A esmagadora maioria dos ministros de António Costa que já não o são está no setor público, foram vários os que saíram do Governo para cargos políticos ou de nomeação política (são 18 em 24). Entre as figuras que lideraram ministérios nos últimos seis anos, apenas duas estão no privado — e porque regressaram ao lugar de origem (na academia) –, três reformaram-se e um dos ex-ministros não disse (ainda) o que vai fazer.
Pedro Siza Vieira tem mantido reserva sobre a sua ambição profissional futura e só se sabe que, para já, vai dedicar-se ao comentário político na TSF. Quanto ao mais, o ex-ministro da Economia de António Costa nada disse ainda. Quando assumiu funções governativas, Siza Vieira era sócio da sociedade de advogados Linklaters, mas não regressou e quando cessou funções no Executivo até atualizou imediatamente nas redes sociais a sua atividade para “jurista”.
De resto, o destino tem sido público e sobretudo o público. O Observador foi ver onde pára cada um dos ministros que passaram pelos dois governos de António Costa e dos 24 que já saíram (em remodelações ou finais de legislatura) 13 estão hoje no Parlamento ou no setor público. No passado recente já outros cinco tinham regressado ao lugar de deputado quando deixaram os governos que integraram, mas uns saíram entretanto (por exemplo João Soares ou Eduardo Cabrita) e outros acumularam o mandato com a docência na universidade (por exemplo, Constança Urbano de Sousa).
Para um comparativo, o Observador foi também recuperar o caminho dos ex-ministros de Passos Coelhos depois de saírem de funções e os nomes de topo ingressaram rapidamente no setor privado, muitos deles logo após saírem do Governo.
Cargos políticos. Deputados e eurodeputados
É na frente política onde está o maior número de ex-governantes de António Costa. Logo no topo, como segunda figura do Estado, está Augusto Santos Silva, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e conhecido como recordista na permanência em governos. Foi presença constante nos executivos de António Costa desde 2015 e acabou por dar sinal de estar a pensar no futuro que se seguiria quando, em julho de 2021 numa entrevista ao semanário Expresso, desejou que o PS lhe permitisse terminar a sua atividade profissional como professor, na Faculdade de Economia do Porto. Ainda não foi agora que regressou à base.
No Parlamento, Santos Silva tem vários ex-colegas do Conselho de Ministros na bancada do PS. Alexandra Leitão é uma delas, tendo até recusado ser líder parlamentar neste regresso por preferir funções executivas — o que soou imediatamente a insatisfação com a saída do Governo onde era ministra da reforma Administrativa (o ministério foi extinto). João Pedro Matos Fernandes, ex-ministro do Ambiente, assumiu o lugar de deputado quando saiu do Governo, agora em março, bem como o até então ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. Outra ex-ministra (da Cultura), Graça Fonseca, tem o lugar de deputada em suspenso, a pedido da mesma, já que solicitou a substituição temporária por motivo relevante por 90 dias assim que começou esta legislatura. Enquanto não assumir funções é substituída pelo nome que se seguia na lista de candidatos do PS. Luís Capoulas Santos foi ministro da Agricultura até 2019 e depois das legislativas desse ano assumiu o cargo de deputado onde se mantém hoje já que foi reeleito nas eleições de 30 de janeiro.
Dois ministros saíram diretamente do cargo para assumirem candidaturas ao Parlamento Europeu em 2019: Pedro Marques (que foi o cabeça de lista do PS) e Maria Manuel Leitão Marques. Eram, respetivamente, ministro do Planeamento e ministra da Presidência do Conselho de Ministros, tendo cessado funções meses antes de terminar a legislatura para prepararem a candidatura que iriam assumir nas Europeias desse ano. Desde então mantêm-se como eurodeputados.
Muitas vezes os ex-governantes que regressam ao Parlamento não chegam a completar a legislatura no cargo, assumindo outras funções a meio caminho. Foi o que aconteceu com Manuel Caldeira Cabral ou Ana Paula Vitorino, por exemplo (ler mais abaixo) ou até mesmo com Pedro Passos Coelho ou Paulo Portas (ler ainda mais abaixo neste artigo). Ou seja, quem fica agora tem grande probabilidade de vir a encurtar o mandato.
