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Estão em marcha há um ano e intensificaram-se nos últimos meses conversas em torno da preparação de uma candidatura de Mário Centeno à Presidência da República que incluem figuras do PS, mas estendem-se também à direita. Essas conversas em torno da candidatura presidencial de Centeno, apurou o Observador junto de várias fontes próximas do processo, incluem não só os ex-ministros do PS Adalberto Campos Fernandes e Marçal Grilo, mas também o antigo ministro e dirigente do CDS, Luís Nobre Guedes. Ao envolver figuras de outras áreas políticas, Mário Centeno — que pode vir a ter Nobre Guedes na sua equipa — quer demonstrar que pode somar eleitorado do centro-direita ao apoio socialista.
Luís Nobre Guedes juntou-se a essas conversas, sabe o Observador, por acreditar que Mário Centeno pode ser um bom Presidente da República. O envolvimento pode causar estranheza, mas não seria a primeira vez que o ex-ministro centrista aceitaria apoiar um candidato à Presidência apoiado pelo PS e da área socialista. Em 2005, o fundador do partido Mário Soares convidou-o a fazer parte da equipa para as presidenciais de 2006 — e Nobre Guedes aceitou.
O assunto só não chegou a ser público porque Nobre Guedes — que tinha sido um de apenas dois ministros do Governo PSD/CDS a estar entre os 1.800 convidados para os 80 anos de Soares — foi entretanto envolvido no caso Portucale e ambas as partes entenderam que seria tóxico naquele momento para a campanha. Como foi ilibado no caso, esse já não seria um impedimento para apoiar e ajudar agora numa futura candidatura presidencial de Centeno.
Nas conversas que se vão tendo nesta antecâmara da candidatura presidencial de Centeno está a convicção de que “tem boas possibilidades”, embora as mesmas fontes admitam que “não será fácil vencer o almirante Gouveia e Melo”. A convicção da potencial futura entourage de Centeno é que “Gouveia e Melo é mais difícil de derrotar do que Marques Mendes”. Entre as qualidades do ex-ministro das Finanças apontadas pelo grupo estão “o facto de misturar um perfil cumpridor, de contas certas, que agrada à direita, com o apoio do centro-esquerda”.
“Centeno avançaria com uma candidatura que se estenderia da esquerda, ao centro e centro direita. Para o comité da candidatura iria buscar as pessoas das contas certas e também do arco da governabilidade“, prevê outra fonte que conhece estas conversas e que conclui que o nome do ex-ministro de António Costa também “não radicaliza nem à direita nem à esquerda”.
Numa candidatura presidencial — diz uma das fontes que prefere, para já, não se identificar — “até a história das cativações ajuda: porque permite ir de um espectro da direita à esquerda.” Além disso, diz uma outra fonte próxima do processo, “ele [Mário Centeno] vai sair do Banco de Portugal e está com vontade de prosseguir a sua intervenção pública e política”.
Certo é que seria mais difícil a união entre PS e a esquerda à sua esquerda — como tem sido desejado neste lado do espectro partidário — à volta de um nome como o de Centeno. Mas com os socialistas a darem por provável uma segunda volta, Centeno poderia acabar por conseguir uma mancha eleitoral mais alargada do que alguém fechado à esquerda, nota uma das fontes que falou com o Observador e que nota, no entanto, que qualquer jogada antecipada “seria um erro grave”.
“Há a perceção de todos que avançar com qualquer estrutura agora pode ser queimar fichas”, acrescenta a mesma fonte sobre o timing de qualquer avanço que prevê que possa ser mais conveniente “na primavera do próximo ano” — Centeno termina o mandato como governador do Banco de Portugal logo no verão seguinte.
Adalberto Campos Fernandes — que, ao que o Observador apurou, está incluindo nessas conversas (os conhecedores do processo dizem que são ainda “conversas” e não “reuniões preparatórias”) — já defendeu publicamente uma candidatura de Mário Centeno. Em junho, no programa Comissão de Inquérito, da Rádio Observador, o ex-ministro da Saúde disse que gosta “imenso” do atual governador do Banco de Portugal e que este daria “um excelente Presidente da República, se tiver disponibilidade e vontade para isso”. É um nome insuspeito no PS tendo em conta o passado à mesma mesa do Conselho de Ministros em que estava Centeno.
Nessa altura, Adalberto era ministro da Saúde e, num debate parlamentar onde se falou de como o setor era um dos mais afetados pelas cativações das Finanças, negou a existência de um cisma com o ministro das Finanças e declarou: “No Governo somos todos Centeno“. Nessa altura corriam notícias sobre conflitos internos entre os dois ministérios e ficou a suspeita se aquela declaração não seria antes um dedo apontado, de forma irónica, à gestão apertada de Centeno. Um mês depois, o então responsável pelas Finanças veio responder-lhe: “Não somos todos Centeno, somos todos Adalberto.” “A saúde foi o setor que teve o maior aumento orçamental”, garantia então para responder às críticas de suborçamentação.
Adalberto Campos Fernandes diz que Centeno “daria um excelente Presidente da República”
Agora, na rádio Observador, Adalberto Campos Fernandes foi mesmo mais longe e defendeu que o eleitorado percebe o que o país “deve” ao ex-ministro das Finanças. “Foi uma espécie de guardião da geringonça”, uma vez que trouxe credibilidade às contas quando os outros países estavam atentos ao que seria o resultado de uma aliança “com a extrema-esquerda”, argumentou, descrevendo a “simpatia disciplinadora” com que Centeno lidava com os outros ministros (como era o caso do próprio Adalberto Campos Fernandes). “Era uma austeridade de rosto simpático”, gracejou.
