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Do check-in às conversas no avião. Nos bastidores da viagem do Papa Francisco até Lisboa

O voo de Francisco entre Roma e Lisboa durou três horas — e o Observador, dentro do avião, conta a experiência. Já em Lisboa o Papa usou o dia de compromissos oficiais para deixar uma mensagem global.

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A bordo do avião papal entre Roma e Lisboa

Foi uma das primeiras indicações que o Vaticano deu aos jornalistas que se preparavam para acompanhar o Papa Francisco no voo que o transportou, esta quarta-feira, de Roma para a Lisboa: no momento de pedir um táxi para o aeroporto de Fiumicino, o principal da capital italiana, é preciso explicar pormenorizadamente que o destino é o Terminal 5. E é possível que a reação seja: “Não existe nenhum Terminal 5.”

O aeroporto de Fiumicino tem dois terminais principais, T1 e T3, mas entre os taxistas romanos é raro encontrar quem conheça o T5 — um terminal especial do aeroporto, usado quase exclusivamente para voos de alto nível do Estado italiano e do Vaticano. É, na prática, um enorme hangar vazio, sem lojas e sem cafés, onde existe meia dúzia de balcões de check-in e uma porta de embarque. Na manhã desta quarta-feira, havia notícia de um único voo ali: o AZ4000, da companhia aérea italiana ITA Airways, especialmente agendado para levar o Papa Francisco até Lisboa, para participar na Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Poderia parecer de outra maneira, mas a verdade é que o procedimento para entrar num voo com o Papa é, com as devidas adaptações, em tudo semelhante a um voo normal. Às 5h15, os funcionários da ITA Airways começaram a processar o check-in dos jornalistas que iam chegando ao terminal, com a diferença fundamental de haver um único balcão de check-in em todo o terminal e de todos os passageiros presentes no terminal se destinarem ao mesmo voo. As malas, devidamente identificadas com etiquetas emitidas pela Santa Sé, são enviadas diretamente para o porão do avião — e, à falta de lojas e cafés no terminal, há um pequeno bufete à disposição dos passageiros na zona de espera junto à porta de embarque, com café, chá, croissants, bolos e sandes. No total, são 78 os jornalistas a bordo do avião do Papa, incluindo 11 portugueses. O Observador é um dos meios de comunicação portugueses a bordo do avião papal.

A partir das 6h20, começa o processo de embarque dos jornalistas, em tudo semelhante a um voo convencional: depois de apresentados o cartão de embarque e o passaporte, o grupo de jornalistas é colocado num autocarro de aeroporto que percorre a pista até se deter em frente ao avião azul. Os jornalistas são os primeiros a embarcar e ocupam toda a parte traseira da cabina. Pelo outro lado entrará o séquito papal, que ocupa a parte dianteira do avião: os elementos da equipa de segurança pessoal do Papa (da Gendarmaria do Vaticano e da Guarda Suíça) e os clérigos que acompanham o Papa. Além do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin — o chefe da diplomacia vaticana —, seguem também no avião o cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, que tutela a JMJ, e o cardeal José Tolentino Mendonça, o português que de forma mais próxima trabalha com o Papa e que terá ajudado Francisco a preparar as mensagens que trouxe a Portugal.

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Na primeira fila, do lado esquerdo do avião, junto ao corredor, senta-se o Papa Francisco — o último a entrar no aparelho, quando tudo já está preparado para a descolagem. Com grandes dificuldades de locomoção, que se têm tornado visíveis nas aparições públicas dos últimos meses, o Papa Francisco foi transportado de carro desde o Vaticano até ao aeroporto de Fiumicino — um percurso de cerca de meia-hora — pouco depois das 6h00.

Os jornalistas à entrada do voo papal em Roma

Durante cerca de uma hora, os jornalistas aguardam dentro do avião. Os repórteres de rádio e de televisão gravam ou entram em direto nos respetivos canais para dar conta de que tudo acontece como previsto e que o avião vai partir a horas — e para contar os detalhes da viagem. Poucos minutos depois das 7h50, hora marcada para a partida, o avião acelera pela pista de Fiumicino e levanta voo. A partir das últimas filas do avião, onde o Observador está sentado, o único vislumbre do Papa Francisco é o solidéu branco na primeira fila — que desaparece quando o avião atinge a altitude de cruzeiro e as cortinas que dividem o avião em três compartimentos são fechadas.

