões”, descreve Roberto Roncón.
Um dos medicamentos que neste momento está a ser estudado para o combate à Covid-19 é precisamente a dexametasona, um fármaco corticosteroide capaz de regular a resposta do sistema imunitária se ela for demasiado exuberante.
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Problema resolvido? Longe disso. É que “neste momento não existe um conhecimento para dizer que uma pessoa com uma determinada característica vai de certeza desenvolver esse tipo de resposta imunitária”. “Se nós tivéssemos isso, podíamos estratificar a população e identificar quem tem um sistema imunitário que desenvolve esta resposta exacerbada para tomar o medicamento. Mas não sabemos”, conclui o médico. E isso também é válido para os mais jovens.
“Os jovens não são minimamente os únicos culpados”
Apesar de os números da Covid-19 apontarem para uma incidência crescente os grupos etários mais jovens, Roberto Roncón recusa apontar-lhes o dedo: “Não podemos tentar comunicar com os jovens como comunicamos com o resto da população. Cada faixa etária tem as suas particularidades. E uma das particularidades dos jovens é que normalmente se está mais preocupado com o futuro do que com o passado ou o presente”.
Isso “não é um defeito nem uma qualidade, é uma característica” de que as autoridades de saúde devem estar cientes quando passam a mensagem aos mais jovens. “Achar que uma conferência de imprensa capta a atenção dos jovens é não perceber o essencial. A linguagem tem de ser diferente e os meios de comunicação devem ser diferentes“, considera o médico.
Roberto Roncón concorda com Maria João Brito quando afirma que um dos problemas com os jovens no panorama da crise epidémica é que estas faixas etárias “convivem mais”. Mas “ter um discurso de recriminação, de apontar o dedo é a forma pior de explicar alguma coisa aos jovens adultos”: “O que eles precisam é de comunicação por empatia. Não se deve incutir medo, mas sim ao contar histórias de jovens saudáveis que passaram pela Covid-19 com quadros severos”, considera o médico.
Até porque não são os únicos culpados dos atuais números da Covid-19 em Portugal. Por um lado, o aumento do número de infetados — inclusivamente dos jovens — era “inevitável” durante o desconfinamento, sublinha o especialista, que considera até que a reabertura do país devia ter sido mais monitorizada nas regiões com riscos de transmissão maiores e entre as faixas etárias mais jovens.
Por outro lado, prossegue Roberto Roncón, nem todos os surtos foram causadas pelos mais novos: muitos surgiram em lares, ambiente laboral e revelaram os problemas nas franjas da sociedade portuguesa. “Os jovens necessariamente seriam uma faixa etária mais afetada, mas daí a recriminá-los e dizer uma coisa que não é verdadeira, que estes surtos dependem todos dos jovens… Isso não é verdade. Os jovens não são minimamente os únicos culpados”.
[Artigo corrigido na parte que se refere ao hospital onde Ana Patrícia Silva trabalha como enfermeira. Na versão inicial era dito que estava ainda no Hospital Garcia de Orta. Na verdade, Ana Patrícia Silva já trabalhou nesse hospital de Almada, mas agora exerce funções num hospital privado de Valongo. Pedimos desculpa pelo erro.]