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Os cerca de 90 despedimentos que ocorreram na Unbabel e os 35 trabalhadores em layoff na Uniplaces puseram o tema na agenda pública e foram o ponto de partida para um raio-x do Observador ao ecossistema de empreendedorismo: afinal, como está a pandemia de Covid-19 a impactar as startups portuguesas? As respostas de empreendedores e investidores nacionais incluem de tudo um pouco: despedimentos, contenção de custos, críticas aos apoios do Governo que tardam em materializar-se e, nalguns casos, vendas que crescem em contraciclo. De uma coisa ninguém nestes grupos duvida: tal como noutros setores da economia, também as startups estão numa situação “incerta” e a imprevisibilidade típica destes negócios ganhou um novo reforço à escala global. O que acontecerá a seguir? Ninguém sabe, mas quando se fala em futuro, as respostas tendem a estar mais dependentes da capacidade que cada empresa terá para se readaptar à nova realidade do que a outra coisa.
Mas antes do futuro, voltemos ao passado: a 7 de abril, o Eco revelava que a Unbabel — startup de tradução automática e inteligência artificial, que em setembro de 2019 recebeu 60 milhões de dólares de investimento — estava a despedir 35% por cento da equipa, ou seja, cerca de 90 pessoas, devido ao impacto que o novo coronavírus estava a ter no negócio. Estes despedimentos foram confirmados ao Observador no dia seguinte e a justificação reiterada pelo fundador e presidente executivo da empresa, Vasco Pedro.
Dias depois, o Expresso noticiava outros pormenores sobre o que estava a acontecer dentro da startup: Vasco Pedro terá dito aos trabalhadores para assinarem um acordo para saírem, porque não podia recorrer ao despedimento coletivo e recorrido à expressão “não é do vosso interesse não assinar” para os pressionar. Contudo, questionado pelo Observador, fonte oficial da Unbabel nega que tenha havido esta afirmação: “É inteiramente falsa. Não foram feitas quaisquer ameaças ou pressões”.
Segundo o artigo publicado no mesmo jornal, a 12 de março (pouco antes de ser decretado o Estado de Emergência em Portugal), Vasco Pedro terá garantido à equipa, através de um email, que a empresa estava “capitalizada” e confiante de que tinha “todos os recursos para absorver qualquer contratempo”. Sobre a ronda de investimento de 60 milhões de dólares que tinha fechado em setembro, o fundador terá dito em videoconferência, segundo o Expresso, que “face à situação que a economia mundial está a atravessar, e como a empresa não vinha a atingir as metas de vendas esperadas nos últimos meses, o montante em reserva serviria apenas para pagar contas no início de 2021”. Ou seja, os funcionários ficaram com a ideia de que os objetivos de vendas da empresa não estariam a ser atingidos ainda antes do início da pandemia, como também conseguiu apurar o Observador.
Confrontado com estas afirmações, fonte da Unbabel nega: “É importante que fique claro que a decisão foi tomada devido aos efeitos que a pandemia vai ter na economia global (ou seja a recessão que está a caminho)”. Ao que o Observador apurou — e na sequência de uma queixa que foi feita pelos trabalhadores à Autoridade para as Condições do Trabalho, como noticiou o Dinheiro Vivo no final de abril –, esta justificação não é consensual entre a equipa. Internamente, ainda há críticas de que estes despedimentos possam ter sido “precipitados”, motivo pelo qual o processo não está ainda concluído. Questionados sobre o porquê de não terem recorrido ao sistema de layoff ou a um despedimento coletivo, mas sim a um modelo de cessação por mútuo acordo (que impede os visados de acederem a um subsídio de desemprego), a startup argumenta que “nenhum dos mecanismos disponíveis na altura [em abril] se adequava à situação de empresas como a Unbabel, que dependem de investimento para sobreviver e continuar a crescer”.
Nas redes sociais, o processo que levou ao despedimento dos colaboradores da Unbabel foi alvo de críticas e levantou o véu sobre o que se poderia estar a passar no ecossistema de empreendedorismo. Ainda no início de março, a Unbabel tinha sido reconhecida internacionalmente como uma das startups mais inovadoras do mundo e estava num processo de expansão. Como estariam, então, as outras empresas?