Organismos públicos. Cabrita volta à base 34 anos depois
Em 1985, era Aníbal Cavaco Silva primeiro-ministro (e ainda sem maioria absoluta), Eduardo Cabrita entrou na Inspeção Geral de Finanças e está agora de regresso, 34 anos depois de lá ter estado pela última vez.
Três anos depois de entrar na IGF, Cabrita rumou a Macau onde foi adjunto do Secretário-Adjunto para a Justiça do Governo. Ficou em Macau até 1996, exercendo várias atividades (foi professor na Faculdade de Direito, perito Permanente da Representação Portuguesa no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês sobre a Questão de Macau, e diretor do Gabinete para a Tradução Jurídica do Governo de Macau). Manteve sempre funções públicas e, em 1999 entrou pelo Governo pela primeira vez como secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça. Sempre que o PS voltou a ter funções governativas, Cabrita também regressou e, nas intermitências, foi deputado. Em dezembro demitiu-se, muito desgastado, de ministro da Administração Interna. Regressou brevemente ao Parlamento, assumindo o lugar para o qual tinha sido eleito. Afastou-se de funções públicas e retomou à base.
Ao Observador diz: “Cessando o serviço cívico regressei ao organismo a cujo quadro pertenço há mais de 30 anos”, referindo-se precisamente à IGF. Atualmente, a sua categoria é de Inspetor de Finanças Superior, de acordo com a nota que esteve disponível no site do último Governo a que pertenceu. Questionado sobre que funções concretas está a exercer, tanto tempo depois de ter saído da IGF Eduardo Cabrita não respondeu. O Observador dirigiu as mesmas perguntas ao Ministério das Finanças, que tutela a IGF, mas também não obteve qualquer resposta.
Outra saída de relevo na era Costa foi a de Mário Centeno. A saída, em junho de 2020, estava articulada há meses com o primeiro-ministro que conhecia a vontade do seu ministro das Finanças avançar para o Banco de Portugal, onde o lugar de governador ficaria vago. Não foi uma saída limpa, já que a oposição questionou a legitimidade e até tentou travar o processo ao aprovar, em junho (a votação foi no dia do anúncio da saída de Centeno), dois projetos de lei, do PAN e do PEV, que instituíam um período de nojo de cinco anos para a nomeação de governador do Banco de Portugal de quem tenha desempenhado funções governativas, na banca ou em consultoras contratadas pelo Executivo. Só o PS votou contra e PCP e PEV abstiveram-se, mas a esquerda acabou por atrasar o processo na especialidade e Centeno foi entretanto nomeado pelo Governo perante críticas à direita sobre a passagem quase direta do Ministério das Finanças para o supervisor da banca nacional.
Ana Paula Vitorino deixou o Governo em outubro de 2019, quando terminou o mandato. Voltou ao Parlamento na legislatura seguinte e, em agosto de 2021, foi nomeada pelo ministro das Infraestruturas para presidir ao Conselho de Administração da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. No Parlamento, na altura, o líder do PSD Rui Rio atirou-se ao assunto: “Aquilo que aqui está em causa é que o senhor ministro [Pedro Nuno Santos] nomeia a mulher de um colega de Governo [Eduardo Cabrita], mas o que eu acho que ainda é pior do que isso: nomeia uma deputada do Partido Socialista.” O ministro da tutela reconheceu Ana Paula Vitorino como “uma das pessoas mais qualificadas no país da área [dos transportes] e quem a conhece percebe que tem um perfil que garante independência face aos regulados”. Antes de ter sido ministra do Mar, Ana Paula Vitorino já tinha sido secretária de Estado dos Transportes (entre 2005 e 2009).
O ministro da Economia que António Costa classificou de forma algo caustica como “tímido e talvez discreto demais” (num congresso do PS) saiu do Governo em outubro de 2018 (na remodelação onde saiu Azeredo, Adalberto e Castro Mendes) e regressou ao lugar de deputado para o qual tinha sido eleito em 2015, pelo círculo de Braga. Menos de um ano depois, Manuel Caldeira Cabral foi nomeado pelo Governo para a administração da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, onde se mantém. Deixou suspenso o regresso à academia, mas mantém como “lugar de retorno” a Universidade do Minho onde era professor antes de ir para o Governo.
