Daniel Adrião volta a candidatar-se a secretário-geral do PS, é o único adversário de António Costa nesta corrida, mas admite que, apesar de considerar Costa um “mau líder” socialista, também o vê como “um bom primeiro-ministro”. Na visão de Adrião seria possível ser líder do PS e manter António Costa como o chefe do Executivo.
Ao olhar para dentro do PS, o candidato à liderança quer “entregar o partido aos militantes” por acreditar que o “problema” é o exercício do poder e o facto de o mesmo “corromper”, mas nesse ponto também deixou críticas ao PS de António Costa, ao referir que tem um padrão de liderança “mais ou menos” idêntico a José Sócrates. “Quando o PS está no poder e detém um poder muito grande, como era o caso com José Sócrates e como é o caso agora…”, apontou na entrevista no programa Vichyssoise.
O socialista acredita que existe “caciquismo dentro do PS” e prometeu uma mudança na governação se for eleito secretário-geral, ao insistir nas eleições primárias para todos os candidatos a cargos públicos, mas também com uma “alteração profunda do partido, de alto a baixo e de baixo para cima”.
Em 2018, dizia que José Sócrates tinha sido alvo de bullying e que tinha revelado grande dignidade quando decidiu desfiliar-se do partido. Com o que se sabe hoje, mantém a mesma opinião?
Obviamente que foi alvo de bullying, resta saber é se José Sócrates tomou a decisão certa ao desvincular-se do PS e eu acho que tomou. Não estavam criadas as condições para que ele pudesse continuar a militar no PS, decidiu sair e, tal como explicou na altura, era um embaraço mútuo. Ele estava permanentemente a ser alvo de acusações que espelham as acusações fruto do processo…
Mas a direção do PS fez mal em traçar uma espécie de acordão sanitário à volta de José Sócrates?
Sempre concordei com o princípio definido por António Costa de que à política o que é da política, à justiça o que é da justiça. Quem de alguma maneira violou esse cordão sanitário foi a própria direção do Partido Socialista que, a certa altura, trouxe para o debate interno a discussão sobre o processo e o processo deve ser respeitado, tem os seus trâmites.
Enquanto candidato à liderança do PS, entende que o partido não deve fazer uma reflexão sobre como e em que condições José Sócrates chegou à liderança e como é que o partido teve tanto tempo em silêncio sobre determinados aspetos da conduta ética e moral de Sócrates?
Nunca fui amigo de José Sócrates, ao contrário de muitos dos que o acusam hoje e que privaram com ele, eram íntimos, iam a casa dele, iam a almoços e jantar com ele, era convivas.
Muitos fazem parte deste Governo.
Exatamente. Eu não. Nunca fui amigo de José Sócrates.
Há aqui uma certa hipocrisia?
Acho que há uma certa hipocrisia, não quer dizer que as pessoas não possam mudar de opinião, mas o que é estranho é que as pessoas que privaram tão de perto com José Sócrates durante tanto tempo não se tenham dado conta de nada. E que agora rasguem as vestes e batam com a mão no peito.
Incluindo António Costa?
António Costa também privou com José Sócrates, esteve no Governo dele, foi apontado como número dois do PS e está no conjunto de pessoas que teve uma relação de grande proximidade com José Sócrates.
Como candidato à liderança do PS, denuncia um problema de “claustrofobia democratica” no PS. Nisto aqui António Costa não é diferente de José Sócrates, é isso? Comporta-se como dono e senhor do partido?
O problema tem a ver com o exercício de poder, todo o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Todo o exercício absolutista do poder é negativo e é mau. Quando o PS está no poder e detém um poder muito grande, como era o caso com José Sócrates e como é o caso agora…
… mas o PS de Costa não tem maioria absoluta, ao contrário do de Sócrates.
Exatamente, mas o padrão é mais ou menos o mesmo em termos de liderança e esse não é o caminho. Já não concordava com isso no tempo de José Sócrates e também não posso concordar com o estilo omnipotente de liderança de António costa.
Mas consegue dar exemplos dessa liderança omnipotente?
Claro que sim, António Costa tem feito tudo para instituir o pensamento único no PS.
No que vê isso?
Na falta de discussão, na falta de debate, no facto de o partido se ter tornado num mero apêndice do Governo para fins eleitorais.
Mas as estruturas partidárias não se reúnem? O que não acontece concretamente?
O partido está num estado comatoso, não tem vida própria, não tem atividade, tirando os momentos em que tem de reunir os órgãos estatutários. Mas o partido é muito mais do que isso. É os seus militantes, tem massa crítica e está completamente desprezada.
Este périplo que António Costa fez pelo país a apresentar a sua moção e a debatê-la com militantes não é suficiente?
Isso é para cumprir calendário. Se estivesse interessado em promover o debate do partido estava aqui comigo, por exemplo, na rádio Observador. E tinha aceitado o repto que lhe fiz para debater comigo. Isso é que era importante e prova de que estava empenhado ou interessado em que houvesse pluralismo dentro do PS e debate, que é essencial à democracia.
