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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Cravos no lugar de deputados, e silêncio, muito silêncio. O 25 de abril em tempos de pandemia

Rio aproveitou dia de unidade para fazer oposição. Ferro explicou-se. Direita e esquerda esgrimiram argumentos para estar ali. Abril celebrou-se. Mas com muito silêncio e cravos no lugar de deputados.

Silêncio quase absoluto. O dia 25 de Abril costuma ser de enchente no Parlamento, cheio de deputados e convidados pelos corredores, cantorias espontâneas e abraços fraternos. Desta vez, tudo mais frio, distante e vazio, mais próximo do tráfego parlamentar a uma sexta-feira à tarde. Em vez da banda da GNR, foi uma gravação a tocar numa aparelhagem o hino nacional. Os cravos, que costumam estar espalhados pelos corredores, limitaram-se a duas filas no plenário. Os convidados foram poucos e sentaram-se nas galerias. Onde antes estavam dezenas de pessoas estiveram agora só duas ou, no máximo, três, muito longe umas das outras. Uma versão que já seria minimalista e que se foi reduzindo ainda mais, à medida que se aproximava a cerimónia.

Nos discursos em plenário, o CDS, contrariado, recusou-se a utilizar todo o tempo disponível (só utilizou quatro dos seis minutos, em protesto) e o Presidente da República dedicou parte do seu discurso a justificar o porquê de estar ali. Ferro Rodrigues não poupou na defesa do 25 de Abril. Rui Rio não teve problemas em fazer oposição ao governo, mesmo que a tenha evitado nos últimos tempos. As referências de Abril foram andando, com o presidente da Assembleia a dizer que a liberdade estava a passar por ali, como na Maré Alta de Sérgio Godinho, ou Moisés Ferreira, do Bloco, a falar na inquietação, palavra colada à música homóloga de José Mário Branco, mesmo sem a referir. Entre cada discurso, lá ia o funcionário da Assembleia da República desinfetar o microfone do púlpito.

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Foi um 25 de Abril no Parlamento diferente. Os deputados cumprimentaram-se a medo, os convidados, alguns já de idade avançada, nem pararam em frente às câmaras para declarações e entraram na sala num ritmo pouco cerimonial. Houve quem fosse mascarado (termo do presidente do Parlamento para quem utilizasse máscara), como foi o caso da deputada do PSD Filipa Roseta.

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No fim da cerimónia, os representantes dos partidos não abdicaram de prestar declarações, mas, desta vez, o local escolhido para as declarações não foi o corredor dos Passos Perdidos (também ele mais vazio do que o habitual), mas o Salão Nobre, mais amplo. O primeiro a falar foi João Cotrim Figueiredo e os restantes foram fazendo fila, a uma distância de segurança, como se estivessem a entrar no supermercado. A determinado momento, Rui Rio percebeu que a fila era maior do que o que esperava: estava Jerónimo de Sousa a falar, Inês Sousa Real à espera e reparou que também ali estava Catarina Martins. Para perceber quanto tempo estava para demorar a ronda, perguntou à líder do Bloco de Esquerda: “Vai falar?” A resposta era, claro, afirmativa. Telmo Correia não se importou de ficar para o fim. Jornalistas, assessores e deputados iam facilitando aqui e ali na distância de segurança, mas sempre com mais preocupações do que noutros anos.

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Ainda os políticos reagiam no Salão Nobre e já os funcionários começavam a arrumar tudo, a dobrar bandeiras e a despir a sala do plenário de cravos. Na sala estavam na mesma 230 cravos no local dos deputados, mesmo aqueles que não puderam estar presentes. Cada cravo representava um dos eleitos, mas na sala só esteve mesmo um deputado por cada ano do 25 de Abril: 46 anos.

Até a tolerância habitual foi limitada pela pandemia: às 13h23 os jornalistas foram convidados a sair do edifício do Parlamento e muitos — mesmo com acreditação — nem sequer puderam entrar na sala de sessões limitada a 9 lugares para jornalistas: televisões, rádios e Agência Lusa. Um 25 de abril diferente dos outros.