Ainda em abril, um dia depois de os despedimentos na Unbabel terem vindo a público, o Dinheiro Vivo noticiava que a Uniplaces, uma startup de alojamento temporário, tinha posto 35 trabalhadores em layoff, para fazer face ao impacto da pandemia. Ao Observador, Cyril Jessua, presidente executivo da empresa disse: “Com as universidades fechadas e as viagens entre países limitadas, o nosso negócio, assim como todos os negócios do setor, sofreram uma queda significativa na receita (no nosso caso, uma queda de mais de 50% na receita durante este período). Mesmo assim, diz: “Até ao momento, ninguém foi demitido. Contudo, avança: “Tentámos preservar os nossos funcionários e a empresa o máximo possível e colocámos alguns dos nossos funcionários em layoff (35 até o momento)”.
Apesar de não ter havido despedimentos, Jessua assume que a Uniplaces optou “por não renovar alguns contratos que estavam a acabar durante este período de pandemia”. A justificação é semelhante à de outras empresas: “Precisamos adaptar a nossa estrutura de custos porque não sabemos quanto tempo isto vai durar e com que rapidez voltará ao normal”. Destes dois casos, há também outra questão: o financiamento. Apesar de terem sido noticiados apoios do Estado (mais à frente falamos disto), os investidores destas empresas também vivem momentos de incertezas.
Por se estar a falar de startups, é sabido que estas empresas dependem de investimento externo para continuarem a existir. E aqui a imprevisibilidade volta a ganhar força: se, no caso da Uniplaces, houve um reforço de capital por parte dos investidores, no da Unbabel, o cenário é diferente: “A possibilidade de levantar dinheiro será extremamente difícil nos próximos 18 meses”, diz Vasco Pedro. Quanto ao resto do ecossistema, o que dizem as outras empresas e investidores?
O que dizem os empreendedores? Novas decisões e menos receitas
Apesar de trabalharem em áreas diferentes e viverem momentos distintos, para as startups, incubadoras e aceleradoras portuguesas a pandemia trouxe alguns desafios comuns. “A Covid-19 veio acelerar a necessidade de tomarmos decisões rápidas”, resume Diogo Alves de Oliveira, diretor-geral da Landing.Jobs, uma startup que desenvolveu uma plataforma de recrutamento online para o setor das tecnologias de informação. Nem todas as decisões desta startup foram provocadas pelo contexto da pandemia, mas o novo coronavírus veio, pelo menos, acelerar alguns processos, mudar objetivos e teve também impacto na faturação da empresa. Provocou uma “queda em vários produtos” e levou a uma diminuição entre 40% a 60% das receitas desta startup, revela o responsável ao Observador. O mercado em maior queda foi o de Espanha, seguindo-se Portugal e depois Holanda e Alemanha.
No entanto, a Landing.Jobs acabou por ter algum apoio pelo caminho, uma vez que, no início de março, fechou uma ronda de investimento de dois milhões de euros, que permitiu gerir tudo “com mais algum conforto”. Diogo Oliveira avisa: “Quando há um investimento, em nenhum modo se considera que é para superar uma crise. O investimento que vem de um investidor serve para alavancar o negócio. Portanto, queimar dinheiro para superar uma crise não é viável e tivemos que fazer alguns reajustes”.
No que toca à equipa, a startup decidiu não recorrer a mecanismos como o layoff. “Mantivemos as condições e tomámos algumas decisões, que foram aceleradas pela Covid-19, mas baseadas apenas em performances. Assim, 10% das pessoas [cinco pessoas] acabaram eventualmente por ser dispensadas”, explica Diogo Oliveira. O responsável garantiu ao Observador que a dispensa destes trabalhadores se deveu apenas a uma questão de performance e não por causa da pandemia e que o objetivo deste esforço foi manter a equipa motivada: “Tentámos traçar cinco cenários diferentes de como a economia reagia e qual era o impacto do negócio. Chegamos à conclusão que o impacto na parte motivacional da equipa e o impacto social e psicológico iria ser muito superior à poupança financeira“.
