894kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Do check-in às conversas no avião. Nos bastidores da viagem do Papa Francisco até Lisboa

O voo de Francisco entre Roma e Lisboa durou três horas — e o Observador, dentro do avião, conta a experiência. Já em Lisboa o Papa usou o dia de compromissos oficiais para deixar uma mensagem global.

    Índice

    Índice

A bordo do avião papal entre Roma e Lisboa

Foi uma das primeiras indicações que o Vaticano deu aos jornalistas que se preparavam para acompanhar o Papa Francisco no voo que o transportou, esta quarta-feira, de Roma para a Lisboa: no momento de pedir um táxi para o aeroporto de Fiumicino, o principal da capital italiana, é preciso explicar pormenorizadamente que o destino é o Terminal 5. E é possível que a reação seja: “Não existe nenhum Terminal 5.”

O aeroporto de Fiumicino tem dois terminais principais, T1 e T3, mas entre os taxistas romanos é raro encontrar quem conheça o T5 — um terminal especial do aeroporto, usado quase exclusivamente para voos de alto nível do Estado italiano e do Vaticano. É, na prática, um enorme hangar vazio, sem lojas e sem cafés, onde existe meia dúzia de balcões de check-in e uma porta de embarque. Na manhã desta quarta-feira, havia notícia de um único voo ali: o AZ4000, da companhia aérea italiana ITA Airways, especialmente agendado para levar o Papa Francisco até Lisboa, para participar na Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Poderia parecer de outra maneira, mas a verdade é que o procedimento para entrar num voo com o Papa é, com as devidas adaptações, em tudo semelhante a um voo normal. Às 5h15, os funcionários da ITA Airways começaram a processar o check-in dos jornalistas que iam chegando ao terminal, com a diferença fundamental de haver um único balcão de check-in em todo o terminal e de todos os passageiros presentes no terminal se destinarem ao mesmo voo. As malas, devidamente identificadas com etiquetas emitidas pela Santa Sé, são enviadas diretamente para o porão do avião — e, à falta de lojas e cafés no terminal, há um pequeno bufete à disposição dos passageiros na zona de espera junto à porta de embarque, com café, chá, croissants, bolos e sandes. No total, são 78 os jornalistas a bordo do avião do Papa, incluindo 11 portugueses. O Observador é um dos meios de comunicação portugueses a bordo do avião papal.

A partir das 6h20, começa o processo de embarque dos jornalistas, em tudo semelhante a um voo convencional: depois de apresentados o cartão de embarque e o passaporte, o grupo de jornalistas é colocado num autocarro de aeroporto que percorre a pista até se deter em frente ao avião azul. Os jornalistas são os primeiros a embarcar e ocupam toda a parte traseira da cabina. Pelo outro lado entrará o séquito papal, que ocupa a parte dianteira do avião: os elementos da equipa de segurança pessoal do Papa (da Gendarmaria do Vaticano e da Guarda Suíça) e os clérigos que acompanham o Papa. Além do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin — o chefe da diplomacia vaticana —, seguem também no avião o cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, que tutela a JMJ, e o cardeal José Tolentino Mendonça, o português que de forma mais próxima trabalha com o Papa e que terá ajudado Francisco a preparar as mensagens que trouxe a Portugal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na primeira fila, do lado esquerdo do avião, junto ao corredor, senta-se o Papa Francisco — o último a entrar no aparelho, quando tudo já está preparado para a descolagem. Com grandes dificuldades de locomoção, que se têm tornado visíveis nas aparições públicas dos últimos meses, o Papa Francisco foi transportado de carro desde o Vaticano até ao aeroporto de Fiumicino — um percurso de cerca de meia-hora — pouco depois das 6h00.

Os jornalistas à entrada do voo papal em Roma

Durante cerca de uma hora, os jornalistas aguardam dentro do avião. Os repórteres de rádio e de televisão gravam ou entram em direto nos respetivos canais para dar conta de que tudo acontece como previsto e que o avião vai partir a horas — e para contar os detalhes da viagem. Poucos minutos depois das 7h50, hora marcada para a partida, o avião acelera pela pista de Fiumicino e levanta voo. A partir das últimas filas do avião, onde o Observador está sentado, o único vislumbre do Papa Francisco é o solidéu branco na primeira fila — que desaparece quando o avião atinge a altitude de cruzeiro e as cortinas que dividem o avião em três compartimentos são fechadas.