Centeno será hipótese para Pedro Nuno?
Desde que o nome de Mário Centeno começou a circular como presidenciável, foram muitos os socialistas que, em privado, foram mostrando o apreço pela ideia. No PS existe a mesma perceção sobre as vantagens de um perfil como o de Centeno, pela abrangência eleitoral que pode trazer, “cobre bem o centro esquerda e a direita”, anota um socialista que acredita mesmo que o ex-ministro das Finanças pode ser um problema para um candidato da direita como Marques Mendes.
No PS recordam-se também sempre os níveis de popularidade de Centeno com outra vantagem, entre os líderes políticos, no período em que foi ministro das Finanças. Chegou a ser tão popular como primeiro-ministro e junto do eleitorado da direita só era ultrapassado por Marcelo, segundo alguns estudos de opinião da altura.
Além de tudo isto, o atual líder do PS manteve sempre um bom relacionamento com o seu antigo colega de Governo — na época da famosa tirada do “somos todos Centeno”, Pedro Nuno Santos preferiu declarar-se “do Partido Socialista”, mas sem deixar de reconhecer que aquele Governo só tinha “o sucesso e a confiança da maioria do povo português porque conseguiu conciliar a recuperação de rendimentos, de direitos, a defesa dos serviços públicos, ao mesmo tempo que provou ser credível do ponto de vista das contas públicas. Uma parte importante deste trabalho deve-se a Mário Centeno. Foi uma parte importante dos resultados”, afirmou nessa altura numa entrevista ao Jornal de Negócios.
Na demissão de António Costa, em novembro de 2023, o então líder do PS tentou que o Presidente da República não avançasse para eleições antecipadas e apresentou-lhe Centeno como alguém que poderia ser nomeado primeiro-ministro, sem eleições, para cumprir o tempo restante da legislatura. Chegou a preparar-se essa solução no Partido Socialista e a ideia não era rejeitada pelo agora líder e durante anos candidato à sucessão de Costa.
Para o ex-líder, Centeno foi não só o nome apresentado ao Presidente para o substituir nos comandos do Governo, como já tinha sido o escolhido para governador do Banco de Portugal, depois de cinco anos como seu ministro das Finanças. Esta segunda-feira, no programa de entrevistas que tem no canal Now, António Costa convidou Mário Centeno o que também é apontado como mais um momento de valorização política por parte de alguém que conserva influência dentro do PS — e que sempre descartou a ideia de se candidatar à Presidência da República, apesar das pressões internas. A conversa entre os dois foi sobre decisões governativas, mas também de perspetivas para o país, sobretudo na economia e mercado de trabalho, com Costa a provocar Centeno mesmo no final chamando-lhe “otimista”, devido às suas previsões. O ex-ministro respondeu: “São os números”.
No início de setembro, o Observador já tinha avançado que a cúpula do PS considerava que Mário Centeno era um nome vencedor, ainda que com uma confiança limitada quanto ao desempenho eleitoral: os socialistas acreditam que, mesmo o ex-presidente do Eurogrupo, só conseguiria ser eleito à segunda volta.
A convicção do PS relativamente a uma segunda volta partiu do cruzamento dos potenciais candidatos com os resultados de campanhas anteriores. No partido não se acredita que os potenciais candidatos (incluindo Centeno) tivessem condições de ter melhores votações do que Mário Soares, Cavaco Silva ou Jorge Sampaio. Um membro do núcleo duro socialista dizia que era “matemática”, que só seria dispensada por “candidatos óbvios” que pudessem “limpar” a eleição à primeira volta (como seria o caso de António Guterres ou de António Costa). Ainda assim, dos menos óbvios, Mário Centeno é o que dá mais esperanças ao PS de regressar a Belém 20 anos depois.
O posicionamento de Centeno, como escreveu o Observador em agosto, não atirou, pelo menos para já, Augusto Santos Silva para fora da corrida pelo lado socialista. Apesar de ter piores sondagens que o antigo ministro das Finanças, Santos Silva ainda não terá afastado essa possibilidade e ainda tem apoiantes, principalmente na ala derrotada nas últimas diretas do PS (a de José Luís Carneiro).
Centeno fora do Banco de Portugal
Logo no início de agosto, Mário Centeno manifestava “vontade” de continuar a ser governador do Banco de Portugal e dizia estar a desempenhar o cargo para “chegar a julho do ano que vem em condições de ter um segundo mandato”. “Obviamente eu não estou a desempenhar o cargo para no fim do mandato ser dispensado pela via do meu desempenho. Essa avaliação política tem de ser feita e será feita por quem lhe compete”, afirmou o antigo ministro das Finanças, em declarações ao podcast Bloco Central do jornal Expresso.
Centeno com “vontade” de fazer segundo mandato no Banco de Portugal
As declarações de Centeno não foram, no entanto, levadas a sério pelo Governo — que até as considerou de uma “grande desfaçatez”. “Já quis ser tudo. E vai continuar a querer”, ironizava um elemento da equipa de Luís Montenegro. “Nunca soube estar à altura do cargo. Não seria de esperar que tivesse aprendido a saber estar”, completava outra fonte do Executivo. Centeno estaria, na leitura da direita, a tentar criar um saneamento artificial do Governo de direita que servisse de rampa de lançamento para uma candidatura presidencial.
“Desfaçatez”. Ensaio presidencial de Centeno não comove o Governo (nem o PS)