Sobre o impacto no setor onde esta startup está inserida — a área de tecnologia de recursos humanos –, há muita incerteza e também alguma estagnação no recrutamento, uma vez que os próprios objetivos das empresas acabaram por ser reajustados nos últimos meses. “É óbvio que as coisas não estão super favoráveis. Quando existe incerteza ou uma situação que tem impacto a nível de saúde pública que depois terá impacto social mas que já está a ter impacto económico, naturalmente que a primeira coisa que todas as empresas pensam é: ‘Não vamos recrutar ou, pelo menos, havendo incerteza é vamos congelar tudo aquilo que tínhamos pensado'”, explica Diogo Oliveira.
À semelhança da Landing.Jobs, também outras startups sofreram quebras nas vendas. De acordo com um inquérito realizado pela Aliados Consulting e a FES Agency a 78 empreendedores, presidentes e diretores de startups portuguesas, 73.10% das startups disse em março que a pandemia estava a ter um impacto negativo nas vendas. Já num segundo inquérito feito em maio o resultado melhorou significativamente: 59% disse que o impacto foi negativo e 13% admitiu que até houve um impacto positivo.
Outra das startups portuguesas que admite que a pandemia também teve impacto no seu negócio é a Talkdesk, uma empresa portuguesa de software na nuvem para centros de contacto. “A pandemia é um fenómeno de impacto mundial e a Talkdesk não é imune aos acontecimentos. De qualquer forma, como fornecedor de soluções na cloud, a nossa adaptação rápida ao trabalho remoto foi natural e, como resultado, continuamos a crescer”, refere a empresa em resposta ao Observador, acrescentando que não houve despedimentos provocados pela Covid-19: “A Talkdesk não está a reduzir a equipa por causa dos efeitos do Covid-19 na economia. Na realidade, a Talkdesk continua a contratar”. A Talkdesk é o terceiro unicórnio português (empresas que valem mais de mil milhões de dólares).
O apoio das aceleradoras e incubadoras
Também da parte das incubadoras e aceleradoras há a noção de que estes são tempos “naturalmente difíceis” e que grande parte das startups tem assistido a uma quebra da faturação e a um estagnar do investimento. Dos projetos que fazem parte do portefólio da Startup Braga, por exemplo, não houve quem fechasse portas, mas há “algumas situações mais delicadas”, conta o diretor Luís Rodrigues. “Falamos em termos da quebra da faturação e do impacto que isso tem na própria estabilidade do negócio. Um dos grandes problemas é certamente esta expectativa ou a falta de expectativa que temos relativamente ao horizonte temporal da crise”, refere.
Também a UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto tem verificado alguns casos de startups que tiveram de dispensar alguns colaboradores devido à pandemia, quer por alterações no modelo de negócio quer por ter existido um processo de captação de investimento que estagnou. “Estamos a falar de casos pontuais e diria que são empresas mais pequenas, aquelas que têm 4/5 colaboradores e alguns dos quais até contratações muito recentes porque estavam à espera de encomendas, de investimento que acabou por não se concretizar”, explica ao Observador Maria Oliveira, diretora de negócios da UPTEC.
O papel de incubadoras como a Startup Braga, a UPTEC e a Startup Lisboa tem sido acompanhar passo a passo o evoluir da situação e tentar dar algum apoio a nível de redução de custos. Luís Rodrigues, da Startup Braga, refere que a incubadora tem “fundamentalmente procurado auscultar as startups e perceber o que necessitam” e decidiu também isentar “quase na totalidade” o pagamento do valor mensal associado aos serviços que são prestados pela Startup Braga. “Foi uma resposta para, no fundo, tentarmos também contribuir para uma mitigação do impacto que esta situação tinha”, refere.
Também na UPTEC foi aplicada uma redução de 50% nas rendas de incubação, conta Maria Oliveira: “Foi uma forma de tentarmos melhorar o impacto e, para todas as startups que de facto têm já uma estrutura de custos e ficaram sem receitas poderem, enquanto o Governo determinava algumas de apoio, aliviar esta parte do esforço”. O estudo da Aliados Consulting e da FES Agency indica também que uma das principais categorias onde houve redução de custos durante a pandemia foi precisamente a suspensão do pagamento de rendas (34,1%), sendo que a grande fatia dos custos que cortaram refere-se aos serviços contratados (85,4%) e ao orçamento de marketing (48,4%).
