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Chamaram-lhe “a nova Expo” por não haver outro termo de comparação. A Cidade da Água, como ficou conhecido o projeto de reabilitação das antigas instalações da Lisnave, em Almada, está pensada e projetada há 15 anos, mas continua encalhada nos gabinetes, do Governo e da Câmara Municipal. E é apenas uma parcela do projeto maior traçado para a área conhecida como Arco Ribeirinho Sul, que inclui terrenos em Almada, Barreiro e Seixal. Também é apenas uma pequena parte da “grande polis” anunciada por Luís Montenegro no último congresso do partido, que unirá três projetos de reabilitação nas duas margens do Tejo. Além da margem sul, há planos para reabilitar em Oeiras e Algés e para os terrenos que serão libertados quando o Aeroporto Humberto Delgado deixar a Portela. Só que ao contrário da Expo 98, é impossível pôr-lhes um ano de conclusão à frente.
Nesta “grande polis”, há projetos que já estão definidos, calendarizados e até orçamentados. E que foram sofrendo muitas alterações pelo caminho, conforme quem estivesse no poder. É o caso do Arco Ribeirinho Sul e do Ocean Campus, em Oeiras e Algés. No caso deste último, há até um processo em tribunal sobre uma das parcelas. Não se sabe, para já, se a ideia do Governo é levar para a frente o que já está previsto ou se serão feitas alterações aos projetos.
O Executivo fez o anúncio em Braga sem consultar as partes envolvidas, nomeadamente as autarquias. Essas conversas só agora vão avançar. “O Governo irá priorizar o contacto com os autarcas dos municípios envolvidos neste grande projeto de requalificação e renovação do tecido urbano”, diz ao Observador fonte oficial do Ministério das Infraestruturas. “Os contributos que virão destes contactos serão importantes para enriquecer um projeto de larga escala que terá forte impacto na transformação urbana destes municípios”, refere o ministério de Miguel Pinto Luz. Só depois de ouvir “as entidades territoriais que serão parte integrante” é que serão apresentados os detalhes sobre os projetos, que serão todos integrados numa empresa pública de gestão, reabilitação e promoção urbana batizada de Parque Humberto Delgado.
Que zonas vão ser reabilitadas?
Há três áreas de intervenção previstas na “grande polis” anunciada por Luís Montenegro. A primeira, e de maior dimensão, é o chamado Arco Ribeirinho Sul, que abrange terrenos nos municípios de Almada, Barreiro e Seixal.
Em Almada, estão em causa as antigas instalações da Lisnave, numa área designada como Margueira, em Cacilhas, com 46 hectares, atualmente ocupados por uma área de aterro e uma zona urbana com escritórios e armazéns, e mais 11 hectares de doca. No Seixal, a intervenção compreende 226 hectares do parque empresarial, uma área industrial de grandes dimensões que recupera os terrenos públicos da antiga Siderurgia Nacional. Já no Barreiro, a reabilitação deverá abranger cerca de 230 hectares do parque empresarial, numa área que corresponde ao antigo complexo Industrial CUF/ Quimigal.
O segundo polo do projeto anunciado por Montenegro fica na margem norte do Tejo, e dele também se vê o rio. Será reabilitado o espaço entre o Vale do Jamor e Algés, nos municípios de Lisboa e Oeiras. O projeto será levado a cabo pela sociedade Ocean Campus, que ainda vai ser criada para ficar com o plano já existente e desenhado para 64 hectares.
O terceiro e último polo de intervenção da Parque Humberto Delgado é o mais incerto, apesar de já haver estudos sobre as possibilidades de reabilitação daquela zona. Vai incidir sobre os terrenos que serão libertados com o fim do aeroporto Humberto Delgado, nos municípios de Lisboa e Loures. Mas deverá ir além do espaço hoje usado para a aterragem e descolagem de aviões.
O que está previsto para a margem sul do Tejo?
Não faltam documentos, planos de atividades e orçamentos, resoluções do Conselho de Ministros e decretos-lei sobre os projetos de reabilitação do Arco Ribeirinho Sul (ARS), que abrange os concelhos de Almada, Seixal e Barreiro. A mais recente, e que veio alterar significativamente o que vinha sendo planeado para aquela zona pelo menos desde 2009, é uma Resolução do Conselho de Ministros (Resolução do CM) de maio de 2023, e é a que está em vigor.