Pequeno-almoço em fartura para um Papa “rejuvenescido”

Poucos minutos depois da partida do avião, começa a distribuição do pequeno-almoço. É o momento em que as diferenças entre esta viagem e um voo convencional começam a tornar-se mais evidentes: presunto, crepes, ovos mexidos, queijos, batatas assadas, fruta fresca, iogurte, sumo natural, pão, manteiga e croissants — tudo servido em loiça, com talheres de metal e guardanapos de pano, evocando as viagens de avião de outros tempos.

Entre os jornalistas crescia a expectativa sobre quais as possibilidades de interagir diretamente com o Papa Francisco. Nas viagens papais, a tradição é a de que o voo de ida tenha uma tónica informal, permitindo a cada um dos presentes a bordo uma curta interação pessoal com o Papa, enquanto o voo de regresso adquire um pendor mais formal, com uma conferência de imprensa em que o chefe da Igreja Católica responde às questões dos jornalistas e faz um balanço da viagem.

Nas viagens dos primeiros anos do seu pontificado, o Papa Francisco fazia questão de percorrer todo o corredor do avião para cumprimentar um a um os vários elementos do séquito e do grupo de jornalistas. Mais recentemente, porém, as dificuldades de locomoção e as fragilidades de saúde obrigaram o Papa Francisco a passar mais tempo sentado: além de se deslocar com grande frequência em cadeira de rodas, também em algumas viagens de avião o Papa Francisco teve de permanecer sentado, esperando que os jornalistas e elementos do séquito fizessem fila para o cumprimentar.

Só este ano, o Papa Francisco já teve de passar duas temporadas internado no hospital: em março, devido a uma infeção respiratória; e em junho, para ser operado a uma hérnia — o que chegou até a levantar dúvidas sobre se Francisco estaria ou não em condições de viajar até Portugal.

Ao fim de cerca de uma hora de voo, desfizeram-se as dúvidas quando os elementos da equipa de comunicação da Santa Sé ativaram o sistema de som do avião e a equipa de segurança do Papa abriu as cortinas. No centro do corredor do avião, coxeando devagar e apoiando-se numa bengala, emergiu a figura de branco, que pegou no microfone para dizer uma única frase: “Muito obrigado pela vossa companhia e pelo vosso trabalho. Vou cumprimentar-vos um a um.” De seguida, rodeado de assessores e seguranças, sempre coxeando pesadamente agarrado à bengala, Francisco conversou longamente com cada um dos jornalistas presentes no avião.

Durante todo o percurso, o Papa manteve-se sempre sorridente, sem poupar nas piadas, e recebeu ofertas, assinou livros e benzeu fotografias e objetos religiosos.

Durante todo o percurso, o Papa manteve-se sempre sorridente, sem poupar nas piadas, e recebeu ofertas, assinou livros e benzeu fotografias e objetos religiosos. Numa breve interação com o Observador, o Papa Francisco acedeu ao pedido para autografar a edição portuguesa da encíclica Fratelli Tutti — o grande documento programático que o pontífice publicou em outubro de 2020, dedicado ao tema da fraternidade universal e da amizade social, e que é um dos pilares da proposta teológica da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa. No final, ao devolver o livro, pediu 100 liras, a antiga moeda italiana, pelo autógrafo, rindo alto. Pelo caminho, teve ainda tempo de comentar, com jornalistas italianos, que esperava regressar a Roma “rejuvenescido” depois da JMJ — uma mensagem especialmente simbólica tendo em conta que nos últimos meses a possibilidade de renúncia do Papa Francisco já foi várias vezes vaticinada.

Depois de percorrer a totalidade do corredor e de conversar individualmente com cada um dos presentes, Francisco regressou, visivelmente cansado e coxeando ainda mais, até ao seu lugar na dianteira do avião — onde permaneceu até à aterragem.