Já a Startup Portugal — organização responsável por implementar e executar a Estratégia Nacional para o Empreendedorismo — refere que o seu papel também passa por “ouvir o ecossistema” e garante ter feito isso “desde os primeiros dias”, incluindo ajudar os empreendedores a serem ouvidos pelo Governo. Além disso, a Startup Portugal criou um projeto comunitário para promover o recrutamento do talento nacional, sobretudo de quem ficou desempregado no decorrer da pandemia de Covid-19: a Zero Gravity.
Startup Portugal lança plataforma para promover talento e apoiar desempregados da área tecnológica
O peso do impacto da pandemia no ecossistema empreendedor português depende também da área onde cada startup trabalha. “Aquilo que temos reparado é que algumas das startups que estavam a atuar diretamente em mercados que têm sido muito afetados relativamente à Covid-19, nomeadamente a parte do turismo ou dos aeroportos, têm sido duramente afetadas porque praticamente deixaram de ter receitas, uma vez que muitos dos seus clientes que estavam em processo de encomendas também sofreram impacto”, explica a diretora de negócios da UPTEC. A mesma ideia é referida pela Startup Lisboa, que indica ao Observador que “as startups das áreas de turismo e F&B foram definitivamente as mais impactadas” pela pandemia.
“Temos estado suficientemente próximos dos nossos empreendedores e das nossas startups para sabermos que de um modo geral o sentimento é de alguma apreensão com o futuro. Obviamente que a situação é muito heterogénea em função do perfil de cada startup (modelo de negócio, sector de atividade, grau de maturidade, dimensão das equipas, etc) e do modo como esta situação pandémica está a afetar cada uma delas”, acrescenta a Startup Lisboa.
Também a Startup Portugal refere que — apesar de ser difícil estabelecer uma estimativa de impacto no ecossistema “com algo que muda o tabuleiro de jogo de forma tão profunda” — há startups “cuja ligação à economia de Portugal era direta” e que estão a sofrer mais do que outras. Para a Landing.Jobs, a ideia é clara: apesar do cenário, “não pode haver desinvestimento na tecnologia“. “A forma como o mundo está a evoluir tem a ver com a digitalização, com a inserção de tecnologia para sermos todos mais eficientes. Quem conseguir ter capacidade para investir vai dar dois ou três passos à frente da própria competição, mas é natural também que muitas empresas em mercados muito fragmentados, em que existem muitas pequenas empresas, vão desaparecer e vão fazer merge para se aguentar”, refere Diogo Oliveira.
O que dizem os investidores? Há “desejos” de retoma e avisos para “reduzir-se equipas”
Os investidores encontram também uma cenário incerto, como disse ao Observador José Guerreiro de Sousa, responsável da Armilar Venture Partners: “Aquilo que sabemos até agora é que isto trouxe uma paragem muito brusca em tudo o que era um conjunto muito grande de vendas. As empresas que estavam a vender deixaram de vender. Daqui para a frente não sabemos o que é que vai acontecer”. Além disso, assume: “Vamos ter em consideração este contexto” para futuros investimentos.
Este impasse dos investidores também está presente no discurso de Stephan Morais, o líder da sociedade de capital de risco portuguesa Indico Capital Partners: “Há várias empresas do nosso portefólio que estão a subir vendas, dado que entregam soluções online que agora são mais procuradas. Outras estão em fase de desenvolvimento de produto pelo que a crise não as afeta, por último, há algumas que viram as suas vendas diminuir e vão sentir a crise em diferentes graus durante os próximos meses, todas já a recuperar”.
Stephan Morais adianta também que “nenhuma [startup do portefólio da Indico] teve que encerrar negócio, mas várias recorreram ao layoff, à não renovação de contratos ou a acordos de rescisão”. “Várias estão também a contratar para fazer face à nova procura por novos clientes“, acrescenta.
A Indico tem no portefólio empresas como a startup de saúde emocional Zenklub que, recentemente, captou um investimento de 2,6 milhões de euros. Numa visão mais pragmática, Stephan Morais assume o problema que as startups estão a ter: “Há empresas que estão a angariar capital nesta fase e, naturalmente, têm que contar principalmente com os seus investidores principais nesse caminho”. Além disso, diz também que as startups têm de reduzir custos “como qualquer outra empresa”. De que forma? “Renegociando com fornecedores, baixando consumos e, se necessário, reduzindo a equipa dentro do quadro legal atual”.