Pequeno-almoço em fartura para um Papa “rejuvenescido”

Poucos minutos depois da partida do avião, começa a distribuição do pequeno-almoço. É o momento em que as diferenças entre esta viagem e um voo convencional começam a tornar-se mais evidentes: presunto, crepes, ovos mexidos, queijos, batatas assadas, fruta fresca, iogurte, sumo natural, pão, manteiga e croissants — tudo servido em loiça, com talheres de metal e guardanapos de pano, evocando as viagens de avião de outros tempos.

Entre os jornalistas crescia a expectativa sobre quais as possibilidades de interagir diretamente com o Papa Francisco. Nas viagens papais, a tradição é a de que o voo de ida tenha uma tónica informal, permitindo a cada um dos presentes a bordo uma curta interação pessoal com o Papa, enquanto o voo de regresso adquire um pendor mais formal, com uma conferência de imprensa em que o chefe da Igreja Católica responde às questões dos jornalistas e faz um balanço da viagem.

Nas viagens dos primeiros anos do seu pontificado, o Papa Francisco fazia questão de percorrer todo o corredor do avião para cumprimentar um a um os vários elementos do séquito e do grupo de jornalistas. Mais recentemente, porém, as dificuldades de locomoção e as fragilidades de saúde obrigaram o Papa Francisco a passar mais tempo sentado: além de se deslocar com grande frequência em cadeira de rodas, também em algumas viagens de avião o Papa Francisco teve de permanecer sentado, esperando que os jornalistas e elementos do séquito fizessem fila para o cumprimentar.

Só este ano, o Papa Francisco já teve de passar duas temporadas internado no hospital: em março, devido a uma infeção respiratória; e em junho, para ser operado a uma hérnia — o que chegou até a levantar dúvidas sobre se Francisco estaria ou não em condições de viajar até Portugal.

Ao fim de cerca de uma hora de voo, desfizeram-se as dúvidas quando os elementos da equipa de comunicação da Santa Sé ativaram o sistema de som do avião e a equipa de segurança do Papa abriu as cortinas. No centro do corredor do avião, coxeando devagar e apoiando-se numa bengala, emergiu a figura de branco, que pegou no microfone para dizer uma única frase: “Muito obrigado pela vossa companhia e pelo vosso trabalho. Vou cumprimentar-vos um a um.” De seguida, rodeado de assessores e seguranças, sempre coxeando pesadamente agarrado à bengala, Francisco conversou longamente com cada um dos jornalistas presentes no avião.

Durante todo o percurso, o Papa manteve-se sempre sorridente, sem poupar nas piadas, e recebeu ofertas, assinou livros e benzeu fotografias e objetos religiosos.

Durante todo o percurso, o Papa manteve-se sempre sorridente, sem poupar nas piadas, e recebeu ofertas, assinou livros e benzeu fotografias e objetos religiosos. Numa breve interação com o Observador, o Papa Francisco acedeu ao pedido para autografar a edição portuguesa da encíclica Fratelli Tutti — o grande documento programático que o pontífice publicou em outubro de 2020, dedicado ao tema da fraternidade universal e da amizade social, e que é um dos pilares da proposta teológica da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa. No final, ao devolver o livro, pediu 100 liras, a antiga moeda italiana, pelo autógrafo, rindo alto. Pelo caminho, teve ainda tempo de comentar, com jornalistas italianos, que esperava regressar a Roma “rejuvenescido” depois da JMJ — uma mensagem especialmente simbólica tendo em conta que nos últimos meses a possibilidade de renúncia do Papa Francisco já foi várias vezes vaticinada.

Depois de percorrer a totalidade do corredor e de conversar individualmente com cada um dos presentes, Francisco regressou, visivelmente cansado e coxeando ainda mais, até ao seu lugar na dianteira do avião — onde permaneceu até à aterragem.