Foi na primavera do ano passado que o Governo de António Costa decidiu relançar o projeto, calendarizar as obras e definir orçamentos. O primeiro passo consistiu na passagem acionista da Arco Ribeirinho Sul (que se chamava Baía do Tejo) da propriedade direta da Parpública para a alçada da Estamo, a gestora das participações imobiliárias do Estado e que já tinha a incumbência de gerir o património da Baía do Tejo. A mudança teve, assim, o objetivo de aligeirar os processos de decisão. Essa etapa ficou concluída em 2023. De resto, pouco mais avançou.
O investimento público previsto para aquela área é de 353 milhões de euros. Do total, 225 milhões serão alocados às obras e 128 milhões terão como destino a descontaminação dos solos. A maior parte virá do Ministério das Finanças, mas metade do segundo montante será proveniente do Fundo Ambiental.
Assim, serão gastos mais de 14 milhões de euros em estudos, incluindo os “necessários para o alargamento do Metro Sul do Tejo à Costa da Caparica e Alcochete”, três milhões no novo terminal fluvial da Moita e na reabilitação dos terminais de Cacilhas, Seixal, Barreiro e Montijo, perto de 85 milhões de euros na construção de duas pontes entre Montijo e Barreiro e entre o Barreiro e o Seixal e a maior fatia, de 123 milhões de euros, será destinada à construção do Passeio Ribeirinho Sul, uma “via pedonal, ciclável e de estrutura verde que assegura a ligação de Almada a Alcochete, numa extensão total de 35 km”, segundo a Resolução de maio de 2023.
Em 2023, de acordo com o relatório e contas da ARS, a execução dos investimentos previstos ficou muito aquém do que constava no Plano de Atividades e Orçamento para 2023. Foi de apenas 13,8%, o que corresponde a cerca de 500 mil euros. A ARS justifica o atraso com o facto de o Plano de Atividades para 2023-2025 ter sido aprovado no final de outubro de 2023, ao que acresce “a pendência de tramitação legal necessária para a implementação dos investimentos previstos no âmbito” da Resolução do Conselho de Ministros de maio do ano passado. O Observador questionou a Estamo, através da Parpública, sobre a execução total do projeto até agora (2023 e 2024) mas não obteve resposta.
Também o presidente da Câmara do Barreiro, Frederico Rosa (PS), confirma que o projeto redefinido pelo Governo em 2023 mal saiu do papel. Já deveriam ter sido constituídos, por exemplo, um Grupo de Acompanhamento Permanente do projeto, composto pelas autarquias e cerca de duas dezenas de entidades como a Docapesca ou a Soflusa, e uma Comissão Executiva, o que ainda não aconteceu. “Ainda não estamos nessa fase de operacionalização”, diz Frederico Rosa ao Observador. Depois da passagem da ARS para a Estamo “caiu o Governo, houve eleições. É normal que tenha de se recalibrar o calendário”, aponta. “Também é normal que o novo Governo tenha o seu tempo para tomar conta das matérias. Com este anúncio [de Montenegro] não sei o que vai mudar”. Segundo Frederico Rosa, “estava agora a fazer-se este trabalho preparatório no que diz respeito, por exemplo, ao Metro Sul do Tejo”.
De acordo com a Câmara de Almada, esses estudos técnicos “estão a ser realizados dentro dos tempos previstos”. Ao Observador, fonte oficial da autarquia liderada Inês de Medeiros (PS) lembra que a 15 de julho “foi assinado o protocolo entre o Metro de Lisboa, a Câmara Municipal de Almada e a empresa Transportes Metropolitanos de Lisboa” para a realização desses estudos. E “têm existido reuniões frequentes entre o grupo de trabalho constituído por membros destas entidades para consolidação do traçado”.
Adicionalmente, “está em curso uma alteração legislativa proposta pela Estamo junto do Governo para que se desbloqueie a instalação da nova estação fluvial de Cacilhas e que viabilize a operacionalização da nova frota elétrica da Transtejo/Soflusa”. E, por iniciativa da Câmara, “foi feito um esboço para o projeto em causa, sendo que se aguarda que sejam feitos os estudos previstos, nomeadamente os geotécnicos, de solidez das infraestruturas, de proteção costeira, mobilidade, entre outros, da responsabilidade das entidades envolvidas”.