Pouco antes das 10h, hora prevista para a chegada do Papa a Portugal, o avião da ITA Airways pisou a pista do aeroporto de Lisboa e dirigiu-se para a zona militar do aeroporto — a base de Figo Maduro —, onde o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já aguardava Francisco. Apesar das mostras de maior capacidade física evidenciadas durante o voo, as escadas continuavam a ser um problema para o joelho do Papa, o que obrigou Francisco a descer do avião através de um elevador, numa cadeira de rodas. O Papa foi recebido também pela ministra Ana Catarina Mendes, que tem acompanhado a pasta da JMJ, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e por outras figuras do Estado português, bem como por uma delegação de bispos que incluía o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, o presidente da Fundação JMJ, Américo Aguiar, e o presidente da Conferência Episcopal, José Ornelas — e seguiu para uma breve cerimónia privada de acolhimento à porta fechada.

Como acontece tradicionalmente, o Papa Francisco recebeu um ramo de flores das mãos de duas crianças — Margarida e José, de sete anos, os dois filhos de militares — antes de seguir para a receção oficial no Palácio de Belém.

Comitiva saudada por milhares de peregrinos nas ruas de Lisboa (e jornalistas escoltados pela polícia)

Em poucos minutos, a receção na base aérea de Figo Maduro ficou terminada e o Papa Francisco seguiu para a residência oficial do Presidente da República. Como tem sido hábito, o carro do Papa destoou na enorme caravana automóvel que o transportou pelas artérias da cidade de Lisboa: Francisco deslocou-se num Toyota branco que contrastou com os carros de alta cilindrada pretos e as carrinhas de vidros escurecidos que transportaram a comitiva e o séquito papal.

A multidão, concentrada especialmente no último troço, na aproximação ao Palácio de Belém, levou o Papa a demorar mais do que o previsto a chegar.

Os primeiros a seguir viagem do aeroporto até Belém foram Marcelo Rebelo de Sousa, os membros do Governo e os bispos e cardeais, que seguiram a todo o gás numa comitiva de automóveis pela 2.ª Circular. Na mesma comitiva, a partir das carrinhas destinadas aos elementos da comunicação social acreditados junto do Vaticano, o Observador pôde testemunhar o cenário com que o Papa se deparou poucos minutos depois: largas centenas de pessoas nas bermas das estradas por todo o percurso, gritando palavras de apoio ao Papa, acenando aos veículos oficiais, empunhando cartazes e bandeiras. “Esta é a juventude do Papa”, ouvia-se por todo o caminho entre o aeroporto e Belém — com o espanhol dos latino-americanos a ser a língua mais ouvida.

A multidão, concentrada especialmente no último troço, na aproximação ao Palácio de Belém, levou o Papa a demorar mais do que o previsto a chegar. Embora não tenha viajado no papamóvel — este veículo, cuja utilização é particularmente mais cansativa para o Papa, está reservado para as grandes celebrações com multidões —, Francisco não ficou indiferente às muitas pessoas que o esperavam e acenou aos peregrinos, o que levou a caravana, escoltada por dezenas de motas da polícia, a andar mais lentamente do que o previsto.

A partir da chegada a Belém, o Papa cumpriu uma rigorosa agenda oficial, que o Observador pôde testemunhar em vários dos pontos da zona ocidental da cidade por onde Francisco passou — já que os jornalistas que acompanham a comitiva papal são transportados para todos os lugares da agenda do Papa em carrinhas dedicadas, escoltadas pela polícia e em marcha de urgência. Aliás, o alarido é tal em torno das viaturas da imprensa — que circulam em caravanas encabeçadas por motas da polícia a alta velocidade, obrigando o trânsito a parar, ao som de insistentes sirenes, passando semáforos vermelhos e até andando em contramão — que muitos peregrinos e participantes da JMJ, pelas ruas da cidade de Lisboa, têm acenado, fotografado e aplaudido a caravana, aparentemente por pensarem que se trata da aproximação do próprio Papa.

