Os bancos a operar em Portugal emprestaram 397 milhões de euros para a compra de casa no mês de abril, depois dos 491 milhões de euros de março — um máximo desde 2011. Os valores continuam a ser frações do ritmo mensal a que se concedia crédito antes da crise, mas os números mostram uma recuperação clara face aos níveis de 2012-2014. Está em curso uma recuperação sustentada no mercado ou será este aumento um resultado, sobretudo, de especulação imobiliária? O Observador foi ouvir os especialistas.
Segundo dados do Banco de Portugal divulgados esta terça-feira, os bancos concederam mais 397 milhões de euros em crédito à habitação em abril, um recuo depois de um mês de março que foi o melhor desde março de 2011. Quando se olha para os quatro meses de 2016 sobre os quais já existem dados (janeiro até abril), chega-se a uma soma de 1.615 milhões de euros. Em contraste, nos primeiros quatro meses de 2015 houve menos de mil milhões e nos primeiros quatro meses de 2014 apenas 669 milhões.
Porque estamos a ver mais crédito? Será que os bancos estão mais disponíveis para emprestar ou estarão as pessoas a procurar mais?
“Ambos“, diz Miguel Poisson, diretor-geral da imobiliária ERA, em declarações por e-mail ao Observador. “Existe uma maior confiança na classe média para voltar a comprar habitação”, afirma o especialista. Algo que, para o economista-chefe do Montepio, Rui Bernardes Serra, é natural: “a dupla recessão que Portugal atravessou entre 2008 e 2013 teve impacto quer na procura, quer na oferta de crédito. Com o nível de taxas atualmente praticado e com a recuperação da economia a redução da taxa de desemprego e a subida da confiança dos consumidores, é normal que a procura por habitação própria suba”.
Os dois especialistas falam numa melhoria das condições (pelo menos, melhoria percecionada) para a compra de habitação, que, assim, se torna uma maior alternativa ao arrendamento e a outras circunstâncias de vida que marcaram os anos piores da crise. Rui Bernardes Serra lembra que “é um facto estilizado internacional que, durante as recessões, o número de pessoas por fogo tende a subir”.
Miguel Poisson, da ERA, acrescenta, porém, um outro fenómeno: a “segunda habitação volta a estar na mira de muitos portugueses que compram com recurso a crédito (depois de uma fase mais difícil nos anos 2011 a 2014, em que muitas habitações secundárias foram vendidas para fazer face às dificuldades do contexto de crise)”.
Essa compra de uma habitação suplementar pode ser para usufruto das famílias mas, por outro lado, pode ser um investimento, com recurso a crédito bancário. E é aqui que chegamos a uma outra resposta às questões colocadas por este trabalho: muita da concessão de crédito que está a ser feita não é para famílias que compram primeira habitação, deixando o arrendamento, ou que trocam de casa por um imóvel maior, à medida que a família aumenta. Muito do crédito que está a ser concedido está ligado ao investimento de quem tem poupanças e poucas alternativas rentáveis para as investir.
Foi isso mesmo que indicou um gestor de conta de um banco a operar em Portugal: boa parte (é difícil quantificar exatamente que percentagem) dos créditos que estão a ser concedidos são a pessoas que têm uma grande fatia para dar de entrada inicial — metade do valor, por exemplo –, pedem o restante ao banco e adquirem a casa para investimento.
O diretor-geral da ERA confirma que é isto que se passa, no terreno. “Como os depósitos a prazo geram juros inferiores a 1%, muitos portugueses (e também estrangeiros) têm investido no mercado imobiliário”. Mercado imobiliário que, segundo Miguel Poisson, “gera rentabilidades brutas entre 4% e 8% (para não falar de investimentos no arrendamento de curta duração a estrangeiros que geram, muitas vezes, retornos de mais de 10%“).
Na origem do número divulgado pela Banco de Portugal esta terça-feira está, ainda, outro fator. Miguel Poisson, da ERA, nota que “os investidores estrangeiros têm investido muito em Portugal e muitos deles recorrem ao crédito (muitas vezes com taxa fixa, que é a prática mais habitual no centro e norte da Europa). Os incentivos fiscais combinados com as características do país (seguranças, clima, boas infraestruturas, hospitalidade, gastronomia, golfe, etc.) têm tido uma excelente recetividade por parte dos estrangeiros”. O diretor-geral da ERA acrescenta que, neste fenómeno, “os franceses lideram o ranking, seguidos dos ingleses”.
Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, admite que esta procura no mercado imobiliário para investimento “seja responsável por uma fatia importante, mas a informação pública não permite afirmar se é ou não o perfil de operações predominante”. O economista diz que, “do ponto de vista fundamental, o recrudescimento da atividade económica e do emprego é compatível com um aumento da procura de habitação própria, que, maioritariamente, é financiada por recurso a crédito hipotecário”.
Outra economista, Paula Carvalho, do BPI, concorda que “a análise dos indicadores de confiança das famílias evidencia uma maior predisposição para a realização de investimentos, dada a melhoria gradual da perceção sob as condições financeiras dos agregados familiares”. Mas também diz que, apesar de não serem muitos os dados estatísticos que possam suportar a descrição feita ao Observador pelo gestor de conta, “não me surpreenderia se muitos dos novos empréstimos se enquadrassem na situação descrita, destinados à realização de investimento no mercado imobiliário”.
“Efetivamente, a situação de taxas de juro em níveis extremamente reduzidos penaliza as poupanças mais tradicionais e acaba por estimular opções de investimento relativamente mais arriscadas“, diz a economista do BPI. Qual é o risco? “Ao optar pela contratação de crédito para investimento no mercado imobiliário, todavia, há que ponderar um cenário em que as taxas de juro voltarão a aumentar (embora o momento possa estar ainda distante) versus as perspetivas de valorização do ativo“, ou seja, a casa que se compra.
Para onde vão os preços?
Paula Carvalho deixa este alerta aos clientes: cuidado com o endividamento para financiar a compra de casa para investimento. Sobretudo porque, para que a estratégia tenha sucesso é importante que as taxas de juro se mantenham baixas e que o imóvel não desvalorize. E, nesse ponto, os especialistas ouvidos pelo Observador alertam que são muito díspares as perspetivas entre as várias zonas do país (e conforme a proximidade dos centros citadinos com maior procura, incluindo turística). Contudo, de um modo geral, a tendência é positiva, acreditam.
“Os preços das casas alcançaram, em 2012/2013, valores mínimos desde inícios do século”, lembra Paula Carvalho, do BPI. “Desde então tem ocorrido uma recuperação, mas muito gradual: segundo a informação publicada pelo BCE, os preços recuperaram cerca de 4,6%, evoluindo praticamente em linha com a inflação”, afirma a economista, acrescentando: “não me parece que haja condições para que a evolução futura se afaste muito deste padrão, ou seja, positiva mas muito moderada, embora o comportamento possa ser diferenciado por região”. “A aparente maior procura por não residentes (estrangeiros) e o aumento da atividade turística sugere que serão privilegiadas as principais cidades e zonas turísticas“, nota Paula Carvalho.
Miguel Poisson, da ERA, defende que “o preço das casas deverá continuar a crescer de forma lenta mas sustentada“. “A procura externa deverá continuar a crescer e a concessão de crédito à habitação também”, diz o diretor-geral da ERA, notando que “as avaliações bancárias continuam cautelosas (na maior parte dos casos até abaixo do valor de compra), o que é importante para evitar alguns exageros cometidos no passado”.
Mesmo com as “avaliações bancárias ainda cautelosas” descritas por Miguel Poisson, “existem condições para que o volume de novo crédito continue, muito gradualmente, a aumentar pois a economia está em processo de crescimento, embora moderado; o mercado de trabalho também regista progressos (apesar de agora mais esbatidos) e pelo lado da oferta as condições de financiamento tendem também a tornar-se mais atrativas”, afirma Paula Carvalho, do BPI.
Rui Bernardes Serra, do Montepio, acrescenta que “as instituições de crédito estão a apostar, de novo, no crédito hipotecário como âncora para poderem disseminar políticas de cross-selling (conta ordenado; cartão de crédito; seguros, meios de Pagamento, entre outros exemplos)”. A ERA antecipa que “mesmo com o forte crescimento na concessão de crédito à habitação em 2015 (que aumentou 74% face a 2014), o ano de 2016 irá provavelmente crescer acima de 50% face a 2015. “Mesmo assim, estaremos a menos de metade dos valores de crédito habitação concedidos antes da crise financeira (que era de cerca de 1.700 milhões de euros por mês)”, nota Miguel Poisson.
Apesar desse crescimento e dos riscos que podem estar associados a um aumento do crédito, o diretor-geral da ERA acredita que “continua a haver rigor por parte dos bancos na análise de risco dos clientes que recorrem a financiamento”.