Pouco antes das 10h, hora prevista para a chegada do Papa a Portugal, o avião da ITA Airways pisou a pista do aeroporto de Lisboa e dirigiu-se para a zona militar do aeroporto — a base de Figo Maduro —, onde o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já aguardava Francisco. Apesar das mostras de maior capacidade física evidenciadas durante o voo, as escadas continuavam a ser um problema para o joelho do Papa, o que obrigou Francisco a descer do avião através de um elevador, numa cadeira de rodas. O Papa foi recebido também pela ministra Ana Catarina Mendes, que tem acompanhado a pasta da JMJ, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e por outras figuras do Estado português, bem como por uma delegação de bispos que incluía o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, o presidente da Fundação JMJ, Américo Aguiar, e o presidente da Conferência Episcopal, José Ornelas — e seguiu para uma breve cerimónia privada de acolhimento à porta fechada.

Como acontece tradicionalmente, o Papa Francisco recebeu um ramo de flores das mãos de duas crianças — Margarida e José, de sete anos, os dois filhos de militares — antes de seguir para a receção oficial no Palácio de Belém.

Comitiva saudada por milhares de peregrinos nas ruas de Lisboa (e jornalistas escoltados pela polícia)

Em poucos minutos, a receção na base aérea de Figo Maduro ficou terminada e o Papa Francisco seguiu para a residência oficial do Presidente da República. Como tem sido hábito, o carro do Papa destoou na enorme caravana automóvel que o transportou pelas artérias da cidade de Lisboa: Francisco deslocou-se num Toyota branco que contrastou com os carros de alta cilindrada pretos e as carrinhas de vidros escurecidos que transportaram a comitiva e o séquito papal.

A multidão, concentrada especialmente no último troço, na aproximação ao Palácio de Belém, levou o Papa a demorar mais do que o previsto a chegar.

Os primeiros a seguir viagem do aeroporto até Belém foram Marcelo Rebelo de Sousa, os membros do Governo e os bispos e cardeais, que seguiram a todo o gás numa comitiva de automóveis pela 2.ª Circular. Na mesma comitiva, a partir das carrinhas destinadas aos elementos da comunicação social acreditados junto do Vaticano, o Observador pôde testemunhar o cenário com que o Papa se deparou poucos minutos depois: largas centenas de pessoas nas bermas das estradas por todo o percurso, gritando palavras de apoio ao Papa, acenando aos veículos oficiais, empunhando cartazes e bandeiras. “Esta é a juventude do Papa”, ouvia-se por todo o caminho entre o aeroporto e Belém — com o espanhol dos latino-americanos a ser a língua mais ouvida.

A multidão, concentrada especialmente no último troço, na aproximação ao Palácio de Belém, levou o Papa a demorar mais do que o previsto a chegar. Embora não tenha viajado no papamóvel — este veículo, cuja utilização é particularmente mais cansativa para o Papa, está reservado para as grandes celebrações com multidões —, Francisco não ficou indiferente às muitas pessoas que o esperavam e acenou aos peregrinos, o que levou a caravana, escoltada por dezenas de motas da polícia, a andar mais lentamente do que o previsto.

A partir da chegada a Belém, o Papa cumpriu uma rigorosa agenda oficial, que o Observador pôde testemunhar em vários dos pontos da zona ocidental da cidade por onde Francisco passou — já que os jornalistas que acompanham a comitiva papal são transportados para todos os lugares da agenda do Papa em carrinhas dedicadas, escoltadas pela polícia e em marcha de urgência. Aliás, o alarido é tal em torno das viaturas da imprensa — que circulam em caravanas encabeçadas por motas da polícia a alta velocidade, obrigando o trânsito a parar, ao som de insistentes sirenes, passando semáforos vermelhos e até andando em contramão — que muitos peregrinos e participantes da JMJ, pelas ruas da cidade de Lisboa, têm acenado, fotografado e aplaudido a caravana, aparentemente por pensarem que se trata da aproximação do próprio Papa.