“A prioridade com as empresas do portefólio [da Indico] é garantir que, primeiro, todas tenham capital suficiente para ultrapassar uma crise que pode ser de dois a três anos. E, para algumas que tenham mais capital, poderem aproveitar a oportunidade que se apresenta em resultado da conjuntura”, diz ainda Stephan Morais.
Sobre despedimentos que podem ser necessários, este investidor assume que é sempre “um processo traumático para todos os envolvidos”. Além disso, reitera: “As startups não são imunes à crise, são empresas como as outras e as leis tanto do país como do mercado são iguais para todos”. No caso da Indico, o responsável assume que a sociedade está a reforçar o investimento em várias empresas do portefólio que gerem. Contudo, “eram rondas que já estavam a ser preparadas muito antes da crise”.
Já a Portugal Ventures, que é a operador de capital de risco pública, mostra um cenário que cruza dificuldades com crescimento. “Tivemos 18 empresas a recorrer ao layoff, registámos sete empresas que tiveram que reduzir equipas (num total de 85 postos de trabalho), mas por outro lado, registámos com muito agrado que cinco empresas tiveram necessidade de reforçar determinadas áreas das suas empresas, num total de 26 postos de trabalho”, adianta a entidade. Este fundo tem no portefólio startups como a Josefinas, o Mercadão ou a Lovys.
E há queixas de empreendedores? “Queixas, não [há]. Desejos! Muitos desejos de que a atual conjuntura passe rapidamente e rapidamente se retome o ritmo normal”. Quanto a postos de trabalho, este investidor afirma que há uma prioridade: “Salvaguardar as pessoas que fazem parte das equipas das participadas [da Portugal Ventures]”. Em que é que isto se reflete? Avaliar futuros investimentos tendo em conta a necessidade de reforço dos atuais. De acordo com a Portugal Ventures “esta nova realidade terá que passar forçosamente pelo reajustamento da tese de investimento e que pode ter reflexo na criação de novos fundos, mas também no reforço dos já existentes”.
A título de exemplo, a Portugal Ventures, à semelhança da Indico, tem apresentado projetos para investir nestas empresas, como o Call INNOV-ID e ou o Call FIT. “Para além destes instrumentos de financiamento, temos tido a preocupação de continuar a acompanhar projetos que, não tendo sido enquadrados noutras Calls [concursos/programas de financiamento] já lançadas pela Portugal Ventures, podem ser agora elegíveis para investimento via outras iniciativas e parceiros”, diz a Portugal Ventures.
O fundo refere também: “Sim, algumas startups encerraram a sua atividade temporariamente, nomeadamente as do setor do turismo. Contudo, algumas já voltaram ao ativo e outras estão a preparar as suas estruturas para em breve reabrir os seus negócios com toda a segurança exigida. Houve até algumas empresas que tiveram que contratar novos recursos”.
Portugal Ventures tem 18 milhões de euros para ajudar startups portuguesas
Voltando às declarações da Armilar Venture Partners, é possível constatar o que sentem os investidores: “O que as empresas têm estado a fazer é a preparar-se para o pior, esperando o melhor”, apesar de nem todas serem iguais. “Nós temos aqui dois tipos de empresas: as que já têm uma certa maturidade, como a Outsystem e a Feedzai, que são empresas que estão a vender e a crescer, e que pode acontecer se calhar crescerem a um ritmo mais lento, e as mais pequeninas, nas quais estamos a investir com o novo fundo, que são empresas que acabaram de ser constituídas e de repente encontram estes problemas”, clarifica.
“Esta já é a terceira adversidade pela qual passamos. Já temos 20 anos. A primeira foi em 2000, depois foi em 2008/2009 com a crise financeira e esta é a terceira. O que estamos a fazer é ajudar as empresas a tomarem as melhores decisões para poderem prolongar o seu tempo de vida e, no fundo, redefinirem as suas atividades da forma mais racional possível”. Para a Armilar, é importante os investidores apoiem as startups, mas José Guerreiro de Sousa segue a linha do referido pela Indico: as startups têm de “redesenhar o seu plano para que o seu dinheiro dure mais tempo“. E isso passa por “olhar para os seus planos e reestruturar que atividades é que vão adiar”.