No Palácio de Belém, depois de uma saudação oficial com honras militares na zona exterior do palácio, o Papa Francisco teve um encontro privado com Marcelo Rebelo de Sousa e deixou uma mensagem no livro de honra do palácio: “Peregrino da esperança em Portugal, rezo e faço votos para que este país de coração jovem continue a fazer-se ao largo rumo a horizontes de fraternidade; Lisboa, cidade do encontro, inspire modos de enfrentar em conjunto as grandes questões da Europa e do mundo.”

Dia dedicado a compromissos oficiais — mas com mensagem global

O Vaticano não escondeu, em nenhum momento, que a prioridade do Papa Francisco nesta passagem por Portugal era uma: os jovens. Ainda assim, o Papa, chefe de Estado da Santa Sé e líder eclesiástico, teve de reservar algum tempo para estas funções em Portugal. A solução encontrada foi a de usar a totalidade do primeiro dia para, com uma agenda intensa só possível de cumprir graças à permanente escolta policial da caravana automóvel do Papa, os encontros com as autoridades civis e com o clero do país.

Pegando na deixa de Marcelo, o Papa Francisco disse estar “feliz por estar em Lisboa”, que caracterizou como uma “cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal” — destacou até o exemplo da Mouraria.

Foi no Centro Cultural de Belém, partilhando o palco com Marcelo Rebelo de Sousa, que o Papa Francisco fez o seu primeiro discurso de fundo em solo português. O Papa dirigia-se, na descrição do Vaticano, às “autoridades, sociedade civil e corpo diplomático” — perante uma sala repleta de figuras da cultura, diplomatas e representantes das autoridades nacionais — e, no discurso que fez, marcou logo o tom do que seria a sua passagem pelo país, com referências a figuras como Camões, Amália, Daniel Faria, Fernando Pessoa ou Saramago.

Marcelo Rebelo de Sousa tinha sido o primeiro a falar, para elogiar o Papa Francisco pela sua busca das periferias e pela “luta contra fomes, misérias, opressões, abusos, xenofobias, intolerâncias, exclusões dos deserdados destes tempos”. Pegando na deixa de Marcelo, o Papa Francisco disse estar “feliz por estar em Lisboa”, que caracterizou como uma “cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal” — destacou até o exemplo da Mouraria, “onde convivem pessoas provenientes de mais de sessenta países”.

A partir da localização geográfica de Lisboa, no confronto entre o oceano e o continente, o Papa sublinhou que é mais fundamental do que nunca “conceber as fronteiras, não como limites que separam, mas como zonas de contacto”. Sempre apelando à alteridade e à necessidade de ir em busca do outro, do diferente, o Papa Francisco destacou o papel de Lisboa — com o tratado de Lisboa assinado em 2007 — numa “mudança de ritmo” para o continente europeu. Os desígnios fundamentais da comunidade europeia, “esculpidos na memória desta cidade”, devem contribuir para a criação de um “multilateralismo mais amplo do que o mero contexto ocidental”. Ou seja: o mundo não se esgota na Europa. Perante autoridades políticas e diplomáticas, o Papa Francisco traduziu para o contexto político a sua mensagem central — procurar as periferias.

O momento que se vive hoje na Europa e no mundo é “tempestuoso”, assumiu o Papa Francisco. A partir de Lisboa, o líder a Igreja Católica deixou uma mensagem de abrangência global: “Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza, apetece perguntar-lhe: Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo? E ainda, alargando o campo: Que rota segues, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o estado social. Fica-se preocupado ao ler que, em muitos lugares, se investem continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos.”

