Casinos, restaurantes, espaços de diversão e uma vista para a praia com uma roda gigante como pano de fundo. É a rua mais movimentada de Clacton-on-Sea, uma localidade no leste de Inglaterra e pertencente ao condado de Sussex. Quem a atravessa ouve o barulho das máquinas de jogos misturado com o das gaivotas e do mar. É difícil ignorar um placard amarelo e vermelho em que está inscrito Amusements Gaiety, num edifício de apenas dois andares. Estas cores contrastam apenas com o céu e o azul ciano de duas bandeiras colocadas junto a uma porta. “A Grã-Bretanha precisa de reforma”, lê-se.
Nesta rua, lado a lado, estão duas portas. Uma vai dar a um salão de diversões, a outra vai dar à sede em Clacton-on-Sea do partido Reform UK, fundado e liderado por Nigel Farage — um dos principais rostos do Brexit. Nessa porta está colado um cartaz com uma fotografia do político de 60 anos, que concorre a estas eleições pelo círculo eleitoral desta cidade do leste de Inglaterra. Quem entra vê umas escadas cinzentas alcatifadas e quem as sobe chega a uma sala quase vazia, apenas com caixotes e mesas com papéis.
Quando o Observador chegou a essa sala este domingo, um apoiante do partido avisou logo que não era permitida a entrada de jornalistas. “Não é nada contra si, mas não permitimos jornalistas aqui. Já tivemos aqui alguns, mas agora não. Não falamos com jornalistas, não confiamos em vocês”, diz o mesmo homem com um sotaque britânico carregado, que logo explica porquê: “O que aconteceu com o Channel 4… Sei que estão a fazer o vosso trabalho, mas não confiamos mais em jornalistas. Com os tories é a mesma coisa, eles também já não confiam. Devia escrever para o Channel 4 a reclamar de que não pode fazer o seu trabalho.”
O apoiante do partido de Nigel Farage ainda permitiu ao Observador tirar algumas fotografias do local e deixou uma sugestão: “Olhe, aproveite o dia por aqui, vá à praia que talvez fique bom tempo.” A polémica a que se referia este membro do Reform UK abalou a campanha para as eleições britânicas marcadas para dia 4 de julho. O canal de televisão Channel 4 revelou um áudio de Andrew Parker, durante uma ação de campanha em Clacton-on-Sea, em que aquele simpatizante do partido usa linguagem racista para descrever o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, fazendo ainda comentários homofóbicos e anti-imigrantes; por exemplo, sugeriu que se devia “dar um tiro” a quem tentasse atravessar o Canal da Mancha ilegalmente.
Em reação, Rishi Sunak, de origem indiana, confessou estar “magoado” e “zangado” com a situação. “Quando se vê os candidatos e apoiantes do Reform a usar linguagem racista e misógina… Diz alguma coisa sobre a cultura dentro do Reform”, atirou o primeiro-ministro britânico. Por sua vez, Nigel Farage apontou para a tese de que Andrew Parker era um “ator” que fazia “gravações encobertas”: “Foi algo completamente manipulado e aproveitado pelos nossos oponentes políticos e pela maior parte dos meios de comunicação social.”
Criado em 2018 com o nome Brexit Party, o Reform Party, um dos mais à direita no panorama político britânico, concorre agora às primeiras eleições gerais. Sob a liderança do carismático Nigel Farage, as sondagens apontam que o partido ficará em terceiro lugar (ainda que em alguns estudos de opinião esteja em segundo), com cerca de 18% dos votos, muito perto dos conservadores. Em Clacton-on-Sea, ainda assim, a vitória do Reform está quase garantida.
No entanto, esta semana derradeira antes das eleições está a ser “dura” para o partido, como reconheceu num comício este domingo Nigel Farage. Poderão os comentários racistas de Andrew Parker, a relação tensa com os meios de comunicação sociais (em particular a BBC, o canal estatal britânico) e uma posição controversa sobre a guerra na Ucrânia afetar o candidato? Em Clacton-on-Sea, as opiniões dividem-se.
Racismo? Em Clacton-on-Sea, há quem acredite que “foi tudo falsificado” — e aponta-se o dedo aos meios de comunicação social
Em várias entrevistas que foi dando nos últimos dias, Nigel Farage reiterou a tese de que Andrew Parker era um “ator de comédia”, numa maquinação que tinha como objetivo “prejudicá-lo”: “Infelizmente alguma pessoas acreditaram nisso”. Este episódio não foi isolado; já houve outros candidatos na campanha do Reform UK acusados de serem racistas. O fundador do partido garantiu, ainda assim, que na “maioria dos casos” lhes “retirou o apoio”: “Não quero ter nada a ver com eles.”
