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“É um bom dia para o Partido Popular Europeu (PPE).” A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, não escondia a alegria na noite deste domingo, ao ter conhecimento dos resultados eleitorais dos partidos de centro-direita em toda a Europa, prometendo ser a “âncora da estabilidade” nos próximos anos. Apesar do clima de euforia, havia um senão no discurso da alemã: o crescimento dos partidos à sua direita. A líder comunitária assumiu essa realidade e garantiu que será um “bastião contra extremistas”.
Feitas as contas, o PPE reforçou a sua representação popular em relação a 2019. À sua direita, aconteceu o mesmo. Por exemplo, em França, a União Nacional (RN) de Marine Le Pen, cujo cabeça de lista era Jordan Bardella, obteve um resultado histórico, angariando cerca de 30% de votos e obtendo o dobro dos votos do Renascença, partido do atual Presidente francês e que pertence à família política dos liberais. Sem perder tempo, e devido à dimensão da derrota, Emmanuel Macron anunciou este domingo a dissolução da Assembleia Nacional e convocou eleições legislativas já para dia 30 de junho.
Em França e noutras partes da Europa, os liberais foram uns dos grandes derrotados da noite. Perderam representação parlamentar — cerca de 19 eurodeputados — e estarão numa posição mais frágil numa possível repetição da coligação entre socialistas e populares. Além disso, o Partido Reformista da primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, passou de primeiro para terceiro lugar nestas europeias. E o partido do ainda chefe do executivo neerlandês, Mark Rutte, o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD) fraquejou (ficando atrás da aliança de centro-esquerda com verdes e da extrema-direita de Geert Wilders).
À esquerda dos liberais, o panorama não é melhor. Os socialistas europeus não têm grandes motivos para sorrir, vencendo apenas as europeias em Malta, Países Baixos, Portugal e Suécia. Perderam quatro eurodeputados face a 2019 e sofreram uma humilhação na Alemanha — com o pior resultado de sempre. Ainda assim, Nicolas Schmit, candidato a presidente da Comissão pelo S&D (Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas), evitou falar numa derrota, preferindo usar o termo “segundo lugar sólido”.
Outra família política que sofreu uma derrocada nestas europeias foram Os Verdes. Revelação nas últimas europeias, o grupo político ficou aquém do esperado e perde cerca de 18 eurodeputados. Ainda que tenham vencido na Dinamarca, uma surpresa nesta noite eleitoral, o resultado está longe de ser positivo. Ainda mais à esquerda, a Esquerda Unitária também perdeu dois eurodeputados e não contribuirá para uma solução governativa.
No outro lado do hemiciclo, a situação é bem diferente e existe uma sensação de triunfo. Para além da vitória da União Nacional, a primeira-ministra italiana e cabeça de lista dos Irmãos de Itália, Giorgia Meloni, venceu as europeias no seu país. Na Hungria, apesar de um novo rival ter aparecido e ter conseguido roubar alguns eurodeputados, o Fidesz voltou a vencer. E, em certos Estados-membros, os partidos mais à direita subiram consideravelmente, ainda que a tendência não tenha sido uniforme.
Se em países como Áustria, Bélgica, França ou Itália o resultado dos partidos mais à direita foi expressivo, há Estados-membros em que estas forças políticas perderam gás ou não cumpriram as expectativas, como na Suécia e na Finlândia. Ainda assim, foram um dos maiores vencedores da noite e ganharam representação parlamentar. O que farão com ela e que alianças forjarão a partir desta segunda-feira é uma incógnita.
A vitória do PPE. Uma “responsabilidade” ao centro ou uma aproximação à direita?
O Partido Popular Europeu venceu as eleições europeias em pelo menos doze Estados-membros: Alemanha, Bulgária, Croácia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, Grécia, Letónia, Lituânia, Luxemburgo e Polónia. Esta família política passou dos 176 para os 189 eurodeputados, ganhando representação parlamentar.
O bom resultado do PPE nestas europeias deixa os populares numa posição mais confortável para liderarem uma futura coligação e torna a reeleição de Ursula von der Leyen mais provável. Ainda assim, o grupo político depara-se agora com um dilema: se escolhe manter-se ao centro, coligando-se com partidos à sua esquerda como aconteceu em 2019 (neste caso, com os liberais e com os socialistas), ou se prefere coligar-se com os partidos à sua direita.
Ursula von der Leyen atirou contra os extremistas em vários discursos que foi dando na noite deste domingo. Prometeu que os “vai parar” e enalteceu que o centro se tenha “aguentado”. Este resultado do PPE acarreta, de acordo com a presidente da Comissão Europeia, uma “grande responsabilidade” para “todos os partidos de centro”. Admitiu igualmente que vai contactar os socialistas e os liberais para replicarem a mesma coligação, desejando estabelecer uma “relação construtiva” com aquelas famílias políticas.