Mas o projeto para Almada vai muito além do metro e do terminal fluvial. A Cidade da Água que deverá nascer nos antigos terrenos da Lisnave, na Margueira, é um projeto antigo. O Plano de Urbanização está feito desde 2009. Esse, o original, incluía um terminal de cruzeiros, uma marina, um museu do Estuário e um museu nacional da Indústria Naval. Mais tarde, em 2015, quando foi criada pela ARS a marca “Lisbon South Bay” para tentar atrair investidores estrangeiros para a região, o projeto para a Cidade da Água já previa escritórios e comércio, hotéis, áreas culturais ou atividades náuticas. O objetivo dos vários Governos, até 2023, era atrair para aquela zona um promotor privado, através da abertura de um concurso público, que ficasse responsável por toda a reabilitação. Chegou a estar estimado um investimento na ordem dos dois mil milhões de euros.
Mas a mesma Resolução do Conselho de Ministros de maio do ano passado veio mudar quase tudo. E foi tomada a decisão de não vender a privados e ao melhor preço a totalidade do complexo da Margueira. A opção tomada pelo terceiro Governo de António Costa foi “negociar com as câmaras municipais planos de ordenamento que permitissem a instalação de comércio e serviços e habitação a custos acessíveis” naquela zona, explica ao Observador Fernando Medina, ministro das Finanças nessa altura. Isso porque o plano anterior “propiciava a construção de habitação de luxo com vista para Lisboa”.
A Resolução de maio de 2023 determina “que sejam desencadeados os procedimentos legalmente previstos tendentes à análise e avaliação, nos termos da lei, da viabilidade de desafetação do domínio público, marítimo, hídrico e ferroviário, do Estado incluídas nos territórios do ARS e consideradas relevantes, tendo em vista a sua integração no domínio privado do Estado e consequente mobilização para a concretização do projeto”.
Neste sentido, segundo o relatório e contas da ARS, “será definido o novo reparcelamento desta área e o consequente desenvolvimento de projetos de edifícios e equipamentos públicos, que poderão apontar para a manutenção e reabilitação de alguns edifícios relevantes na nova estratégia para o território”. De acordo com Fernando Medina, poderá ser feita uma de duas coisas: ou a Câmara assume os investimentos previstos para, por exemplo, a habitação acessível, ou são lançados concursos públicos para os privados construírem, mas com estas limitações de uso.
Para o Barreiro, foi tomada uma decisão semelhante à de Almada para uma parte da área de intervenção. Também para impedir, segundo Medina, a tal construção de luxo. A proposta da Câmara Municipal para revisão do PDM (Plano Diretor Municipal) em 2022 já prevê que 35% do território seja habitação, “mantendo o uso industrial, portuário e logístico (compatíveis com comércio, serviços e armazenagem) em cerca de 48% do território”. Para cerca de 7,5% da zona é proposta a criação de espaços verdes. Tem de ser adequada à Resolução do CM de maio de 2023 a desafetação dos terrenos.
No Barreiro, tal como no Seixal, o problema maior é a descontaminação e remediação dos solos do Parque Empresarial. Só para essa tarefa, naquela que já é a segunda fase do processo, estão previstos 128 milhões de euros. O Governo anterior antevia que estivesse concluída até ao final da anterior legislatura, mas, com a queda do Governo e as eleições, também esse calendário terá de ser revisto.
Os trabalhos terão como base um estudo concluído em 2022, que considera que, “tendo em conta que os grandes depósitos de resíduos existentes nos territórios foram já removidos” na primeira fase, a reabilitação do chamado “passivo ambiental” que ainda existe “deverá passar pela implementação de soluções de remediação in-situ e on-site, que se consideram mais adequadas atendendo a aspetos técnicos, financeiros e de sustentabilidade”. Como resume Frederico Rosa, “precisamos de caracterizar os terrenos para perceber que tipo de remediação podemos fazer dos solos. Se temos de remover os solos e substituir por outros, se podemos selar, porque isto tem impacto diferente a nível financeiro. Temos terrenos valiosíssimos para o Estado”.
Quanto valem as novas "Expos"?
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Com os projetos de requalificação previstos para os três polos da Área Metropolitana de Lisboa (AML), é expectável uma valorização imobiliária das respetivas zonas. Atualmente, o valor médio do metro quadrado em cada uma apresenta diferenças significativas.
Segundo um levantamento feito pela consultora imobiliária JLL, o Ocean Campus (Oeiras e Algés) é líder, com os preços médios mais elevados entre as três. Na zona do futuro campus, a média de preços é de 4280€/m2. As unidades novas atingem 5173€/m2 e as existentes 3450€/m2.