No Palácio de Belém, depois de uma saudação oficial com honras militares na zona exterior do palácio, o Papa Francisco teve um encontro privado com Marcelo Rebelo de Sousa e deixou uma mensagem no livro de honra do palácio: “Peregrino da esperança em Portugal, rezo e faço votos para que este país de coração jovem continue a fazer-se ao largo rumo a horizontes de fraternidade; Lisboa, cidade do encontro, inspire modos de enfrentar em conjunto as grandes questões da Europa e do mundo.”

Dia dedicado a compromissos oficiais — mas com mensagem global

O Vaticano não escondeu, em nenhum momento, que a prioridade do Papa Francisco nesta passagem por Portugal era uma: os jovens. Ainda assim, o Papa, chefe de Estado da Santa Sé e líder eclesiástico, teve de reservar algum tempo para estas funções em Portugal. A solução encontrada foi a de usar a totalidade do primeiro dia para, com uma agenda intensa só possível de cumprir graças à permanente escolta policial da caravana automóvel do Papa, os encontros com as autoridades civis e com o clero do país.

Pegando na deixa de Marcelo, o Papa Francisco disse estar “feliz por estar em Lisboa”, que caracterizou como uma “cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal” — destacou até o exemplo da Mouraria.

Foi no Centro Cultural de Belém, partilhando o palco com Marcelo Rebelo de Sousa, que o Papa Francisco fez o seu primeiro discurso de fundo em solo português. O Papa dirigia-se, na descrição do Vaticano, às “autoridades, sociedade civil e corpo diplomático” — perante uma sala repleta de figuras da cultura, diplomatas e representantes das autoridades nacionais — e, no discurso que fez, marcou logo o tom do que seria a sua passagem pelo país, com referências a figuras como Camões, Amália, Daniel Faria, Fernando Pessoa ou Saramago.

Marcelo Rebelo de Sousa tinha sido o primeiro a falar, para elogiar o Papa Francisco pela sua busca das periferias e pela “luta contra fomes, misérias, opressões, abusos, xenofobias, intolerâncias, exclusões dos deserdados destes tempos”. Pegando na deixa de Marcelo, o Papa Francisco disse estar “feliz por estar em Lisboa”, que caracterizou como uma “cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal” — destacou até o exemplo da Mouraria, “onde convivem pessoas provenientes de mais de sessenta países”.

A partir da localização geográfica de Lisboa, no confronto entre o oceano e o continente, o Papa sublinhou que é mais fundamental do que nunca “conceber as fronteiras, não como limites que separam, mas como zonas de contacto”. Sempre apelando à alteridade e à necessidade de ir em busca do outro, do diferente, o Papa Francisco destacou o papel de Lisboa — com o tratado de Lisboa assinado em 2007 — numa “mudança de ritmo” para o continente europeu. Os desígnios fundamentais da comunidade europeia, “esculpidos na memória desta cidade”, devem contribuir para a criação de um “multilateralismo mais amplo do que o mero contexto ocidental”. Ou seja: o mundo não se esgota na Europa. Perante autoridades políticas e diplomáticas, o Papa Francisco traduziu para o contexto político a sua mensagem central — procurar as periferias.

O momento que se vive hoje na Europa e no mundo é “tempestuoso”, assumiu o Papa Francisco. A partir de Lisboa, o líder a Igreja Católica deixou uma mensagem de abrangência global: “Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza, apetece perguntar-lhe: Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo? E ainda, alargando o campo: Que rota segues, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o estado social. Fica-se preocupado ao ler que, em muitos lugares, se investem continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos.”