Na manhã deste domingo, Claire Swift passeava com o cão na principal rua de Clacton-on-Sea e perto da sede do Reform. Ao Observador, a mulher de 62 anos assegurou que “nem quis saber” desta polémica. “Querem destruir a campanha dele. Acredito que foi tudo falsificado”, diz a proprietária de uma papelaria, acrescentando: “Sei que estou a falar com um jornalista, mas há jornalistas com uma determinada agenda política.”
Neste contexto, Claire Swift recorda o que aconteceu no programa Question Time emitido pela BBC e em que os líderes políticos são confrontados com várias perguntas da audiência: “Foi uma vergonha, a BBC tentou prejudicar um candidato.” Ora, esta acusação também foi feita pelo próprio Nigel Farage e pelos seus apoiantes, sublinhando que foram escolhidas apenas pessoas de esquerda para lhe colocarem perguntas e para o tentar prejudicar: “O nosso canal estatal comportou-se como um ator político durante esta eleição. O Reform vai continuar a fazer campanha para abolir a taxa audiovisual.”
À porta da sede do Reform em Clacton-on-Sea, a animosidade perante a BBC é bem visível. Num poste de eletricidade muito próximo está colado um poster a acusar o canal estatal de mentir durante a pandemia de Covid-19 e de “proteger pedófilos”. “Eles mentiram sobre a ameaça da Covid-19. Eles mentiram sobre a segurança da vacina. Eles dão emprego a pedófilos e outros predadores sexuais”, lê-se.
A empresária de 62 anos, que admitiu que no passado votou “várias vezes nos conservadores”, deixou igualmente críticas à BBC, que, diz, censura Nigel Farage pelas suas ideias. “Concordo com ele, principalmente no que diz respeito às migrações”, frisa, antecipando que, se o trabalhista Keir Starmer vencer, o “Reino Unido vai abrir as portas e vai deixar entrar toda a gente, incluindo delinquentes”. Algo que também preocupa Claire Swift consiste na chegada de imigrantes muçulmanos ao Reino Unido. “O senhor Farage diz que eles não aceitam a nossa cultura e querem alterá-la. Concordo completamente com ele.”
A questão das migrações assume um papel primordial na campanha de Nigel Farage. O candidato a primeiro-ministro ambiciona reduzir em larga escala o número de imigrantes que entram no Reino Unido anualmente, diminuir os vistos para estudantes, reforçar o controlo das fronteiras e banir todos os benefícios sociais a todos aqueles que venham trabalhar para o país.
Num domingo nublado em Clacton-on-Sea, Kevin Marlborough está sentado num banco de jardim a mexer no telemóvel. Ao Observador, também concorda que existem “demasiado imigrantes ilegais” no Reino Unido. Por isso, o homem de 55 anos defende uma “mudança”. “Farage é a pessoa correta para fazer essa mudança. Ele tem boas ideias”, frisa, acrescentando que acredita que o partido ficará “em segundo lugar”: “Acho que os conservadores vão perder bastante votos.”
Sobre as acusações de racismo que pairam sob a candidatura de Nigel Farage, este eleitor não acredita “que Nigel Farage seja racista”. “Nunca deu provas disso. O que aconteceu [o episódio de racismo denunciando pelo Channel 4] foi triste”, adjetiva. Questionado sobre se acredita na versão de que Andrew Parker era um ator, o homem diz categoricamente que sim. “Certamente foi para prejudicar o partido. É o que faz sentido.”
Por sua vez, numa entrevista à Sky News, Andrew Parker não confirmou a tese de ser um ator e admitiu que a polémica lhe ensinou uma “lição”. “Há muitas pessoas velhas como eu que estão fartas até à morte desta agenda woke. Sou um velho e ainda uso palavras antigas”, tentou ainda justificar, considerando ser um “tipo decente”.
Quem não ficou surpreendida com as declarações racistas de membros do Reform foi Hannah Wilson. A esteticista de 28 anos começa por dizer ao Observador que “não gosta” de Nigel Farage: “Ele apresenta mensagens negativas para a sociedade. É muito radical e acho que ele é racista.” A jovem de 28 anos também não se mostrou “surpreendida” com o episódio revelado pelo Channel 4. “Um tio meu, que gosta do Farage, diz as mesmas coisas”, lamenta.
