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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Deviam deixar de perseguir quem faz o seu trabalho." Pescadores admitem que "Bina" podia estar a fugir da polícia

Comunidade juntou-se para assistir às operações na Margem Sul do Tejo. Silêncio dos testemunhos foi substituído pela força a puxar barco acidentado. "Podia ter sido o meu filho", conta uma mãe.

O silêncio dos familiares e amigos das vítimas, reunidos na margem do Tejo em Cacilhas a acompanhar as operações de busca e salvamento, contrasta com os gritos de ordem para puxar o barco do rio. Ao final da noite, já as operações de busca tinham sido suspensas, muitos pescadores e gente da comunidade de Cacilhas continuava junto às margens, à espera. Dizem os homens que já arriscaram a vida nestas andanças que os quatro pescadores a bordo do “Bina” estariam a fugir à polícia quando a pequena embarcação embateu contra um catamarã que seguia do Barreiro em direção a Lisboa.

Seis horas depois do acidente, e quando o helicóptero da Força Aérea acionado para as buscas abandonava o local, dois pescadores continuavam desaparecidos. Os outros dois tinham sido transferidos o Hospital Garcia de Orta, em Almada, um deles em estado considerado grave.

São os pescadores de zonas vizinhas, de Almada e Trafaria, que ajudam a trazer o “Bina” para terra. O ambiente é tenso por ali e não há grande abertura para responder a perguntas. “A polícia devia deixar de perseguir quem trabalha”, atira um dos pescadores que se reuniram junto à zona onde foram concentradas as operações de recolha do barco e de resgate dos desaparecidos. Tal como outros que por ali estão há horas, pede para não ser identificado. E sai em defesa dos homens envolvidos no choque com o catamarã. “As pessoas estão a fugir [às ações de fiscalização da Polícia Marítima] e, infelizmente, há acidentes”, desabafa o pescador, acabando por reconhecer que “as autoridades estão apenas a fazer o seu trabalho”.

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Ainda assim, defende, a solução deveria ser outra. O material encontrado pela Polícia Marítima sustenta a tese de que “Bina” era usado para a pesca ilegal de ameijoa.

“É o destino de muitos. Podia ter sido o meu filho” 

É por respeito à família das vítimas, dizem, que a maioria opta por não se alongar em resposta. “Os familiares não querem que se fale muito”, conta uma moradora da Trafaria, que também pede para não ser apresentada pelo nome. “Já estive nesta vida. Muito ingrata”, relata um pescador que mantém o olhar preso às águas do Tejo, já sem esperança nas notícias que as próximas horas possam trazer.

A “vida” de que fala é a pesca ilegal da amêijoa, uma atividade a que se dedicam muitos pescadores da zona de Almada e Trafaria. “É o pior acidente de que me recordo”, acrescenta, numa opinião partilhada pela grande maioria das pessoas que ainda vai contando a sua experiência.

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Sobre o que aconteceu no rio, ninguém pode dar garantias. Um comunicado da Transtejo divulgado já perto das 22h referia que por volta das 16h55 foi dado um alerta, depois de o catamarã ter sido “alvo de abalroamento por uma embarcação de pesca”. Segundo a empresa, o comandante do navio ainda terá tentado evitar o embate, com “vários alertas sonoros” que terão sido “ignorados” pelos quatro pescadores a bordo do “Bina”. O comandante foi submetido a um teste de despiste de álcool “cujo resultado foi de 0,0g/l de álcool no sangue”, acrescenta a empresa, anunciando que já abriu um inquérito interno sobre o acidente.

As primeiras imagens do acidente, recolhidas por passageiros do catamarã e divulgadas nas redes sociais ainda durante a tarde, mostram um dos pescadores sentado sobre a embarcação virada e já com metade do casco debaixo de água. Noutro dos momentos captados em vídeos amadores, uma embarcação civil faz movimentos de aproximação ao “Bina” — e terá colaborado no resgate dos dois pescadores feridos, transportando-os para a margem sul do Tejo.

Ao Observador, os testemunhos de quem ali chegou passados alguns minutos do acidente vão divergindo nas idades das vítimas: uns dizem que estariam no barco “alguns jovens”, outros falam em “pessoas de todas as idades”. Há, porém, uma certeza entre todos: aquele “é o ganha-pão de muita gente, não há volta a dar”, acaba por resumir a mãe de um pescador.

“Sou familiar de um dos desaparecidos. Não sou de cá, mas vim apoiar o meu avô”, conta outra mulher, que fala num ofício que vai passando de geração em geração. “Vêm para a pesca porque precisam de dinheiro. Começa como uma necessidade, às vezes torna-se um prazer”, diz.

Quem fica em terra vive com o receio de receber más notícias. “Tenho medo. Vivo com o coração nas mãos desde que partem até que chegam a casa”, conta uma mãe e mulher de dois pescadores. “Não teve notas para seguir os estudos e veio para aqui. É o destino de muitos”, desabafa, sobre o único filho, antes de acrescentar: “Podia ter sido o meu, que hoje ele também saiu para a pesca.”

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Negócio de milhões nas águas do Tejo 

Entre as vozes que protestam contra a polícia, várias defendem a legalização da apanha ilegal da amêijoa, rendimento de muitos homens que, diariamente, arriscam a vida para trazer dinheiro para casa. Contam-nos que é uma vida de poucas certezas— tanto podem ir para o mar de manhã, como de noite, quando a falta de visibilidade torna a atividade ainda mais perigosa.

“Às vezes é por encomenda, só podem voltar quando conseguirem a quantia certa de amêijoa”, conta outro familiar de um dos desaparecidos.

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A atividade, que chegou a ser comparada, em volume de receitas, com o tráfico de drogas, acontece sobretudo no estuário do Tejo e atrai muitas máfias de tráfico humano.

Em dezembro de 2023, cerca de 500 pessoas foram identificadas numa operação de prevenção criminal na praia do Samouco, em Alcochete, numa ação que pretendia identificar pessoas ligadas à apanha ilegal da amêijoa.

As notícias de desfechos fatais não são de agora. Nas últimas duas décadas, vários pescadores de amêijoa morreram nas águas do Tejo e a atividade, escrevia o Jornal de Negócios há exatamente um ano, traduzia-se em sete toneladas do produto a ser apanhado e exportado para países Espanha, Itália, França, Países Baixos e Polónia. O jornal citava uma fonte judicial que falava em “redes organizadas” que todos os anos “movimentam milhões de euros com a sua captura e comercialização ilegal”.

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