Mesmo assim, há um sinal de otimismo: “Há novas oportunidades que vão aparecer e que se vão criar com estas restrições que existem criadas pela pandemia, há outros modelos de negócio que antigamente, se calhar, eram mais viáveis e que agora vão estar mais em causa, mas vão continuar a haver oportunidades e vamos continuar a olhar para elas”, refere ainda a Armilar.
Agora, sobre que investimentos serão, não há resposta. Como assume ao Observador a Startup Portugal, um dos braços do Governo para apoiar as startups, “a questão do investimento é mais complexa: depende dos fundos de investimento, dos investidores que fazem parte de cada fundo e que tipo de investimento têm em carteira”. É, por isso, necessário saber “de que forma esses negócios estão a reagir à pandemia e ao ‘novo normal'”. A título de exemplo de como o cenário não está claro, a Startup Portugal assumiu a meio de maio que ainda não tinha dados sobre o impacto que a pandemia teve nestas empresas, apesar de afirmar que está a trabalhar nisso.
As medidas do Governo são suficientes? “No momento, nada mais são do que apenas palavras”
Entre as medidas apresentadas pelo Ministério da Economia estão programas de apoio num total de 25 milhões de euros que vão ser direcionados para estas empresas. Este apoio passa por extender bolsas de apoio às startups, empréstimos com condições especiais e vales para facilitar o acesso a incubadoras. Contudo, como qualquer questão complexa, principalmente as que envolvem política, a resposta à pergunta “São as medidas suficientes?” não é consensual para ninguém.
Há quem concorde, quem discorde, quem ache que são boas, mas podiam ser melhores e quem considere que são más mas têm coisas boas. Mesmo assim, há uma crítica transversal por parte das startups que contactámos: falta clarificação sobre como aceder a estas medidas. Citando fonte da Uniplaces: “As medidas implementadas são boas, mas, no momento, nada mais são do que apenas palavras”.
Os apoios do Governo para as startups
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De acordo com o comunicado do Governo, algumas das medidas de apoio para startups num total de 25 milhões de euros são:
- StartupRH Covid19: apoio financeiro através de um incentivo equivalente a um salário mínimo por colaborador (até a um máximo de 10 colaboradores por startup).
- “Prorrogação Startup Voucher: Prorrogação por 3 meses do benefício da bolsa anterior já atribuído (2.075€ por posto de trabalho de empreendedor).
- Vale Incubação – Covid19: Apoio para startups com menos de 5 anos, através da contratação de serviços de incubação com base em incentivo de 1.500 euros não reembolsável.
- Mezzanine funding for Startups: Empréstimo convertível em capital em capital social (suprimentos), após 12 meses, aplicando uma taxa de desconto que permita evitar a diluição dos promotores. Tickets médios de investimento entre 50 mil euros e 100 mil euros por startup.
- Lançamento de instrumento Covid-19 Portugal Ventures: Lançamento de Aviso (Call) da Portugal Ventures para investimentos em startups, com tickets a partir de 50 mil euros. Iniciativa financiada através da Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), Portugal Ventures e Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
O governo adianta ainda que, “neste contexto de pandemia, as startups podem ainda recorrer a dois apoios já em vigor e que foram adaptados para dar respostas mais efetivas”, que são:
- Fundo 200M: Coinvestimento com investidores privados em startups e scaleups portuguesas, com um mínimo público de 500 mil euros e máximo de 5 milhões de euros.
- Fundo coinvestimento para a inovação social: Coinvestimento com investidores privados em empresas com projetos inovadores e de impacto social com um mínimo público de 50 mil euros e máximo de 2,5 milhões de euros.
Para a Startup Braga, que durante os seus seis anos de atividade apoiou 146 startups nas áreas da nanotecnologia, tecnologias para a saúde e economia digital, as medidas que foram anunciadas pelo Governo devem ser valorizadas, ainda que seja “urgente clarificar toda a sua implementação, sejam elas disponibilizadas pelo IAPMEI, pela Portugal Ventures, pela Startup Portugal”, diz o diretor, Luís Rodrigues.
Esta é uma preocupação que a Startup Lisboa, o braço de empreendedorismo da Câmara Municipal de Lisboa, assume: “Há um sentimento generalizado de que as medidas de apoio anunciadas pelo Governo, especificamente dirigidas às startups foram tímidas e, essencialmente, estão a demorar muito na sua operacionalização”.