Mas porque se recusa António Costa a debater consigo já que é candidato ao mesmo cargo?
Não, só tenho suspeições, não estou na cabeça de António Costa, mas escrevi uma carta aberta a dizer as razões que acho que estão na recusa sistemática dele. Não é a primeira vez que isso sucede. António Costa acha que disputa estas eleições na qualidade de primeiro-ministro e não vê que tenha necessidade de debater com um militante de base do partido como é o meu caso.
António Costa não vê essa necessidade de prestar contas ao partido?
Sim, acho que a aceitação de um debate numa eleição interna de um partido, disputada por dois militantes, é uma prova de vitalidade democrática do partido. E acho que o António Costa, de facto, está a dar um péssimo exemplo quando recusa esse debate.
E é esse entendimento que o leva a dizer que há “caciquismo” dentro do PS? Este é um problema? E é identificado das bases até à direção do partido?
Claro que há caciquismo dentro do PS, aliás há caciquismo em todos os partidos do sistema e naturalmente que o PS não é exceção. E há sindicatos de voto que estão organizados e que são ativados nestes momentos eleitorais, de militantes que nunca aparecem na vida do partido a não ser, precisamente, nestes momentos. Isso é muito negativo e é muito mau para a própria saúde para a democracia e para o regime democrático e dos partidos. Naturalmente que quero alterar isso, comigo à frente do PS haveria um outro modelo de governança partidário. Eu quero uma alteração profunda do partido, de alto a baixo e de baixo para cima. Quero entregar o partido aos militantes, quero que os militantes sejam os donos do partido.
As eleições primárias era algo que poderia ter resolvido esses problemas dentro do partido?
Claro, evidentemente. As eleições primárias, como sabem eu defendo eleições primárias para todos os candidatos a cargos políticos. Aliás, isso está até previsto nos estatutos do partido graças à minha ação, consegui no último congresso que isso fosse introduzido, mas está com uma formulação que permite tudo e nada. Isto é, permite que nada aconteça.
Não torna vinculativo?
Exatamente, não torna vinculativo, embora formalmente lá esteja essa possibilidade. Mas acho que isso devia ser mandatório, acho que devia haver eleições primárias, de preferência abertas, por exemplo, desde a escolha do candidato a primeiro-ministro, porque acho que deve haver uma eleição específica para candidato a primeiro-ministro e defendo a separação dos cargos de secretário-geral e de primeiro-ministro e, portanto, acho que deve haver primárias específicas para primeiro-ministro, como deve haver primárias para candidatos a deputados à Assembleia da República, candidatos a deputados ao Parlamento Europeu, para autarcas, etc. Todos os titulares de cargos políticos devem ser sujeitos a um processo de primárias, que é um processo de escrutínio e de abertura, não apenas à base social de apoio do partido em termos internos, mas também aos simpatizantes do partido que, aliás, já têm um estatuto reconhecido pelo próprio partido e cuja ação deve ser valorizada.
Defende a separação entre o cargo de candidato a primeiro-ministro e o se secretário-geral do PS. Só para perceber exatamente: se fosse o candidato escolhido como líder do PS não se candidataria a primeiro-ministro?
Não, não me candidataria a primeiro-ministro. Seria um secretário-geral do PS a tempo inteiro, a full time, com dedicação exclusiva e tentaria desempenhar o melhor possível essas funções e estão convicto de que conseguiria mudar o PS no sentido efetivamente de devolver o partido à sua base social de apoio.
Portanto, tem perfil para ser líder do PS mas não tem perfil para primeiro-ministro, é isso?
Essa não é a minha ambição. A minha ambição é ser líder do PS.
Quem é que seria o seu primeiro-ministro?
Isso era um processo de primárias que eu ia promover.
António Costa é um bom primeiro-ministro?
António Costa é um bom primeiro-ministro.
Mas é um mau líder do PS?
Mas é um mau líder do PS, exatamente. Porque não tem o dolo da ubiquidade e portanto não consegue estar ao mesmo tempo nos dois sítios.
Há uma pessoa escolhida para desempenhar essas funções em substituição do secretário-geral, que é José Luís Carneiro, é um mau secretário-geral adjunto?
Não, o José Luís Carneiro não tem legitimidade democrática.
É uma crítica que já fazia a Ana Catarina Mendes. Mas pergunto-lhe se tem competência.
O secretário-geral adjunto é um adjunto do secretário-geral e portanto não tem verdadeira legitimidade democrática, é eleito na comissão nacional, tem a mesma legitimidade da diretora do “Ação Socialista”, isso não resolve problema nenhum. O PS precisa de um líder com legitimidade que advenha do universo dos seus militantes e que seja capaz de, de facto, dedicar-se a tempo inteiro, em exclusividade, às tarefas que o PS precisa de grande revitalização.
O que é que falta ao PS, que é Governo desde 2015, que foi reeleito para governar, que está à frente das sondagens…? Olhando para as sondagens, os portugueses parecem não perceber qualquer problema no PS.
Há aqui uma separação, não podemos confundir. O exercício que está a fazer é o de confundir o partido com o Estado.
