A execução do Plano de Recuperação e Resiliência tem sido o ponto de maior tensão entre Belém e São Bento, com inúmeros avisos presidenciais a caírem sobre os ombros do primeiro-ministro nos últimos meses. Esta quarta-feira, António Costa foi jurar, perante Marcelo e a sua Casa Civil, que está tudo em linha com o previsto e garantir que, se assim se mantiver, cada euro que chegar via PRR será multiplicado por cinco, na economia nacional. Nem por isso se livrou de duas horas de perguntas dos membros da equipa de Marcelo, fechadas à comunicação social.

Quando abriu a sessão, no Antigo Picadeiro Real, em Lisboa, Marcelo foi curto e assumiu aquele como “um exemplo de solidariedade institucional e até estratégica”. “A solidariedade institucional que implica haver uma cooperação em relação a determinados objetivos nacionais em termos institucionais, porque a ideia é que a estratégia corporizada pelo PRR tenha sucesso nacional”, detalhou. A mesma expressão — “cooperação estratégica” — serviu noutros tempos e para descrever a relação Belém e São Bento de outra coabitação, com Cavaco Silva Presidente e José Sócrates primeiro-ministro — e que acabou mal.

PRR: Vieira da Silva alerta para reprogramação para responder às “necessidades de financiamento adicionais que decorrem da inflação”

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Marcelo recupera-a agora para um capítulo no qual tem colocado especial peso sobre o Governo. No PS estes avisos constantes e incisivos — como o que dedicou à ministra da Coesão quando lhe disse que não perdoava se descobrisse uma taxa de execução dos fundos europeus abaixo do que era exigido — têm sido desdramatizados. São vistos como um Presidente a fazer “prova de vida”, perante um Governo com maioria absoluta.

Mas o que é certo é que as sucessivas investidas de Marcelo fizeram Costa ir a Belém fazer ele mesmo a prova da execução, levando consigo não a ministra Ana Abrunhosa, mas sim a ministra que coordena o PRR, Mariana Vieira da Silva. Também convidou o Presidente para ir ao terreno, a partir de março, para verificar in loco a aplicação do PRR, coisa que o próprio primeiro-ministro tem feito desde o início deste ano com a iniciativa “PRR em movimento”. Agora quer que a ele se junte o Presidente da República.

Uma medida “vital” que Marcelo enviou para o TC

No entanto, nem tudo foram respostas a Marcelo nesta sessão de ponto de situação do PRR. Costa também aproveitou para deixar um recado muito específico quando falou na reforma ao estatuto das ordens profissionais que “está dependente de apreciação do Tribunal Constitucional e é vital para a liberalização da economia e libertá-la dos constrangimentos corporativos que as ordens comportam”. Uma “vicissitude legislativa”, classificou Costa, que na verdade foi criada pelo Presidente, que enviou o diploma do Governo para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional no início do mês. O primeiro-ministro fez questão de avisar já que esse é um dos obstáculos a criar preocupação, neste caminho em que Marcelo lhe tem imposto especiais exigências.

Outros obstáculos já são conhecidos, como o do disparar da inflação e da reprogramação que ela veio exigir a um PRR traçado antes da guerra para apoiar as economias europeias no pós-pandemia. António Costa já tinha dito, noutras situações, que o Governo pretendia usar as verbas não utilizadas do PRR, nomeadamente na componente dos empréstimos.

Agora, na sessão com o Presidente, disse que “em função da evolução da inflação é muito provável que venha a recorrer a verbas ainda não utilizadas do PRR, para permitir custos, designadamente os que as IPSS e os municípios estão a ter em muitas das obras que estão a tentar contratar hoje, a um preço muito superior àquele que estava inicialmente previsto”.

A reprogramação está em curso em Bruxelas e o Governo conta com ela para cobrir “necessidades de financiamento adicionais que decorrem da inflação”. Mas também para “adequação de metas à nova conjuntura”, conforme detalhou a ministra Mariana Vieira da Silva.

Quanto à execução propriamente dita, foi a ministra que fez a apresentação e mostrou a Marcelo vários gráficos, com metas, marcos, pagamentos já efetuados e pagamentos pedidos. “Portugal tem andado no grupo da frente da execução do PRR e é um dos cinco que já cumpriu duas fases” desse mesmo Plano, disse a ministra.

Até agora foram 58 os marcos e metas cumpridos, de acordo com a contabilização apresentada pelo Governo ao Presidente da República. A expectativa do Executivo é atingir “no final do ano de 2023, 32% de metas e marcos e 55% do montante aprovado”.