Segue-se a zona do Aeroporto de Lisboa, onde o valor médio é de 3874€/m2. Aqui, as unidades novas podem alcançar os 7600€/m2 enquanto as existentes ficam-se pelos 3300€/m2.
Já o Arco Ribeirinho Sul apresenta valores consideravelmente inferiores. Em Almada, na zona da “Cidade da Água”, o preço médio residencial é de 2482€/m2. Novas unidades atingem os 3692€/m2, enquanto as existentes rondam os 2462€/m2.
No Seixal, na envolvente do parque empresarial, a média de preços é de 2189€/m2. Unidades novas chegam aos 3426€/m2 e as existentes aos 2039€/m2.
No Barreiro, na área do parque empresarial, e média é de 2020€/m2. Unidades novas rondam os 2745€/m2 e as existentes 1824€/m2.
No Seixal, a área que vai ser intervencionada diz respeito aos terrenos da ex-Siderurgia Nacional, hoje desativada e na maior parte demolida. No local permanecem em atividade duas empresas privadas, a Lusosider e a Megasa. Há também um cais abandonado, que pertence à Administração do Porto de Lisboa (APL), “cuja recuperação com prolongamento poder-se-ia tornar um recurso estratégico numa logística futura empresarial marítima”, como se pode ler no Plano de Atividades e Orçamento 2022-2024 da ARS.
Segundo a ARS, “o compromisso urbanístico que permitirá manter o solo urbanizável será consubstanciado em Contratos de Urbanização a estabelecer com o Município, mas estes não se encontram firmados pois aguardaram entendimento da Arco Ribeirinho Sul com a Administração do Porto de Lisboa, que tem licenciados à empresa, até 2030, vastos territórios em Domínio Publico Hídrico”, localizados na área norte e centro do Parque Empresarial. “A desafetação de terrenos do domínio público da APL para o Domínio Privado do Estado/Arco Ribeirinho Sul”, como previsto na Resolução do CM, “permitiria resolver esta questão, com a mobilização deste terraplenos para a concretização do Projeto”.
Já para a área sul do território, localizada “em áreas urbanizáveis para Atividades Económicas, foi desenvolvido um Pedido de Informação Prévia para a viabilidade de construção de uma unidade logística, aguardando-se a sua aprovação”. O parque empresarial do Seixal está dividido em oito zonas, sendo que “o desenvolvimento dos diversos loteamentos, de acordo com as operações definidas, criará um reparcelamento do território que permitirá o desenvolvimento dos projetos de edifícios (novos e requalificados) com usos diversos”.
“Nada disto é novo. Eu cresci a ouvir falar nisto. Está estudado e muito consensualizado”, ressalva o presidente da Câmara do Barreiro. Com o novo aeroporto, anunciado para o campo de tiro de Alcochete, e a terceira travessia do Tejo, que deverá ligar Chelas ao Barreiro por rodovia e ferrovia, a esperança dos autarcas é que a “cidade das duas margens” emerja, por fim, das profundezas dos gabinetes dos organismos públicos.
O que vai ser dos terrenos do Aeroporto?
Dos três grandes polos que vão fazer parte da Parque Humberto Delgado, o que diz respeito ao aeroporto de Lisboa é o que tem o futuro mais em aberto. Desde logo porque o aeroporto da Portela ainda está em funcionamento, e assim deverá manter-se até, pelo menos, um ano após ser inaugurada a nova infraestrutura prevista para Alcochete, que nunca acontecerá antes de 2034. Mas há algumas pistas sobre o futuro dos terrenos que vão ser deixados vagos em Lisboa e Loures.
A área que vai ficar livre na Portela ocupa 477 hectares. Mas o espaço que vai ser intervencionado no âmbito da “grande polis” será, expectavelmente, maior, acredita o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão (PS). “É do nosso interesse haver um projeto de reabilitação de todo aquele espaço, não só dos terrenos onde está a pista do aeroporto”. Isso inclui o conjunto de bairros de génese ilegal (as AUGI — Áreas Urbanas de Génese Ilegal) cuja legalização tem sido inviabilizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), uma vez que os bairros estão junto ao aeroporto. A partir do momento em que o aeroporto deixe aquela zona, defende o autarca, a reabilitação e infraestruturação dos terrenos deve incluir a revitalização daquele espaço.