Noutro lado positivo sobre estas medidas, Ricardo Marvão, cofundador da consultora portuguesa Beta-i, dizia ao Observador em abril: “Acho que faz todo o sentido aquilo que o Governo apresentou como soluções”. Contudo, e referindo a resposta da Doctorino a esta questão, “têm surgido apoios e planos por parte do Estado muito focados em startups, porém, ainda não existe data concreta de início de candidaturas e quais os moldes das mesmas”. Ou seja, os apoios parecem ser bons, mas falta clarificação sobre estes programas.
Fonte oficial do movimento Tech4Covid, que juntou centenas de startups e empresas na luta contra os impactos da pandemia logo em março, diz que o “apoio dos investidores e entidades governamentais serão os elementos chave para manter o ecossistema vibrante”. Contudo, a meio de maio, o movimento dizia que “algumas das medidas não estão ainda disponíveis”.
Além disso, o mesmo responsável referiu a vontade que existe em muitas startups de não querer avançar com despedimentos. “Entre as medidas anunciadas dia 21 de abril, a StartupRH Covid 19 é a medida que parece ser a mais popular entre as startups, o que demonstra o interesse e a necessidade de reterem o talento das suas equipas”, destaca a mesma fonte oficial.
De forma a mitigar o impacto da pandemia, este movimento foi também responsável por um conjunto de propostas que fez chegar ao Governo logo no início de abril. Além disso, o Tech4Covid afirma estar “também a trabalhar num documento que agregue informação de todas as medidas disponíveis para apoiar as startups, para que tenham acesso a todo o conteúdo de forma fácil e mais imediata”. Este documento ainda não está disponível.
Quanto aos casos já referidos, que optaram por despedimentos, vemos a resposta da Unbabel. A empresa define-se como uma scaleup (startup em crescimento, mas já com um produto estável e sustentável). E, por causa disso, refere: “As medidas de apoio oferecidas pelo Estado devem ajustar-se às diferentes fases de desenvolvimento das startups, seja através de uma variedade de opções de financiamento ou de outros recursos não financeiros para ajudar startups no desenvolvimento do seu negócio”. Ou seja, a empresa considera que a iniciativa governamental devia ser mais alargada.
A Uniplaces é direta na crítica que faz: “As startups precisam do dinheiro agora e estamos à espera há dois meses. Temos a sorte de ter investidores ingleses a apoiar o nosso negócio, porque nada veio de Portugal até agora. Decidimos apostar neste país e ter a maioria dos nossos funcionários aqui, em Lisboa. Mas temos que encarar a verdade e admitir que é um pouco frustrante ver que não recebemos ajuda aqui até ao momento. Temos que ser otimistas e esperar que isso mude nos próximos dias”.
A startup vai ainda mais longe e acusa o Governo: apontando o dedo às dificuldades no acesso aos apoios: “Em vez de pagar a segurança social e esperar pelo reembolso [no caso de layoff], porque não atrasamos o pagamento no momento? Isso evitaria termos de recorrer ao nosso caixa. Sobre os empréstimos, o processo era pedir diretamente aos bancos. Portanto, quando um banco analisa as suas solicitações e responde positivamente, é uma pena esperar que um departamento do governo precise dar uma aprovação adicional. Apenas atrasa drasticamente o processo”.
Entre outras startups, há também mais elogios com críticas. A Doctorino, por exemplo, afirma: “Têm surgido apoios e planos por parte do Estado muito focados em startups, porém ainda não existe data concreto para o início de candidaturas e quais os moldes das mesmas”.
Diogo Alves de Oliveira, diretor da Landing.Jobs, assume que a startup recorreu a um apoio que permite adiar algumas despesas. Contudo, refere que esta ajuda também tem o outro lado da moeda. “Ajuda-nos na questão da tesouraria, mas criará apenas e só mais pressão para daqui a quatro ou cinco meses termos de pagar aquilo que não pagamos à data de hoje. É apenas um adiamento”. O responsável diz ainda haver alguma “incoerência” nas medidas apresentadas porque foram “feitas de um dia para outro e não são previstos todos os casos que ali orbitam”.