Um minuto de silêncio inédito, muitas justificações e uma vacina

A cerimónia começou de forma inédita, com um minuto de silêncio pedido pelo Presidente da Assembleia da República em homenagem às vítimas do novo coronavírus, o vírus “terrível” que matou milhares de pessoas em todo o mundo. Feito o silêncio, vieram as justificações. Ferro Rodrigues foi o grande promotor da realização da cerimónia evocativa no Parlamento, contra vozes críticas que obrigaram à alteração do modelo inicial, e, como tal, passou largos minutos da sua intervenção a justificar a sessão.

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Em primeiro lugar, é preciso celebrar abril, sobretudo nos momentos mais críticos da vida enquanto sociedade, para manter abril. “É preciso garantir que estes momentos não servem para lançar uma alternativa anti-democrática”, disse, reforçando que, enquanto órgão de soberania, mesmo em estado de emergência, a Assembleia da República “não fechou as suas portas e manteve intactos os seus poderes”. Logo, tinha de celebrar esta data tão importante para a nação.

E celebrar é diferente de festejar, sublinhou Ferro Rodrigues. “Celebrar, e não festejar, o momento fundador do nosso regime na casa da democracia é mostrar no presente, e para o futuro, que independentemente das circunstâncias a democracia e o Parlamento dizem ‘presente’”. Ou seja, é nos momentos mais difíceis que a Assembleia da República tem de estar presente e tem de dar o exemplo. O bom exemplo.

Ferro, que foi bastante criticado nos últimos dias, dentro e fora do Parlamento, voltou a repetir que a celebração respeitou estritamente as normas de segurança recomendadas e explicou que, se a Assembleia da República não fechou as suas portas no passado, “não faria sentido que as fechasse hoje”. Sobretudo hoje. Foi aí que citou o escritor Luís Sepúlveda, uma das vítimas do novo vírus, para saudar os “resistentes” que “demonstraram sem espaventos que é possível viver, mas viver de pé, mesmo nos piores momentos”. Resistir foi a palavra de ordem.

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A pandemia pode ter “deitado por terra parte do que conquistámos”, mas foi na AR que foi possível aprovar medidas legislativas e um programa de recuperação de rendimentos, disse o presidente da Assembleia da República, desenhado pelo Governo socialista que está em funções. Quanto ao papel da oposição, que também não é de somenos, permite ajudar a combater as “desigualdades” e fiscalizar o Governo para que ninguém fique de fora, desprotegido desta crise. Ferro acredita que isso será feito “com projetos diferentes, mas respeitando regras de funcionamento do sistema democrático”, disse, apontando depois o dedo aos populismos.

Esse é o grande desafio: travar os populismos que se aproveitam do medo numa situação de crise.  “O pior que podia acontecer à democracia” era ver que o “escrutínio é feito com base em calúnias, mentiras e falsidades”, já que isso não é escrutínio, “é a democracia a ser atacada”. E foi aí que falou de uma vacina, não contra a Covid-19, mas contra a austeridade: “De uma coisa estou certo, Portugal e portugueses estão vacinados contra a austeridade, resta saber se a vacina tem 100% de eficácia”.

“Não devíamos estar aqui”

Na origem da sessão, uma polémica: realizar ou não realizar a sessão evocativa do 25 de abril no Parlamento, em moldes presenciais. Foi uma polémica alimentada durante vários dias por ambas as frentes. André Ventura e o CDS, à cabeça, fizeram a defesa da não-realização da cerimónia, e foi isso mesmo que foram dizer quando subiram à tribuna do plenário.

“Não devíamos estar aqui hoje. E não devíamos estar aqui hoje porque os portugueses não puderam estar ao lado daqueles que perderam, que celebraram e aqueles que queriam abraçar”, começou por dizer André Ventura, sublinhando que, “por muito muito importante que o dia seja, não deveríamos estar aqui hoje”.

Tanto Ventura como o CDS arriscaram mesmo dizer que “a grande maioria” dos portugueses pensa como eles, e acha que os deputados não deviam ter estado ali hoje. Para Ventura, de nada vale abril se continuamos com “índices de corrupção” elevados, “se continuamos a libertar bandidos” ou a “pagar cada vez mais impostos”, “muitos deles para pagar a muitas minorias que não merecem”, disse, apelidando essas minorias de “coitadinhos de abril”. Por isso defendeu “um outro 25 de abril”, uma “nova madrugada porque esta já não serve”.