Luís Castro Mendes teve uma passagem rápida pelo Governo, tendo sido ministro da Cultura durante dois anos apenas. Além de escritor, tem uma longa carreira de diplomata — neste momento é “embaixador na disponibilidade em serviço” — e, segundo já explicou, acordou com o então ministro dos Negócios Estrangeiros dedicar-se à consultadoria sobre assuntos culturais respeitantes às comunidades portuguesas no estrangeiro. Desde então trabalhou mais de perto com a Secretaria de Estado das Comunidades em vários projetos e atualmente preside ao conselho editorial da coleção “Comunidades Portuguesas”, da Imprensa Nacional que tem por objetivo publicar “testemunhos, documentos, ensaios e obras de criação literária respeitantes aos portugueses que vivem, trabalham e criam fora de Portugal”, de acordo com a descrição que consta no site da INCM.
De volta à academia
Adalberto Campos Fernandes diz que é “normalmente o que acontece”, o regresso ao lugar de origem. Depois de ter estado no Governo, entre 2015 e 2018, o antigo ministro da Saúde foi isso que fez: voltou ao seu lugar na Escola Nacional de Saúde Pública, uma unidade do Ensino Superior Público, onde estava a tempo parcial quando António Costa o chamou para o Governo em 2015. Nessa altura era também presidente da Comissão Executiva do SAMS (0 Serviço de Assistência Médico – Social do Sindicato dos Bancários). Quando saiu do Governo, pediu exoneração das funções no SAMS e a suspensão da atividade como docente, segundo conta ao Observador. Voltou à Escola quando saiu do Governo, o que aconteceu de forma abrupta. Nesta altura, Adalberto Campos Fernandes colabora ainda com a Universidade Europeia (privada) no “desenvolvimento de um projeto de Ciências da Saúde”
Dois meses antes da sua saída do Governo, perante muita contestação no setor da Saúde e picardias públicas entre o ministro da tutela e o das Finanças — é deste tempo o irónico “todos somos Centeno” do ministro da Saúde que evidenciava a relação tensa entre os dois — o primeiro-ministro veio avisar: “Se alguém espera que o professor Adalberto Campos Fernandes deixe de ser ministro para que esses problemas [da Saúde] se resolvam por artes mágicas podem tirar o cavalinho da chuva”. Costa respondia assim à onda de greves, de médicos e enfermeiros, às críticas sobre os problemas de investimento no SNS, às demissões em várias administrações hospitalares e tudo aquilo que pendia sobre os ombros de Adalberto Campos Fernandes. Mas acabou por dar o dito por não dito ao substituir o então ministro por Marta Temido — cujas críticas públicas de que já foi alvo (e a ação do Governo na área que tutelo) por parte de Adalberto sustentam a tese de uma substituição a contragosto.
A história da saída de Constança Urbano de Sousa do Executivo foi ainda mais atribulada. A ministra da Administração Interna não resistiu à onda de incêndios trágicos em 2017 e, depois de uma mensagem grave do Presidente da República, António Costa não teve outra saída que não aceitar o pedido de demissão da sua ministra que voltou de imediato ao lugar de origem, numa universidade privada, além de ter assumido também o lugar de deputada para o qual tinha sido eleita em 2015.
O ingresso no privado, depois do exercício de funções políticas ou em altos cargos públicos tem um travão, um período de nojo de três anos. No entanto, este impedimento apenas visa quem até ali tenha tutelado o setor onde se enquadra a atividade privada. De acordo com a lei das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, quem sai de funções não pode exercer “pelo período de três anos contado da data da cessação das respetivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam atividades no sector por eles diretamente tutelado, desde que, no período do respetivo mandato, tenham sido objeto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual.” Há apenas uma exceção a esta regra: pode voltar ao privado quem regresse ao lugar que ocupava “à data da investidura do cargo”.