Nos seus discursos desta noite, não houve nenhum indício de que Ursula von der Leyen se queira aliar aos partidos mais à direita, como os Irmãos de Itália de Giorgia Meloni, com quem mantém uma excelente relação e com quem se encontrou várias vezes nos últimos meses. Mas há uma nuance: a presidente da Comissão quer aliar-se apenas com os reformistas e conservadores, recusando por completo uma possível coligação com o Identidade e Democracia (ID).
Disparando durante a campanha contra a extrema-direita, Ursula von der Leyen reconheceu possuir três linhas vermelhas para uma eventual coligação: que os partidos sejam pró-Estado de Direito, pró-Europa e pró-Ucrânia. Ora, dentro do ID, existem vários partidos eurocéticos (como a União Nacional) ou que são assumidamente anti-Ucrânia (como o FPÖ, da Áustria).
O presidente do PPE, Manfred Weber, ao longo da noite, não apontou a uma coligação à direita, mas deixou críticas à esquerda. Pressionou várias vezes os liberais e os socialistas para que apoiem a presidente da Comissão Europeia — dirigindo-se até diretamente a Olaf Scholz e Emmanuel Macron — e reclamou para o PPE o cargo de força “estabilizadora” do centro e também da Europa. “A esquerda já não tem legitimidade, as pessoas votaram no centro-direita e isso é uma boa notícia para a Europa”, atirou.
Ainda assim, é possível que os partidos à direita — do centro ao extremo — tenham pela primeira vez uma maioria no Parlamento Europeu. Como aponta o analista do European Council of Foreign Relations, Paweł Zerka, esta “viragem à direita do Parlamento” pode mudar as ideias de vários dirigentes do PPE. Entre os populares, prosseguiu o especialista, “existem divisões internas sobre com quem devem cooperar”: se “com as forças mais ‘construtivas’ da direita radical em assuntos como o clima, migrações, políticas económicas” ou com “forças centristas (o centro-esquerda, liberais e possivelmente os Verdes) para enfrentar a direita radical”.
O não à extrema-direita dos socialistas e a exigência aos populares
Apesar da expectável perda de representação, os socialistas recusam reconhecer uma possível derrota e Nicolas Schmit transmitiu precisamente essa ideia nos seus discursos que fez esta noite. O candidato a presidente da Comissão Europeia, cujas chances de ocupar aquele cargo são realisticamente muito reduzidas, tentou ainda fazer pressão juntos dos populares, assegurando: “Sem nós, não haverá maioria”.
Em termos concretos, Nicolas Schmit pediu a que todas as forças democráticas “juntem forças” e ignorem os “extremos” no que concerne à composição do novo hemiciclo europeu. Lembrando as suas declarações durante a campanha, o socialista reiterou que não haverá qualquer “concessão” à “extrema-direita”, premissa que este domingo, apesar dos resultados, “está mais sólida do que nunca”.
Os socialistas colocam, assim, o Partido Popular Europeu entre a espada e a parede. Ou aceitam uma coligação com eles e com os liberais (ou até os Verdes), ou lhe retiram o apoio político — isto se o PPE decidir coligar-se com partidos à sua direita. “Estamos prontos a negociar um acordo para os próximos cinco anos para tornar a Europa mais forte, para tornar a Europa mais democrática, para tornar a Europa mais forte social e economicamente, mas também para a tornar mais segura”, frisou o luxemburguês.
A direita radical e extrema-direita. Os “vencedores” desta noite, com Meloni numa posição de destaque
Os conservadores e reformistas europeus (ECR) e o Identidade e Democracia (ID) aumentaram a sua representação parlamentar e poderão ainda ter uma presença mais robusta no próximo hemiciclo se alguns não-inscritos se juntarem aos ECR ou ao ID. Por agora, ainda não é claro que partidos de 27 Estados-membros se juntarão aos dois grupos políticos.
Os Irmãos de Itália será o maior contribuidor para esta vitória dos conservadores e reformistas. No ID, a vitória de Marine Le Pen também dará força àquele grupo político, mas não só. Na Áustria também venceu um partido pertencente ao Identidade e Democracia, sendo que na Bélgica em primeiro ficou um partido do ID (os separatistas da Flandres do Vlams Belaang) e em terceiro um do ECR (o N-VA, também separatista da Flandres). Além disso, ainda que não se tenha associado a nenhum dos dois, Viktor Orbán também venceu na Hungria.
“Coletivamente, incluindo partidos não inscritos como a AfD [Alternativa para a Alemanha] e o Fidesz, eles podem chegar a um terço, levando a que obstruam [a aprovação] de legislação” no Parlamento Europeu, indica Paweł Zerka, que especifica o bom resultado de duas mulheres: “Marine Le Pen e Giorgia Meloni saem reforçadas”.