Papa Francisco nas entrelinhas. Os avisos à Europa, as críticas à eutánasia e ao aborto e uma citação de Saramago

De cadeira de rodas, o Papa Francisco foi transportado por uma entrada lateral do palco do auditório do CCB e levado, de carro, para a nunciatura apostólica, a embaixada da Santa Sé em Portugal, onde está a residir por estes dias. À chegada à nunciatura, quebrou o protocolo e, mesmo na cadeira de rodas, cumprimentou muitas das pessoas que o esperavam à porta do edifício. Depois, ficou num período de descanso privado até por volta das 16h30, altura em que recebeu justamente naquele local o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e o primeiro-ministro, António Costa. Os encontros duraram apenas 15 minutos — e, no final, Francisco e Costa trocaram presentes. O Papa entregou ao primeiro-ministro um tríptico de medalhas papais referente ao décimo ano de pontificado e um conjunto de livros religiosos, enquanto Costa ofereceu ao Papa uma escultura de São Francisco de Assis, a “Obra completa do padre Manuel Antunes” e ainda o livro “Santuários Marianos – Portugal”.

Atenção às vítimas de abuso

Depois de se ter dirigido ao país, ao fim do dia o Papa Francisco voltou-se para dentro e dirigiu-se à Igreja em Portugal: voltou a Belém, para rezar vésperas com os membros do clero português: os bispos, os padres, os diáconos, as religiosas e os religiosos. Na abertura, foi José Ornelas, o presidente da Conferência Episcopal, quem saudou o Papa e garantiu a adesão dos católicos portugueses ao magistério que o Papa tem desenvolvido na Igreja e “projetado para toda a sociedade” — e sublinhou a necessidade de uma “atenção particular” à “defesa do bem das crianças” e ao “compromisso de defendê-las de toda a espécie de abusos”.

“Às vezes podemos sentir um cansaço semelhante no nosso caminho eclesial. Cansaço. Alguém dizia: ‘Temo o cansaço dos bons.’ Um cansaço quando nos parece que nada mais temos nas mãos além das redes vazias. Trata-se dum sentimento bastante difundido nos países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo, pela indiferença para com Deus, por um progressivo afastamento da prática da fé”.
Papa Francisco

Dirigindo-se ao clero português, o Papa Francisco usou as referências bíblicas relativas à vocação dos primeiros discípulos, chamados enquanto pescavam, para ilustrar a tentação em que a Igreja cai frequentemente nos dias de hoje: desistir quando não consegue fazer passar a mensagem. E, nesta mensagem, o Papa não esqueceu a crise dos abusos sexuais de menores no contexto da Igreja — especialmente quente em Portugal desde a publicação do relatório final da comissão independente em fevereiro deste ano.

Abusos, os símbolos de Portugal, o desafio para a ação e a busca da fé. Discurso do Papa Francisco nos Jerónimos nas entrelinhas

“Às vezes podemos sentir um cansaço semelhante no nosso caminho eclesial. Cansaço. Alguém dizia: ‘Temo o cansaço dos bons.’ Um cansaço quando nos parece que nada mais temos nas mãos além das redes vazias. Trata-se de um sentimento bastante difundido nos países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo, pela indiferença para com Deus, por um progressivo afastamento da prática da fé”, disse o Papa. “Aliás isto vê-se, com frequência, acentuado pela desilusão e a raiva que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto e que nos chamam a uma humilde e constante purificação, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar.”

Do Mosteiro dos Jerónimos, o Papa Francisco regressou à nunciatura para um período privado — e só mais tarde o Vaticano anunciaria que, naquele período, o Papa se encontrara com 13 vítimas de abusos sexuais de menores por elementos da Igreja em Portugal. O encontro, de mais de uma hora, decorreu “num clima de intensa escuta”, disse o Vaticano. Ao Observador, a psicóloga Rute Agulhas, coordenadora do Grupo VITA — o organismo da CEP para apoio e acompanhamento de vítimas de abusos — explicou que as 13 pessoas foram identificadas pelo grupo e pelas comissões diocesanas, de modo a que o encontro pudesse ser “reparador”.

“Da parte do Santo Padre, sentimos total disponibilidade para escutar, para ouvir, e o perdão, em seu nome e da Igreja”, disse ainda. “Cada pessoa falou o que entendeu. Da parte do Papa houve total disponibilidade para escutar até ao fim. Senti uma total disponibilidade de verdadeira escuta, e algumas palavras de reconhecimento dessa dor, de encorajamento.”

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