Papa Francisco nas entrelinhas. Os avisos à Europa, as críticas à eutánasia e ao aborto e uma citação de Saramago

De cadeira de rodas, o Papa Francisco foi transportado por uma entrada lateral do palco do auditório do CCB e levado, de carro, para a nunciatura apostólica, a embaixada da Santa Sé em Portugal, onde está a residir por estes dias. À chegada à nunciatura, quebrou o protocolo e, mesmo na cadeira de rodas, cumprimentou muitas das pessoas que o esperavam à porta do edifício. Depois, ficou num período de descanso privado até por volta das 16h30, altura em que recebeu justamente naquele local o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e o primeiro-ministro, António Costa. Os encontros duraram apenas 15 minutos — e, no final, Francisco e Costa trocaram presentes. O Papa entregou ao primeiro-ministro um tríptico de medalhas papais referente ao décimo ano de pontificado e um conjunto de livros religiosos, enquanto Costa ofereceu ao Papa uma escultura de São Francisco de Assis, a “Obra completa do padre Manuel Antunes” e ainda o livro “Santuários Marianos – Portugal”.

Atenção às vítimas de abuso

Depois de se ter dirigido ao país, ao fim do dia o Papa Francisco voltou-se para dentro e dirigiu-se à Igreja em Portugal: voltou a Belém, para rezar vésperas com os membros do clero português: os bispos, os padres, os diáconos, as religiosas e os religiosos. Na abertura, foi José Ornelas, o presidente da Conferência Episcopal, quem saudou o Papa e garantiu a adesão dos católicos portugueses ao magistério que o Papa tem desenvolvido na Igreja e “projetado para toda a sociedade” — e sublinhou a necessidade de uma “atenção particular” à “defesa do bem das crianças” e ao “compromisso de defendê-las de toda a espécie de abusos”.

“Às vezes podemos sentir um cansaço semelhante no nosso caminho eclesial. Cansaço. Alguém dizia: ‘Temo o cansaço dos bons.’ Um cansaço quando nos parece que nada mais temos nas mãos além das redes vazias. Trata-se dum sentimento bastante difundido nos países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo, pela indiferença para com Deus, por um progressivo afastamento da prática da fé”.
Papa Francisco

Dirigindo-se ao clero português, o Papa Francisco usou as referências bíblicas relativas à vocação dos primeiros discípulos, chamados enquanto pescavam, para ilustrar a tentação em que a Igreja cai frequentemente nos dias de hoje: desistir quando não consegue fazer passar a mensagem. E, nesta mensagem, o Papa não esqueceu a crise dos abusos sexuais de menores no contexto da Igreja — especialmente quente em Portugal desde a publicação do relatório final da comissão independente em fevereiro deste ano.

Abusos, os símbolos de Portugal, o desafio para a ação e a busca da fé. Discurso do Papa Francisco nos Jerónimos nas entrelinhas

“Às vezes podemos sentir um cansaço semelhante no nosso caminho eclesial. Cansaço. Alguém dizia: ‘Temo o cansaço dos bons.’ Um cansaço quando nos parece que nada mais temos nas mãos além das redes vazias. Trata-se de um sentimento bastante difundido nos países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo, pela indiferença para com Deus, por um progressivo afastamento da prática da fé”, disse o Papa. “Aliás isto vê-se, com frequência, acentuado pela desilusão e a raiva que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto e que nos chamam a uma humilde e constante purificação, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar.”

Do Mosteiro dos Jerónimos, o Papa Francisco regressou à nunciatura para um período privado — e só mais tarde o Vaticano anunciaria que, naquele período, o Papa se encontrara com 13 vítimas de abusos sexuais de menores por elementos da Igreja em Portugal. O encontro, de mais de uma hora, decorreu “num clima de intensa escuta”, disse o Vaticano. Ao Observador, a psicóloga Rute Agulhas, coordenadora do Grupo VITA — o organismo da CEP para apoio e acompanhamento de vítimas de abusos — explicou que as 13 pessoas foram identificadas pelo grupo e pelas comissões diocesanas, de modo a que o encontro pudesse ser “reparador”.

“Da parte do Santo Padre, sentimos total disponibilidade para escutar, para ouvir, e o perdão, em seu nome e da Igreja”, disse ainda. “Cada pessoa falou o que entendeu. Da parte do Papa houve total disponibilidade para escutar até ao fim. Senti uma total disponibilidade de verdadeira escuta, e algumas palavras de reconhecimento dessa dor, de encorajamento.”

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.