Na próxima quinta-feira, Hannah Wilson deverá votar no Partido Trabalhista. “Gosto do candidato aqui de Clacton-on-Sea [Jovan Owusu-Nepaul] e do [Keir] Starmer. Não gosto do Rishi Sunak e acho que os conservadores fizeram muitas coisas negativas ao Reino Unido.” Mesmo assim, a esteticista até espera que os tories acabem em segundo, de forma a que o Reform fique “em terceiro”.
Clacton-on-Sea: uma das localidades mais pobre e mais à direita no Reino Unido
Localizada a cerca de 136 quilómetros de Londres, Clacton-on-Sea é uma cidade costeira que tendencialmente vota à direita. Aliás, foi a primeira localidade a eleger um deputado pelo United Kingdom Independence Party (UKIP) em 2015, mas, depois, os conservadores voltaram a vencer, há cinco anos. No referendo do Brexit, cerca de 70% da população desta localidade votou a favor da saída da União Europeia (UE).
É, nesta altura, uma das cidades mais pobres do Reino Unido. A taxa de desemprego também é bastante alta: cerca de metade da população com mais de 16 anos é economicamente inativa e um quinto nunca teve um emprego. A estes dados juntam-se outros dois: é uma localidade envelhecida e a esperança média de vida é 18 anos mais mais baixa do que nas áreas mais ricas do condado de Essex.
Ao Observador, Elisabeth Carter, uma antiga professora primária na reforma que passeava este domingo junto da praia de Clacton-on-Sea, conta as dificuldades que a filha está a enfrentar a tentar arranjar emprego. “Não consegue. A situação aqui é muito má, as pessoas passam dificuldades. Agora, no verão, é um pouco melhor, mas, mesmo assim, muita gente enfrenta problemas.” A mulher ainda não sabe em quem vai votar, mas disse que “sente-se desiludida” com os conservadores.
“Já votei no Labour, nos tories e agora não sei”, sinaliza. Questionada pelo Observador sobre se pondera votar em Nigel Farage, não dá uma resposta concreta, referindo apenas que não pertence a “nenhum partido”. Ainda sobre o seu historial de voto, Elisabeth Carter lembra-se do Brexit; e de como, contrariamente à maioria da população de Clacton-on-Sea, votou para ficar no bloco comunitário: “Penso que estávamos melhor dentro da União Europeia. Mas foi uma decisão da população.”
Por seu turno, também na reforma, Alan Clarke, de 83 anos, considera que Nigel Farage é a pessoa certa para tirar Clacton-on-Sea da situação em que se encontra. “Esta cidade é pobre e os tories não conseguiram resolver nada. O nosso atual deputado [pelo círculo eleitoral, o conservador Giles Watling] não fez nada. Acredito que o Nigel Farage vá mudar as coisas. Ficarei muito orgulhoso se ele for eleito para representar Clacton-on-Sea”, indica o homem ao Observador, a caminho das compras. Interrogado sobre as qualidades do candidato do Reform UK, o octogenário destaca: “É honesto e diz a verdade. Poucos políticos fazem isso.”
No entanto, nem todos pensam assim. Para além de ser uma estância balnear, Clacton-on-Sea tem vários parques de diversões perto da praia. Este domingo, várias crianças andavam em monhanhas-russas e divertiam-se em carrosséis. Duas delas era filhas de Benjamin Cooper, de 36 anos. À saída de um desses estabelecimentos, foi abordado pelo Observador, com quem partilhou as suas preocupações sobre Nigel Farage. “É uma fraude e um populista”, atira, dizendo que é uma pessoa que até “sabe como falar em público”, mas que “apenas diz mentiras”.
O episódio dos apoiantes do Reform UK que proferiram declarações racistas também não o “surpreende”. “Estou preocupado pelas minhas filhas. O seu discurso é perigoso”, realça Benjamin Cooper, acrescentando que deverá votar no Partido Trabalhista.
A guerra da Ucrânia interessa a uns, a outros nem tanto
Desde que começou a guerra na Ucrânia, o Reino Unido manteve-se como um dos principais aliados de Kiev contra a Rússia. O ex-primeiro-ministro conservador, Boris Johnson, foi um dos principais apoiantes da causa ucraniana, tal como é hoje em dia Rishi Sunak. Além disso, caso o Labour vença as eleições, é garantido que Londres vai continuar a apoiar a Ucrânia e a sancionar o Kremlin.