Para o futuro do próximo Parlamento Europeu, a influência de Giorgia Meloni será, contudo, maior. Num futuro próximo, Marine Le Pen e a UN terão, de acordo com o especialista, de “reafirmar a sua força em eleições legislativas nacionais no final deste mês”. A primeira-ministra italiana não terá de se preocupar com isso, já que viu a sua solução governativa ser aprovada nas urnas; os companheiros de governo, o Forza Italia e a Liga de Matteo Salvini, ficaram atrás da esquerda (Partido Democrático e Movimento5Estrelas).
Sendo assim, Paweł Zerka antecipa que Giorgia Meloni, “como líder do governo e com uma forte presença do seu partido no Parlamento Europeu”, será fundamental para “moldar a próxima liderança da União Europeia”, bem como a “agenda estratégica”. “Ela pode escolher cooperar quer com a direita radical e com o centro-direita em vários assuntos”, tornando-se uma figura “crucial para a direção da UE nos próximos anos”.
Depois de nunca ter sido clara durante a campanha, Giorgia Meloni terá de escolher um dos caminhos. Pode manter-se tudo igual — havendo uma separação clara entre ECR e ID — ou pode aproximar-se de Ursula von der Leyen ou de Marine Le Pen. Na primeira hipótese, o ECR (que poderá ser reforçado com não inscritos e outros partidos) apoia uma solução governativa do centro-direita, ainda que seja insuficiente para formar a maioria de 361 eurodeputados.
Na segunda hipótese, Giorgia Meloni pode aceitar as sugestões de Marine Le Pen (e até de Viktor Orbán) e fundir grande parte do ID com o ECR. Não tendo em consideração as rivalidades nacionais, isso poderia levar a algumas saídas dos conservadores e reformistas — principalmente para o PPE ou para os independentes —, por causa da falta de apoio da ex-candidata presidencial francesa e do primeiro-ministro húngaro à Ucrânia. Em compensação, tornar-se-ia um grupo político com mais força e capacidade de decisão no Parlamento Europeu.
Nesta direita mais radical, a União Nacional decidiu romper relações — a meio da campanha — com a AfD, que ficou em segundo lugar na Alemanha. Ainda que estivesse longe da vitória, a AfD (e o partido irmão na Áustria, o FPÖ) podem formar um grupo à parte, mantendo algumas divergências com outras forças partidárias do mesmo espetro político. Também o estreante búlgaro Renascimento, que elegeu três deputados, já tinha sugerido unir-se à AfD num novo grupo.
Mesmo tendo sido considerados um dos vencedores da noite, estes partidos não obtiveram um sucesso eleitoral tão estrondoso em algumas partes da Europa. Na Península Ibérica, o VOX e o Chega não foram além dos 10%, enquanto nos países nórdicos e nos bálticos os resultados da direita radical também foram poucos expressivos.
Liberais e Verdes. Os grandes derrotados da noite
Não foi uma noite fácil nem para os liberais, nem para os verdes. A família política centrista ressentiu-se com o mau resultado do Renascença, em França, perdendo dez eurodeputados. Obteve igualmente um mau resultado na Alemanha, na Estónia e até em Espanha, em que o desaparecimento dos Ciudadanos causou mossa no grupo político.
Uma das poucas surpresas positivas da noite veio da Eslováquia; o Partido Progressista (PS) venceu as europeias e derrotou o partido Smer (que pertencia aos socialistas, mas que foi suspenso) do primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico. Também na Chéquia os liberais ganharam, ainda que a relação com o líder populista Andrej Babiš não seja fácil.
Neste mandato, os liberais já assumiram que não se importam de replicar a solução atual — aliarem-se aos socialistas e aos populares. “Estes resultados mostram que não há nenhuma maioria sem nós”, afirmou a presidente do Renew Europe, a francesa Valérie Hayer. “Nós estamos prontos para fazer parte de uma coligação pró-europeia se as nossas condições forem cumpridas”, referiu a responsável liberal.
Numa farpa a Ursula von der Leyen, os liberais avisaram que uma “coligação de caos, envolvendo partidos extremistas, que estão permanentemente divididos” será uma “receita para a estagnação e para a paralisia”, aludindo a uma possível coligação entre o centro-direita e a direita radical. “Uma Europa mais forte num mundo em mudança pode apenas ser construída desde o centro.”
Os verdes também perderam representação parlamentar (cerca de 19 eurodeputados), principalmente decorrente da derrocada que tiveram na Alemanha e em vários outros países europeus. Se bem que atualmente não façam parte da coligação entre liberais, socialistas e populares, deixaram uma mensagem àquelas famílias políticas: não cedam à extrema-direita.
O co-líder dos ecologistas a nível europeu, Philippe Lamberts, avisou que se aquelas famílias políticas querem “estabilidade” no Parlamento Europeu, então acolher “os ventos da extrema-direita não será uma boa opção”. O responsável fez ainda um mea culpa e reconheceu que “os resultados desta noite não são certamente uma vitória para os verdes”.