Esta é a visão da Câmara que, para já, não tem conhecimento de “nenhum plano” previsto para os terrenos da Portela. Mas Ricardo Leão confessa estar “interessado” em saber como vai funcionar a sociedade Parque Humberto Delgado, “que, das palavras do primeiro-ministro, deduzo que será à semelhança do que foi a Parque Expo”, que deu origem à Expo 98 e, posteriormente ao Parque das Nações. “Teve coisas más e teve coisas boas”, mas é o melhor exemplo de “uma reabilitação de um espaço que era uma lixeira e hoje é aprazível”.
A crise da habitação em Lisboa tem suscitado a ideia de que os futuros terrenos libertados do aeroporto poderão ajudar a resolver o problema, através de construção nova. Poderá haver construção, sim, mas com limites. Quando a comissão técnica independente (CTI) apresentou as suas conclusões sobre o aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa, incluiu uma análise sobre o que pode vir a ser a intervenção naquele espaço. O estudo inclui apenas a área ocupada pela pista e pelos edifícios do próprio aeroporto. Ou seja, não estão considerados os edifícios das entidades que ali operam, como a TAP, a NAV ou a ANAC. Que, a partir do momento em que o aeroporto saia dali, é expectável que saiam também.
Na análise da CTI são considerados 477 hectares avaliados em 509,6 milhões de euros. A zona urbanizada poderá estender-se, no máximo, a 14,7%, uma vez que o PDM de Lisboa determina que a maior parte do terreno deve ser afetado a espaço verde. Na área que pertence a Loures, as restrições são menores.
Com base nestes dados, a CTI desenhou três cenários. Um que prevê transformar a totalidade do terreno em espaço verde, outro que admite rentabilizar apenas o espaço onde já existem edifícios e um terceiro, o tal que considera a possibilidade de edificar 14,7% do terreno. Neste cenário, 60% da área urbanizável teria como destino comércio e serviços e os restantes 40% seriam direcionados a habitação e hotelaria. Concretizada esta hipótese, a receita total poderia ascender a quase três mil milhões de euros, sendo 1,3 mil milhões provenientes da venda de casas para habitação e 1,19 mil milhões da venda de escritórios. Esta seria, de acordo com o estudo, “uma das maiores intervenções imobiliárias em Lisboa nas últimas décadas”.
Mas primeiro vai ser preciso descontaminar. O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, prometeu a autarcas, associações e moradores que a solução para os terrenos não vai avançar sem ouvir todos. A data de referência do Governo para a entrada em funcionamento do futuro Aeroporto Luís de Camões, no campo de tiro de Alcochete, é 2034. A nova “Expo” aeroporto é, por isso, um projeto a muito longo prazo.
Que intervenção será feita em Oeiras?
O projeto pensado para Oeiras, um dos três polos da Parque Humberto Delgado anunciada pelo Governo, data de 2019. Mas os planos para aquela zona vêm de longe. Têm mais de 20 anos. Os terrenos chegaram a ser ponderados para a localização da Expo 98.
O plano que está em andamento chama-se Ocean Campus e foi apresentado pela então ministra do Mar, Ana Paula Vitorino (de um governo socialista). Abrange 64 hectares de terrenos de domínio público na zona ribeirinha que vai de Pedrouços, em Lisboa, à Cruz Quebrada, em Oeiras, dos quais os equipamentos mais relevantes são a antiga doca de Pedrouços e os armazéns da Docapesca.
Quando foi tornado público, o investimento total previsto era de 300 milhões de euros, sendo que 73% seria capital privado, 2% público e 25% público-privado. “Um investimento em que se prevê uma receita de 6,8 milhões de euros ao ano, mantendo-se todo este território em domínio público”, disse então Ana Paula Vitorino.
Naquela zona, pretende criar-se o Campus Mar, um cluster de desenvolvimento ligado ao mar que inclui uma escola de estudos superiores, uma zona embrião para startups, auditórios e zona de exposição e duas marinas, no Jamor e em Pedrouços, para navios de investigação, de capital privado. Tudo até 2030. Não está prevista a construção de habitação, mas haverá um novo hotel, que representa a maior fatia do investimento previsto — 38,4 milhões de euros.