São factos: o PS não está mal nas sondagens e foi reeleito para governar.
Não, não há nenhuma contradição. O PS precisa de ativar a sua massa crítica, de ter vida própria e isso não tem acontecido.
Vida própria por ter vida própria? Qual é o objetivo? Não é chegar ao Governo?
O objetivo de um partido não se esgota na governação, isso é um erro. O objetivo de um partido vai muito para além da governação. O partido não se esgota no Governo porque senão deixaria de haver partido no momento em que o partido saísse do Governo. O partido continua e tem vida própria para além do Governo. Não pode é ser transformado num apêndice eleitoral do Governo e é isso que está a acontecer. O PS é um apêndice eleitoral do Governo. O PS é muito mais do que isso. O PS é dos seus militantes e os seus militantes têm direito a ter voz e participação no partido e neste momento não têm.
Este fim de semana há novamente votações para as eleições dentro do partido, já houve também votação eletrónica. Tem-se queixado de uma diferença de tratamento nesta campanha interna face a António Costa, à semelhança do que fez noutras candidaturas, quer no acesso a meios, quer no acesso à base de dados de militantes. A atual direção está a tentar silenciar a sua candidatura?
Sim, é evidente que há uma tentativa de dificultar a vida à existência de uma minoria dentro do PS. Acho que o grande sonho de António Costa era ser eleito por 100% e ter 100% dos órgãos do partido, mas acho que isso é mau para o próprio António Costa. Não sei se já se terá dado conta disso. O PS é um partido com uma grande tradição de pluralidade democrática, isso está no ADN do PS. No PS sempre houve contraditório e divergências. Aliás, no próprio congresso de fundação do PS, ainda na clandestinidade, houve votos contra a própria fundação do PS. Uma das pessoas que inclusivamente votou contra foi Maria Barroso, a mulher de Mário Soares, que votou contra o marido. Portanto, esta é a tradição do PS, uma tradição de dialética democrática e de confronto democrático e quando isso se perde, perde-se a verdadeira natureza do PS e, de facto, há um perigo disso poder acontecer. Espero que não aconteça porque seria trágico para o PS, que deste congresso saia um partido unanimista, de pensamento único, onde 100% dos órgãos do partido estão apenas aqueles que são fiéis ao líder.
Rejeitando essa unanimidade dentro do PS, na últimas semanas temos assistido a alguns sinais de divergências internas: Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos. Vê nesta nova geração nomes qualificados para serem líderes do PS?
Gostava de ver era essas pessoas a concorrerem agora a este congresso. Era muito importante e uma prova de grande vitalidade democrática que esses nomes estivessem agora nesta corrida. Até porque acho que a sucessão de António costa já começou. Portanto está na hora de irem a jogo e não quando António Costa meter os papéis para a reforma. Porque o PS precisa de preparar uma nova liderança que suceda a António Costa. Há rumores insistentes de que António Costa poderá optar por um cargo europeu, Por issom, acho que era altura de o PS preparar a sucessão de António Costa. E isso faz-se com tempo. Se há outros camaradas meus que estão interessados em liderar o PS, então deviam ter aproveitado este congresso para concorrer e estarmos aqui a quatro ou a cinco a disputar estas eleições.
E Francisco Assis ainda é um nome a ter em conta para o futuro do partido?
Não sei, não tenho falado com ele.
Mas qual é a sua opinião?
Agora tem outro tipo de responsabilidades, aceitou o convite do primeiro-ministro para o Conselho Económico e Social.
Ficou desiludido com isso?
Não posso dizer que fiquei desiludido. Respeito a decisão dele, mas ele ao fazer essa opção descartou a possibilidade de se posicionar no futuro, diminuiu o seu campo de manobra.
Álvaro Beleza, numa entrevista ao DN e à TSF, disse que António José Seguro faz falta ao país e ao partido. Concorda?
Sim e eu estou à vontade porque não apoiei o António José Seguro, inclusivamente apoiei António costa em 2014, Sou insuspeito e acho que ele faz falta ao PS.
E já se arrependeu de ter apoiado António Costa?
Não, não sou de arrependimentos. Em cada momento tomo as decisões que sinto serem as melhores para o PS e o PS, mas esperava do ponto de vista da liderança do PS outro tipo de comportamento.
Vamos agora para o momento do Carne ou Peixe, as respostas rápidas a vários desafios: Foi jornalista. Quem preferia ter como diretor de um jornal: António Costa ou José Sócrates?
António Costa.
Com quem gostaria de, no futuro, disputar a liderança do PS? Pedro Nuno Santos ou Fernando Medina?
Com ambos.
Está a disputar a liderança do PS com António Costa. Preferia vencer essas eleições e o PS mantinha-se no poder ou perdê-las e Rui Rio vencia as eleições?
Essa questão não se coloca porque posso ser líder do PS e António Costa primeiro-ministro.
Na sua biografia pode ler-se que é “autor de uma entrevista ao líder histórico da revolução cubana, Fidel Castro”. Com quem gostaria de ter partilhado essa entrevista, Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins?
Jerónimo de Sousa, sem dúvida.