Constança Urbano de Sousa manteve o cargo de deputada até ao final da legislatura e foi reeleita em 2019, assumindo a vice-liderança da bancada parlamentar. Ao mesmo tempo continuou sempre a lecionar na Universidade Autónoma, onde estava desde 1998 como professora associada. Em 2015 era também professora do Instituto de Ciências Policiais e de Segurança Interna, mas tem esta atividade suspensa. Recentemente foi eleita pelo Parlamento (onde já não é deputada) membro do Conselho de Fiscalização das secretas.
José Azeredo Lopes é outro dos ex-ministros que optou para voltar à docência depois da saída atribulada do Governo. A sua demissão aconteceu em outubro de 2018, na sequência do roubo de Tancos que acontecera no ano anterior (28 de junho de 2017), e foi apresentada pelo próprio ao primeiro-ministro como uma forma de poupar o desgaste das Forças Armadas, mas a sua cabeça era pedida há muito, sobretudo por PSD e CDS. Em 2019 foi constituído arguido no âmbito da investigação ao que se passou em Tancos, tendo sido acusado de quatro crimes três meses depois por supostamente ter tido conhecimento do plano para a recuperação do material roubado montado pela PJ Militar. Em janeiro deste ano foi absolvido de todos os crimes e prosseguiu com a sua atividade como docente na Universidade Católica do Porto, para onde regressou quando cessou funções como ministro. Mais recentemente assumiu também o lugar de comentador da CNN Portugal.
Neste lote de ex-ministro entra também João Leão. A história do ex-ministro das Finanças é recente e polémica, já que voltou ao lugar de origem, mas com um aditivo. João Leão foi nomeado vice-reitor do ISCTE, onde lecionava antes de entrar no Governo em 2015 (foi secretário de Estado do Orçamento desde então, tendo passado a ministro em 2020). Mais do que isso: o Centro de Valorização de Transferência de Tecnologias do própro ISCTE tinha recebido, já com Leão no Governo, um apoio público que passou pelas Finanças (na ordem dos 8 milhões de euros).
Não há nada na lei já citada que o impeça de exercer este cargo, embora a questão ética tenha sido levantada não só pela oposição como pela Associação Transparência e Integridade até porque o Código de Procedimento Administrativo deixava outras dúvidas. Além disso, o ex-ministro das Finanças foi indicado pelo Governo para se candidatar ao cargo de diretor executivo do Mecanismo Europeu de Estabilidade (vai enfrentar, na eleição em outubro, o ex-ministro das Finanças luxemburguês Pierre Gramegna, o antigo chefe de gabinete do comissário europeu da Economia Marco Buti e o antigo secretário de Estado das Finanças da Holanda Menno Snel).
Foi Manuel Heitor, o ex-ministro da Ciência e Ensino Superior que confirmou a aprovação, pela pena de João Leão, da verba para o centro que o ex-ministro agora gere. Também ele saiu do Governo nesta leva e também ele regressou ao seu posto de docente do Instituto Superior Técnico onde leciona desde 1986, sendo professor associado desde 1991. Entre 2001 e 2011 foi secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e manteve sempre o regresso a esta base. Na mesma linha, Ricardo Serrão Santos, que foi ultimamente ministro do Mar (outro Ministério que desapareceu) voltou à Universidade dos Açores, onde estava antes de ir para o Governo.
Quem passou diretamente do Governo à reforma
José António Vieira da Silva, ministro da Segurança Social, passou à reforma depois de ter saído do Governo, segundo confirmou o próprio ao Observador. Aceitou, de forma temporária, a nomeação da Comissão Europeia para trabalhar com o comissário Nicolas Schmit, na preparação Cimeira Social para a implementação do Pilar dos Direitos Sociais, durante a Presidência portuguesa da UE. Além disso, é diretor-executivo da Fundação Res Publica (o think tank do PS).
O mesmo caminho, da reforma, foi seguido por Nelson Souza que saiu do Governo (onde estava desde 2019) agora em março e aposentou-se. Antes de entrar no Governo era diretor Municipal de Finanças na Câmara Municipal de Lisboa (ainda vinha do tempo da gestão autárquica de António Costa) e antes disso foi gestor do Programa Compete/QREN e do Prime, do Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa, subdiretor Geral da Indústria e administrador da Agência para a Competitividade e Inovação. Já tinha passado pelo Governo por duas vezes no passado, como secretário de Estado.