O CDS, por sua vez, protestou não usando os 6 minutos de que dispunha para falar. Telmo Correia usou apenas pouco mais do que três minutos, e diz que foi o suficiente para transmitir a mensagem que queria transmitir: “O poder político não pode permitir para si o que proibiu aos portugueses”, por um lado e, por outro, o CDS “não aceita lições de democracia de ninguém”. O recado caiu direitinho no colo de Ferro Rodrigues, a quem Telmo Correia ainda atirou uma farpa maior: “Este é um mau exemplo”, porque aos portugueses foi pedido isolamento e confinamento, e aos deputados é-lhes dado o poder de “celebrar”.

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Também o PAN, que era contra a realização da cerimónia nestes termos, quis vincar o seu ponto: “Não há donos da democracia”. “Na própria casa da democracia ainda há quem mostre intolerância a desvios ao pensamento único do sistema. Nesta Casa não nos podemos esquecer que a democracia é de todos e para todos. Não há donos da democracia”, disse, uma vez mais num recado dirigido ao Presidente da Assembleia da República. Para Inês Sousa Real, de nada serve celebrar abril se as preocupações das pessoas não forem atendidas, e se o “caminho para a igualdade” e “para um estado social forte” continuar por cumprir.

O outro partido que se opôs desde o primeiro dia à realização da cerimónia nestes termos (apesar de os termos terem sido alterados), foi o Iniciativa Liberal, que defendia apenas um deputado em representação de cada partido. Mas João Cotrim de Figueiredo optou por, nos poucos minutos que tinha em cima da tribuna, pôr essas divergências de lado. Preferiu ler uma carta ao filho Miguel, que neste 25 de abril faz 18 anos. “Nunca deves tomar a liberdade como garantida”, disse, falando para o filho e para todos os que, com ele, representam a próxima geração. “Não há verdadeira liberdade enquanto não houver igualdade de oportunidades e possibilidade de escolha”, disse ainda, num discurso onde ficou visivelmente emocionado.

“Acaso poderíamos estar noutro local?”

Do outro lado da barricada, os que sempre defenderam que a cerimónia se realizasse no Parlamento, desde que fossem acauteladas as medidas de saúde pública recomendadas. Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, resumiu desde logo esse ponto de vista: assim como os que lutaram pelo 25 de abril tinham um “posto”, também os deputados hoje mantêm o seu “posto”: o de representar a nação e os valores que a movem. Portanto, não havia outro lugar possível para os deputados estarem hoje senão ali.

“Acaso poderíamos nós deputados estar noutro local que não no Parlamento para assinalar este dia? Não, não podíamos, a democracia não está suspensa, todos os dias estamos aqui como mandato do povo, não estaríamos à altura das nossas responsabilidades se fechássemos o Parlamento ao 25 de abril. Hoje, mais do que nunca, a casa da democracia tem de dizer ‘presente’. Hoje estamos aqui no nosso posto, nós e os deputados que pelas circunstâncias não podem aqui estar”, disse, sublinhando que “comemorar a liberdade é trabalhar para a democracia”. “Fazemo-lo em nome dos e pelos portugueses que nos elegeram e, elegendo-nos, confiaram na nossa dedicação em manter viva a chama da liberdade, da Constituição e da República”. Ou seja, em nome dos poderes que o povo lhes deu, os deputados devem manter viva a chama da liberdade e lutar para impedir a “exploração do medo como arma política”.

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Esta tese foi defendida por toda a esquerda. Os Verdes sublinharam que “a democracia não está de quarentena”, e pediram que se achatasse a curva das desigualdades, assim como também Jerónimo de Sousa, o único deputado da Constituinte ali presente, a par de Marcelo Rebelo de Sousa, a dizer que os “direitos não estão de quarentena”. Para Jerónimo de Sousa, também não havia outro lugar onde os deputados devessem estar hoje senão ali, na casa da democracia.