Ao contrário de países como Alemanha, Itália ou França — em que há certos políticos alinhados com a Rússia —, o Reino Unido parecia imune a essa tendência. E ainda que Nigel Farage tenha sempre sido associado a movimentos pró-russos, as declarações do político do Reform caíram como uma bomba. Numa entrevista em meados de junho à BBC, Farage defendeu que a União Europeia e a NATO provocaram a Rússia ao aliciar Kiev com a entrada nas duas organizações e isso deu “razões” ao Presidente russo, Vladimir Putin, para invadir a Ucrânia.
“Nós provocámos esta guerra. Claro que a culpa é nossa. Ele [Putin] usou aquilo que nós fizemos como uma desculpa”, reiterou Nigel Farage. Um coro de críticas rapidamente se formou contra o líder do Reform, mas o político de 60 anos sugeriu recentemente a Volodymyr Zelensky, o Chefe de Estado ucraniano, que procure um acordo de paz com a Rússia, considerando um “objetivo incrivelmente difícil” recuperar todos os territórios conquistados por Moscovo desde 2024, incluindo a Crimeia.
????We just dropped in on Farage’s election rally with a beaming picture of Putin. Nigel was not pleased. pic.twitter.com/KeDiOMeyu6
— Led By Donkeys (@ByDonkeys) June 29, 2024
Estas declarações relativamente à guerra na Ucrânia fizeram mesmo com que o Reform caísse ligeiramente nas sondagens, como nota a Reuters. E, este sábado, Nigel Farage teve uma surpresa desagradável durante um discurso numa ação de campanha. No palco em que discursava na localidade de Walton on the Naze, apareceu um cartaz com uma fotografia de Vladimir Putin com o polegar para cima com a descrição: “Eu-emoji de coração-o Nigel”.
Alan Clarke, o reformado de 83 anos que apoia Nigel Farage, admite ao Observador que a posição do líder de partido relativamente à guerra da Ucrânia não “lhe interessa muito”: “O que importa é o que se passa dentro do Reino Unido e acho que esse assunto é pouco importante, honestamente”. “Já temos problemas de sobra.”
Opinião ligeramente distinta tem o casal Antony e Margaret Kynoch, que passeavam no centro da cidade de Clacton-on-Sea este domingo. Os dois admiram Nigel Farage e veem as suas políticas com bons olhos. A mulher de 43 anos, que trabalha num supermercado, identifica-se com o discurso do líder do Reform quando ele fala sobre a insegurança nas ruas. “Sinto que o Reino Unido é um país cada vez mais perigoso: os nossos vizinhos foram assaltados há três semanas.”
Sobre a guerra na Ucrânia, Antony Kynoch, mecânico de 48 anos, entende a posição de Nigel Farage. “Acho que sim, que o Ocidente provocou a Rússia. Não confio nem em Zelensky, nem em Putin para acabar com o conflito. Penso que a guerra tem de terminar o mais cedo possível, isto já dura há mais de dois anos”, frisa o homem. Margaret, por sua vez, diz ao Observador que “não tem uma opinião formada sobre o assunto”: “Só acho que se deve procurar a paz.”
Perto da praia de Clacton-on-Sea, passeava uma família de ucranianos — um casal e três filhos adolescentes — que conversavam em ucraniano entre si. Abordados pelo Observador, preferiram não fazer comentários sobre política britânica. A mulher disse apenas duas coisas: que Nigel Farage era um “homem muito mau” e que “não gosta dele”.
Quem também se indignou com os comentários de Nigel Farage sobre a Ucrânia foi Nick Edridge, de 50 anos, que este domingo deambulava pelas ruas de Clacton-On-Sea. “Foi bastante preocupante. Penso que está a tentar agradar ao seu amigo, Putin, um líder que eu detesto. O Reino Unido deve continuar a apoiar a Ucrânia”. De qualquer modo, o homem não pensa votar no Reform. “Nunca votaria no senhor Farage. E espero mesmo que perca as eleições, ainda que vá ser difícil. Os meus pais vão votar nele, por exemplo.”
Neste momento, Nick Edridge está inclinado a votar nos conservadores. “Não é que goste muito do senhor Sunak, mas continuo a considerar que são uma opção mais segura do que o Labour. E, em Clacton-On-Sea, os conservadores têm mais chances de vencer do que o Partido Trabalhista, que é um partido em que também não confio”, explica.
Entre críticas e elogios, em Clacton-on-Sea, Nigel Farage corre poucos riscos de não ser eleito para a Câmara dos Comuns. Uma sondagem realizada na cidade, publicada em meados de junho, atribui 43% das intenções de voto a líder do Reform, o que significa que será provavelmente eleito para a Câmara dos Comuns. Em segundo lugar estão os conservadores, com 27%, ao passo que o Labour se fica pelos 24%.