Entre este grupo de reformados, a mais falada foi a ministra da Justiça Francisca Van Dunem que passa a essa condição neste mês de maio com uma pensão de 6.750 euros mensais, de acordo com o que foi publicado pela Caixa Geral de Aposentações em Diário da República. Aposenta-se como juíza conselheira sem nunca ter exercido essa função no Supremo Tribunal de Justiça já que tomou posse em março de 2016, altura em que já estava no Governo como ministra da Justiça (nos últimos meses do mandato acumulou ainda a Administração Interna, depois da saída de Cabrita). A situação levantou polémica e dúvidas de incompatibilidade, na altura, com o gabinete de Van Dunem a vir detalhar que o concurso para o Supremo abriu em Outubro de 2013 e a ordenação dos candidatos foi definida em 4 de Novembro de 2014, antes ainda de Van Dunem ter sido escolhida para ministra. O Conselho Superior de Magistratura também veio defender a nomeação mesmo com Van Dunem em funções no Governo.
Outras atividades
João Soares saiu do Governo quatro meses depois de ter entrado para a pasta da Cultura por ter prometido dar umas “salutares bofetadas” a dois colunistas do jornal Público, numa publicação que partilhou nas redes sociais. “Os ministros nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo”, disse António Costa em reação à polémica. No mesmo dia, João Soares pediu a demissão, por “não prescindir do direito à opinião”. Regressou ao lugar de deputado na Assembleia da República onde ficou até à ultima legislatura. Já não se quis recandidatar e agora, segundo conta ao Observador, tem respondido a solicitações que lhe vão fazendo para projetos avulso, além de também fazer comentário político na televisão, de 15 em 15 dias (na RTP).
Governo anterior: três de topo no privado e Passos meio/meio
O Observador passou ainda em revista o circuito profissional que foi percorrido pelos principais ex-governantes de Pedro Passos Coelho. Foram dois governos e, tendo em conta a duração do último (11 dias), a última leva de ex-ministros seguiu para o Parlamento, incluindo os próprios primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro. O contexto político era intenso, com António Costa acabado de ser nomeado primeiro-ministro depois de conseguir apoio parlamentar (junto da esquerda) para rejeitar o programa do Governo de Passos, derrubando-o. A expectativa de fragilizar, pelo combate político parlamentar, a solução de governação encontrada por Costa mantinha-se elevada entre PSD e CDS que saíram de funções revoltados com a reviravolta política depois de terem ganho as legislativas desse ano.
E isso foi-se fazendo no Parlamento, onde Pedro Passos Coelho ainda fez muito do combate direto a António Costa, nos debates quinzenais. Só saiu em fevereiro de 2018 e, depois disso, dedicou-se à atividade de docente universitário, no público (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas) e no privado (Universidade Lusíada). Já o seu vice no Governo, o líder do CDS Paulo Portas, manteve-se sempre mais em silêncio nessa legislatura e ficou como deputado apenas até junho de 2016. De seguida passou para a construtora Mota Engil, como responsável pelo conselho internacional (focado no mercado da América Latina), com a empresa a tentar capitalizar a experiência e contactos de Portas que tinha sido ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2011 e a crise do “irrevogável” (2013).
A nomeação foi polémica, mas Portas surgiu rapidamente a jurar legalidade, mas em 2017 surgiu uma polémica, com uma outra construtura (a Tecnorém) a apresentar uma denúncia ao Ministério Público onde acusava Portas de ter favorecido a Mota-Engil no concurso público para a construção da Escola de Comunicações da NATO em Oeiras. A empresa acusava Portas de ter pedido a Alberto Coelho, diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional e presidente do Conselho de Fiscalização do CDS-PP, para que adjudicasse a obra à Mota-Engil. O recurso interposto pela empresa (depois de a queixa ter sido considerada tribunal considerou improcedente) foi rejeitado pelo Tribunal Fiscal e Administrativo de Leiria.