Diogo Alves de Oliveira deixa outras críticas: “Acho que a maior parte das decisões ou políticas têm sido para inglês ver, que poucas delas vão ter o impacto que se deseja, acredito que as próprias políticas de layoff são muito boas para quem tenha processos mais orientados ao processo fabril, em que a coisa tenha que estar mesmo parada porque não existe produção nem as pessoas poderiam sequer estar na fábrica a produzir e esses fazem sentido. Mas para empresas que estão preparadas para trabalhar remotamente penso que não se criaram mecanismos suficientemente enriquecedores ou vantajosos.”.
Sobre esta questão, Maria Oliveira, que gere a UPTEC, refere que o problema pode estar na forma de operacionalização das próprias medidas: “É nesse sentido que acho que era importante ser-se o mais célere possível. Lógico que há aqui muita burocracia associada”.
As startups perdem, mas também se readaptam
Apesar de o impacto da pandemia ser quase inegável em grande parte do ecossistema de empreendedorismo, há também projetos que se têm conseguido readaptar à situação e até há quem tenha visto o seu negócio crescer. Mais uma vez, tudo depende da área. “Há outras startups que trabalhavam áreas que estão, claramente, em crescimento. Verticais como e-commerce, healthtech e tudo o que impacte trabalho remoto estão em claro crescimento, e equilibram os balanços tendencialmente negativos que podem ser feitos”, explica a Startup Portugal.
As startups de saúde, por exemplo, viram o negócio aumentar e encontraram uma forma de readaptar o seu modelo de negócio. É o caso da Doctorino, uma plataforma que liga profissionais de saúde a pacientes e ajuda-os a marcar consultas online de forma gratuita. Apesar de esta startup admitir que o encerramento de clínicas e o cancelamento das agendas dos profissionais de saúde levou a “uma quebra inesperada nas marcações” através da plataforma, houve uma readaptação.
A situação, no entanto, levou a empresa a “rapidamente encontrar uma solução que apoiasse tanto os profissionais como os seus pacientes” através de um serviço de vídeoconsulta que só em março alcançou as 300 marcações. “Esta funcionalidade já estava no nosso roadmap de desenvolvimento, mas com a pandemia fomos forçados a um sprint (a acelerar)“, refere fonte da startup.
“Apesar de ser um cenário devastador com uma crise de saúde mundial, a Doctorino encontrou nesta pandemia um propósito ainda mais real, que foi o de apoiar e ajudar os profissionais de saúde que ficaram inibidos de exercer as suas funções presencialmente, e, por outro lado, toda a população que, em isolamento, continuava a necessitar de um acompanhamento próximo por parte destes profissionais”, acrescenta a Doctorino. Também a Talkdesk, perante o cenário, sublinha a importância de as startups se reinventarem.
“Acreditamos que estamos a viver um momento diferente e, por isso, alguns empreendedores e startups precisam de se reinventar. Crescer em terreno instável deve fazer parte do DNA das startups. Problemas novos exigem soluções inovadoras. Tempos desafiadores apresentam também novas oportunidades e agora pode ser o momento em que novas empresas emergem para liderar a inovação”, refere a empresa. A UPTEC explica que há várias empresas “que se tentaram readaptar a tudo isto que tem acontecido” e que muitas “não estão a fazê-lo com intuito económico, mas apenas com intuito de apoio”.
Já a Armilar Venture Partners refere: “A maneira como as várias empresas se juntaram para encontrar soluções para converter a pandemia e se adaptar à pandemia foi uma coisa extraordinária. Temos um conjunto de empresas que acabaram por conseguir utilizar os seus produtos e serviços no combate à pandemia e algumas das pessoas, apesar de não ser o seu core business, acabaram por dar o seu próprio tempo para resolver o problema da pandemia”, sublinha José Guerreiro de Sousa.
Apesar de haver perdas, alguns despedimentos e muita incerteza, o mundo do empreendedorismo em Portugal partilha também a esperança de uma retoma a uma nova normalidade já este mês. Pelo meio, há novos hábitos que foram adquiridos e novas prioridades. Luís Rodrigues, da Startup Braga, refere: “Neste momento, é necessária uma injeção de confiança e de capital que permita recuperar e superar esta crise que afetou todos e que, naturalmente, em startups ou empresas jovens pode ter um impacto ainda maior”.