Se há momento em que o 25 de abril não pode ser apagado é este, para reforçar a atualidade dos seus valores e os seus ideais de liberdade e de emancipação social. Sim, impunha-se estar aqui para exaltar a determinação do nosso povo que ama a liberdade e que a reconquistou, e que hoje vai às 15h por todo o país cantar Grândola”, disse o secretário-geral comunista. Para Jerónimo, é imperioso continuar a celebrar o “tempo novo” conquistado em abril, sobretudo agora, numa altura de tanta incerteza. “Um tempo novo em rutura com o passado fascista, obscurantista e opressor que hoje alguns, vestindo novas e dissimuladas vestes, pretendem branquear denegrindo abril. Tempo novo que permitiu mudar a forma de ver o mundo e a sociedade. Sim, foi uma revolução”, disse, com palavras duras para os que diz que hoje tentam “branquear o fascismo”.

No mesmo tom discursou Moisés Ferreira, deputado do Bloco de Esquerda que levou à tribuna “lições” para os que “começam a espreitar para desenterrar a velha cartilha da austeridade”. “Hoje podemos confirmar que é Abril que combate a epidemia, não é a epidemia que combate Abril”, disse, reforçando a importância de vincar os valores conquistados para os usar no combate à crise que aí vem.

A cantiga de Rio foi uma arma, que disparou contra o Governo

Rui Rio começou por lembrar que esta é a primeira vez que o país comemora o 25 de Abril com a “liberdade condicionada” e que a pandemia limita, precisamente, a liberdade dada pela revolução. E que a cerimónia, para a qual discursava, estava também ela própria “fortemente condicionada”. Para o presidente do PSD, aquilo que “à primeira vista pode parecer negativo” é um “exemplo positivo”, já que a Assembleia da República nunca parou de funcionar. Rio repete a frase, dita por vários responsáveis políticos, de que “Portugal não tem a democracia suspensa”.

Aqui, acabaram as convergências, e Rio começou a disparar. O presidente do PSD, que nos últimos tempos tem suspendido o combate político e a própria oposição (dizendo que é oposição ao vírus) visou logo aqueles (como o PCP, Chega ao IL) que agora são mais avessos ao estado de emergência, lembrando que “teria sido dramático se, por cobardia ou complexos de ordem ideológica”, este não tivesse sido aprovado.

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Mas as piores críticas viriam para o executivo de António Costa. Rui Rio disse que o país tem de se preparar para um segundo surto da pandemia e que “as falhas que da primeira vez existiram não poderão ser repetidas”. Depois de salientar as falhas,  o presidente do PSD reforçava ao dizer que é preciso “nos vários ministérios, corrigir as falhas e injustiças que têm vindo a acontecer, de modo a que as empresas e os trabalhadores possam receber os seus apoios em tempo útil e oportuno.”

O primeiro-ministro teria direito a farpa mais assertiva, quando Rui Rio disse que “mais importante do que planear a presença de governantes nos jornais e nas televisões para publicitarem, a toda a hora, o que fizeram e o que não fizeram, é planear a resposta do país a uma eventual segunda ronda da Covid-19.” António Costa já tinha ouvido várias críticas pela presença insistente em entrevistas ou programas de entretenimento nas últimas semanas (até de André Ventura que pronunciou os nomes de Cristina Ferreira e Manuel Luís Goucha pela primeira vez num debate quinzenal), mas Rio nunca se tinha associado a estas críticas.

No seu hábito de não seguir o politicamente correto, Rio contrariou a versão oficial do Primeiro-Ministro e sinalizou que sim, é possível que haja austeridade no futuro e é preciso contar com isso. O presidente do PSD lembrou que “o PS e os partidos da maioria parlamentar que apoiam o Governo têm garantido que, com eles, não haverá qualquer tipo de austeridade”. Esta, claro está, “é uma notícia que, seguramente, a todos agrada” e que Rio terá todo o gosto em assinar por baixo, mas prefere avisar que “tal otimismo não pode ser impeditivo de nos prepararmos para o pior cenário“. E citou a sabedoria popular, roubando o hábito dos provérbios a Jerónimo de Sousa: “Tal como o povo nos ensina, ‘mais vale prevenir do que remediar’”.

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