Não é a primeira vez que um ex-governante segue para assumir funções na Mota-Engil no meio de polémica. O mais emblemático foi Jorge Coelho que assumiu a liderança da construtura depois de abandonar a carreira política. Tinham passado já sete anos desde que saíra do Governo (onde tinha a tutela das Obras Públicas) e, mesmo assim, o assunto fez correr tinta e muitas críticas da oposição tendo em conta que tinha tutelado diretamente o setor de atividade a que se dedica a empresa.
Paulo Portas acusado de influenciar concurso público para dar obra da NATO à Mota-Engil
Outra entrada no setor privado foi a de António Pires de Lima, que tinha ocupado o cargo de ministro da Economia e, menos de dois anos depois, já estava na administração da Parfois. A lei apenas estabelece impedimentos por um período específico e em casos muito concretos: era preciso que no tempo em que esteve em funções o governante tivesse tutelado diretamente aquele setor de atividade procedendo a privatizações ou concedendo “incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual”. Não era o caso da empresa em questão.
Mas o caminho seguido pela ex-ministra das Finanças foi o que criou maior controvérsia. Maria Luís Albuquerque assumiu o cargo de deputada e, poucos meses depois, também o cargo de administradora não executiva da Arrow Global, uma empresa britânica da área financeira. Foi até solicitado um parecer à subcomissão de ética que negou existirem incompatibilidades ou impedimentos no acumular daquele função pela deputada que, por sua vez, tinha sido também ministra das Finanças. Em novembro passado, Maria Luís Albuquerque — que entretanto saiu do Parlamento em 2019 — voltou à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), de onde tinha saído em 2011 quando integrou o Governo.
Assunção Cristas saiu do Governo para o Parlamento e em 2017 foi candidata à Câmara de Lisboa, tendo sido líder do CDS e deputada até ao final de 2019. Em janeiro de 2021 começou a trabalhar, como consultora, na sociedade de advogados Vieira de Almeida, liderando uma equipa de apoio especializado na área do Ambiente — chegou a liderar um super-ministérios, entre 2011 e 103 — tutelando a Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território. Acabou só com a Agricultura e o Mar. Já Luís Pedro Mota Soares, o outro ministro do CDS (estava com a pasta da Solidariedade, Emprego e Segurança Social), ficou no Parlamento até junho de 2019 e nesse mesmo ano foi escolhido para liderar a Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas (representa operadoras como a Vodafone, a Meo ou a Nos).
Paulo Macedo foi outro dos casos que suscitou atenção, já que um ano depois de ter deixado de ser ministro (da Saúde) de Passos, o Governo de António Costa o escolheu para presidente-executivo da Caixa Geral de Depósitos. Mantém-se no cargo desde então.
Houve vários ministros que regressaram ao lugar de origem, caso da ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, que regressou ao seu próprio escritório, José Pedro Aguiar Branco (Defesa) fez o mesmo. Ambos mantiveram o cargo de deputados quando sairam do Governo. Já Miguel Poiares Maduro (ministro Adjunto) voltou ao Instituto Universitário Europeu, em Florença, onde dava aulas e, atualmente, além do comentário político que faz na comunicação social, é também diretor da Católica Global School of Law (Universidade Católica Portuguesa).
Também a ministra da Administração Interna Anabela Rodrigues voltou à academia, à Faculdade de Direito da Faculdade de Coimbra, bem como Nuno Crato cuja aposentação foi recentemente publicada em Diário da República. O ex-ministro da Educação reformou-se como professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão com uma reforma de 4.472 euros por mês.
Já Rui Machete (Negócios Estrangeiros) ficou na reforma e Luís Marques Guedes (Presidência e Assuntos Parlamentares) assumiu, quando saiu do Governo, o mandato de deputado, mantendo-se até 2019.
Jorge Moreira da Silva, que é atualmente candidato à liderança do PSD, quando deixou o Ministério do Ambiente ainda assumiu o lugar de deputado, mas em 2016 foi nomeado diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação da OCDE e deixou todos os cargos políticos que ocupava — a candidatura foi individual mas contou com o apoio do ministro dos Negócios Estrangeiros (do Governo PS). Agora saiu do cargo para avançar com uma candidatura às diretas do PSD.