E é aqui que reside um imbróglio. O Ocean Campus foi apresentado em 2019, mas os projetos para aquela zona já existem há vários anos. Um deles, o Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Rio Jamor, aprovado em 2014, tem levantado muitas questões no município, por motivos ambientais e não só. Em causa está um projeto imobiliário a desenvolver pelo Grupo SIL, que abarca a zona onde deverá nascer a marina do Jamor, o hotel previsto no projeto, uma zona comercial e espaço verde. Uma parte do empreendimento deverá localizar-se no espaço da antiga fábrica da Lusalite, que usava amianto, o que pode obrigar a trabalhos de descontaminação. Em 2018, a Polícia Judiciária fez buscas à Câmara relacionadas com o processo, devido a um trabalho de consultoria feito ao grupo SIL por uma empresa de Isaltino Morais. E, em 2021, o Ministério Público (MP) interpôs uma providência cautelar contra o projeto. Mas em junho deste ano, de acordo com o jornal Público, o Tribunal Central Administrativo do Sul (TACS) considerou esse processo sem efeito. No entanto, confirmaram fontes oficiais do Ministério Público e da Câmara de Oeiras ao Observador, a ação principal interposta pelo MP “prossegue os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra”.
Segundo o Plano Estratégico do Ocean Campus, apresentado em 2019 e que não sofreu alterações desde então, na área existente serão investidos 114 milhões de euros em construção e reabilitação, enquanto a construção nova deverá custar 125 milhões de euros. Cada marina, do Jamor e Pedrouços, custará 30 milhões de euros.
“O Ocean Campus começa na fundação Champalimaud e apanha os terrenos da antiga lota da Docapesca, do IPMA, o talhão junto ao restaurante mexicano La Siesta e que vão até à Ribeira do Jamor”, resume ao Observador Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras (independente). “Não estamos a pensar em edificações para escritório ou habitação”, garante. Mas há “uma pequena área onde atualmente se realiza o festival Nos Alive que Oeiras quer preservar como área permanente para grandes eventos”.
Outro dos objetivos é “ter áreas para desporto e lazer com a preservação das praias de Algés e da Cruz Quebrada”. Para que o projeto seja concretizado em pleno, o autarca alerta para a necessidade de intervenção no molhe de proteção da Ribeira do Jamor, que está há anos à espera de ser recuperado, e da transferência de competências do Porto de Lisboa para a Câmara. Em fevereiro, a autarquia e a APL assinaram um contrato para a gestão partilhada da frente ribeirinha de Algés, ficando o município, através da empresa municipal Parques Tejo, a explorar zonas de estacionamento e de lazer.
Do lado que está no município de Oeiras, uma parte do investimento virá das fundações Calouste Gulbenkian e Champalimaud. Em 2021 foram assinados dois protocolos com a APL. Um com a Fundação Calouste Gulbenkian para a criação do Centro de Investigação dos Efeitos das Alterações Ambientais na Saúde Humana e nos Ecossistemas e outro com a Fundação Champalimaud para o Centro Avançado para o Desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA).
Na parte que pertence a Lisboa, a Câmara e a APL assinaram em junho de 2023 o contrato de concessão para a instalação na Doca de Pedrouços do ‘Shared Ocean Lab’, uma espécie de “fábrica de unicórnios” como a que existe no Beato. O contrato é válido por 75 anos e o investimento da Câmara é de 26 milhões de euros pelo arrendamento do espaço, mais 31 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para reabilitação.
Tal como na margem sul, também no Ocean Campus a execução dos investimentos está atrasada. Segundo o relatório e contas de 2023 da APL, no ano passado deveriam ter sido investidos 22.500 euros na avaliação ambiental estratégica relativa ao projeto, o que não avançou. Estavam também previstos 440 mil euros para “projetos e zona envolvente”, mas foram executados menos de 35 mil euros. Na reabilitação da Doca de Pedrouços, deveriam ter sido aplicados 584 mil euros, mas foram investidos menos de nove mil.
Isaltino Morais assegura que o município está “empenhado” em cumprir o plano, mesmo com os atrasos da praxe. Sustenta que deve haver “um plano integrado” porque “as entidades envolvidas são muitas e deve ser o Governo a dar o pontapé de saída”. O que parece ser a intenção do Executivo de Montenegro.
O autarca lembra que o modelo usado na Expo 98 passou pela criação de uma empresa mista com as autarquias de Lisboa, Loures e o Estado e diz estar disponível “para prescindir de alguma competências, desde que estejamos presentes na empresa” que vai tomar conta do Ocean Campus.
Para já “é necessário fazer estudos e projetos” e uma empresa pública, defende, “terá mais flexibilidade para andar mais rapidamente, desde que tenha as competências necessárias, nomeadamente ao nível do planeamento”. A Expo 98 não foi para Oeiras. O Ocean Campus 30 ainda é uma hipótese.